Débora Motta
Maira e Marcos Fróes |
Peça de arte presente na exposição destaca os três ossículos da audição: martelo, bigorna e estribo |
A idéia de unir arte e ciência no estudo do sistema auditivo, um dos mais complexos do corpo humano, surgiu da experiência de Maira Fróes como professora do curso de anatomia da Faculdade de Fonoaudiologia da UFRJ. "Os alunos saíam das aulas frustrados por não conseguirem entender. Num dado momento, percebi que as formas anatômicas são belíssimas, se colocadas de um modo diferente da linguagem puramente científica, que é árida. A arte simplifica a compreensão dos conceitos científicos", conta a biofísica, pós-doutora pelo Collège de France. E prossegue: "O objetivo é evocar leituras que não partam apenas da lógica, inerente à academia de ciências, mas que surjam de uma leitura estética, atrelada ao valor artístico e emocional."
A divisão entre as áreas do conhecimento é uma construção intelectual recente na história, como explica Maira Fróes. "Vivemos na sociedade das especializações. Ao longo da nossa escolaridade, somos treinados para amputar a visão lúdica, presente na arte, em nome da lógica. Esse processo ocorre desde a Revolução Industrial e resulta em profissionais acostumados a uma leitura cognitiva limitada", afirma a pesquisadora, observando que a intenção é resgatar no indivíduo a visão espontânea, baseada no tripé arte, ciência e filosofia: "Essa forma universal de encarar a intelectualidade, congregando ciência, arte e humanidades, é a mesma dos gigantes intelectuais da Renascença, entre eles o gênio Leonardo da Vinci."
Um exemplo desse modo mais amplo de interpretar o conhecimento é a extinta cadeira Anatomia e Fisiologia das Paixões, parte do currículo da Escola de Belas Artes (EBA), no século XIX, da então Universidade do Brasil, a UFRJ. "Essa cadeira, criada para ensinar anatomia humana para os artistas, unia essas lições às premências do império recém-criado, na afirmação de uma identidade histórica e cultural, em bases antropológicas, que projetasse a nação internacionalmente", diz Maira Fróes, que se inspirou no nome da cátedra para batizar o simpósio e a mostra. "Os termos ‘anatomia das paixões’ eram usados pelos acadêmicos da época para denominar a expressão das nossas emoções no corpo, baseada nas mímicas gestual e facial. Nesta nova Anatomia e Fisiologia das Paixões, proposta por meu grupo dois séculos mais tarde, identificamos os nossos sistemas sensoriais, que são a audição, a visão, a gustação, o olfato e o tato, portais biológicos da paixão humana", explica.
Fernando de La Rocque |
'Quando somos pequenos tudo é grande': osso temporal direito abriga, ao centro, uma figura humana de papel |
Já a mostra multimídia Anatomia das Paixões: A Criação do Som vai oferecer ao público uma viagem ao sistema auditivo por meio das artes plásticas e da música. O público será convidado a experimentar o processo de formação do som no corpo humano. "Minha expectativa é de que os visitantes saiam da mostra com conceitos esboçados de que o som é uma criação do córtex cerebral, que guarda correspondência com o universo físico, onde está o nosso sensor auditivo", diz a pesquisadora. "Usando a arte, você consegue passar o assunto para qualquer pessoa, seja acadêmico ou não, porque os complicados conceitos científicos ganham uma linguagem que vai além da lógica da ciência, baseada em códigos de entendimento universal", completa.
As peças da exposição – combinadas a outros elementos artísticos, como música, teatro e videoarte – são formadas por ossos humanos. "As peças superam a morte e ganham a imortalidade que o todo-saber proporciona", pondera Maira Fróes. Elas são concebidas através de uma parceria "acadêmico-artística", isto é, sob a orientação científica de Maira e a responsabilidade dos artistas plásticos Nivaldo Rodrigues Carneiro (coordenador de escultura da EBA/UFRJ), Fernando de La Rocque, Alan Verissimo Azambuja e Rodrigo Buarque. "Nenhuma proposta artística saiu sem argumentos científicos e artísticos. O público encontra ambos os objetos, científico e artístico, em uma única obra, graças à fusão equilibrada da ciência com a arte", diz, acrescentando que o projeto, apoiado pela FAPERJ, ainda vai resultar no lançamento do livro Anatomia das Paixões: a criação do som, previsto para o fim de 2009.
Página Inicial | Mapa do site | Central de Atendimento | Créditos | Dúvidas frequentes