Rosilene Ricardo
Fotos de Divulgação/IBC |
Cegos aprendem a conhecer o outro e o espaço à volta |
O trabalho, que tem o apoio da FAPERJ, é realizado por meio de uma parceria entre a UFF e o instituto, e conta com nove jovens, graduandos e mestrandos de psicologia da UFF, estudantes de dança da pós-graduação da Faculdade Escola Angel Vianna, que organizam as oficinas. Nelas, procura-se trabalhar a percepção do corpo, os movimentos, a noção de espaço e as diferentes texturas dos objetos. A finalidade de tudo isso é que, por meio dessas experimentações e sensibilizações corporais, os deficientes visuais integrantes do grupo podem conhecer melhor o espaço a sua volta, o outro e a si mesmos.
Os encontros acontecem duas vezes por semana, têm duas horas de duração e são vias de mão dupla. Como explica Marcia, a participação de todos é fundamental. "São eles que avisam o que funcionou ou não, que indicam o que é mais importante de ser trabalhado na oficina", diz. Uma das demandas do grupo, por exemplo, foi trabalharmos com a orientação do corpo no espaço em função dos sons que venham de diferentes lados do ambiente. "Para quem perde a visão é crucial orientar-se no espaço pelo som, o que implica um processo de reaprendizagem, de reordenação dos sentidos e do próprio corpo. Em vários encontros, as experimentações corporais visavam exatamente isso, promover essa articulação entre corpo e som, em atividades lúdicas, envolvendo sons diversos e movimentos variados do corpo."
Algumas experimentações corporais envolvem sensibilizar o corpo para objetos com diferentes texturas, outras promovem atividades ligadas ao equilíbrio do corpo, enquanto outras exploram o espaço. "Ao fim de cada encontro, sempre há um tempo de discussão para que os participantes possam falar daquilo que foi experimentado, propondo e indicando caminhos a serem seguidos. Nesse espaço de discussão é possível saber o que, para o grupo, é relevante ser trabalhado", diz Marcia. Muitas vezes, discute-se também o que não funcionou – ou, pelo menos, não como foi inicialmente planejado.
"Numa das oficinas, colocamos uma venda nos olhos dos participantes com baixa visão para que todos pudessem experimentar a condição de não ver. No final, porém, um dos integrantes, que havia ficado cego há pouco tempo, protestou contra o uso das vendas, argumentando que elas produziam uma cegueira ‘artificial, de mentira’, enquanto a cegueira dele era real", conta. O protesto levantou uma série de discussões no grupo sobre o que é ‘ver’ e o que é ‘não ver’. Para as pesquisadoras, foi um momento decisivo no trabalho porque a intervenção com as vendas foi colocada em xeque, problematizada e discutida pelo grupo.
Seja a dança de roda ou objetos como elástico e bola, tudo ajuda no processo de sensibilização do corpo e percepção do espaço |
Outro desafio foi ensinar a uma menina de 10 anos, que nunca enxergou, a interpretar uma bailarina – seu papel na peça de fim de ano no IBC. Como mostrar-lhe a leveza e suavidade de movimentos para que ela conseguisse compor o personagem? Para isso, o grupo esticou um lençol a certa altura do chão, colocando por cima dele uma grande bola com um pouco de arroz em seu interior. Embaixo do lençol, os alunos podiam sentir a bola passar de um lado para o outro. Logo, a menina pôde associar os movimentos da bailarina à leveza da bola. "Não queríamos que ela imitasse exatamente o que faz uma bailarina, mas fazer com que o público identificasse nela o personagem. Foi um processo longo, mas ela pôde interpretar a bailarina a partir dessas percepções. Ficou lindo", emociona-se.
Aprendizado tem bons resultados na vida cotidiana |
"Quando você perde a visão, você morre e nasce de novo", fala Camila Araújo Alves. Aos 18 anos, ela é deficiente visual desde os 14 devido a uma doença congênita. Da revolta à aceitação, Camila passou por várias fases difíceis enquanto perdia gradativamente a visão. A determinação para ingressar na universidade a levou a estudar com enorme afinco. O resultado compensou: dos seis vestibulares que prestou, passou em quatro e acabou optando pelo curso de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde conheceu a professora Marcia.
Camila não só passou a participar das oficinas de Experimentação Corporal como também é membro da equipe de pesquisa. Além disso, Camila passou pelos cursos de reabilitação no instituto. "Nas aulas de Atividades da Vida Diária, e de Orientação e Mobilidade, reaprendi a fazer uma série de atividades cotidianas e pude reconquistar uma certa autonomia. Hoje, moro com a minha prima, mas me viro sozinha", diz Camila.
Outro caso que ainda emociona a equipe foi de uma jovem que, ao se tornar deficiente visual, viveu 30 anos isolada, sem sair de casa. Agora, aos 46 anos, a mãe a levou para conhecer o processo de reabilitação no instituto. Na Oficina com o grupo, ela vem obtendo resultados surpreendentes. Atrofiada por falta de movimento, ela já consegue abrir a mão e mexer os dedos. "O que pode parecer pouco para muita gente, como levantar ou mover partes do corpo, para nós são grandes conquistas, comemoradas por todos", diz Marcia Moraes.
Uma escola de referência
O Instituto Benjamin Constant é um centro de referência nacional para as questões de deficiência visual. Conta com uma escola, onde estudam 670 alunos, capacita profissionais, assessora instituições de ensino, faz consultas oftalmológicas gratuitas à população, organiza atividades de reabilitação, produz material impresso em braille e publicações jornalísticas e científicas. Segundo assessores da instituição, no processo educacional do deficiente visual é importante considerar a estimulação precoce, que atende crianças de zero a quatro anos, cegas e de baixa visão, promovendo o desenvolvimento psicomotor e afetivo indispensáveis para seu ingresso na pré-escola.
Há ainda intensa procura pelos cursos de braille, sorobã (calculadora), orientação e mobilidade, atividades da vida diária e educação física (com atletismo, natação, futebol, goalball, modalidade esportiva praticada somente por cegos) e atendimento a surdo-cegos. O IBC ainda presta atendimento preventivo, com consultas oftalmológicas, tratamento ambulatorial e cirúrgico à comunidade (operações de catarata, glaucoma e pterígio) além de cursos de capacitação para professores, aberto a profissionais de todo o Brasil.
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