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Publicado em: 13/10/2016
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Caramujos terrestres: novos aliados da datação por carbono-14

Aline Salgado

Os moluscos terrestres usados no estudo: Thaumastus sp.
(A, B e C) e  
Megalobulimus sp. (D) (Fotos: Arquivo Pessoal)

O estudo de civilizações pré-históricas ganhou uma recente  e importante contribuição da Física Nuclear, que promete expandir as pesquisas de arqueólogos em sítios no Brasil. Projeto multidisciplinar, coordenado pela física e professora Kita Macario, da Universidade Federal Fluminense (UFF), comprova que caramujos terrestres podem ser utilizados para medir a idade de vestígios do passado por meio da técnica de datação por carbono-14 (14C) – um isótopo radioativo e oriundo do carbono, resultado da reação nuclear natural da radiação cósmica que vem do Espaço com a atmosfera da Terra.

Abundante na costa brasileira, o caramujo terrestre está presente em diversos sítios arqueológicos no Brasil, como, por exemplo, em alguns sambaquis: grandes montanhas de conchas, formadas por carapaças de moluscos marinhos e terrestres, descartadas ao longo de milhares de anos por nativos que habitavam a costa. Os moluscos marinhos possuem um déficit de radiocarbono em função das trocas mais lentas do gás atmosférico com o ambiente marinho. É o que os pesquisadores chamam de "efeito reservatório marinho".

Essa diferença entre organismos marinhos e terrestres gerava um relativo desconforto nos arqueólogos que, conforme explica Kita Macario, evitavam aprofundar as pesquisas em sítios com tais características. A saída para essa situação, no entanto, poderia estar num elemento presente no contexto arqueológico, mas cujo habitat natural sempre foi a terra: o caramujo terrestre.

Para que esses moluscos se constituíssem como um material possível de ser usado como ferramenta de datação de vestígios encontrados em sítios arqueológicos era preciso, ainda, atestar se eles estavam em equilíbrio isotópico com o ambiente da época. Isto é, se os caramujos terrestres não consumiram carbono-14 de outras formas, senão através da troca natural com o meio ambiente, que se dá ao longo dos diferentes estágios da cadeia alimentar. 

"São vários os materiais utilizados para datação de vestígios arqueológicos, tais como ossos de humanos e de animais, e carvão, oriundo de fogueira ou madeira. Mas para que estes materiais possam ser utilizados para medir a cronologia dos vestígios, é preciso ter a certeza de que eles estão em equilíbrio isotópico com o ambiente da época de quando eram vivos", afirma Kita. 

No gráfico, o "Pico da Bomba": aumento
de carbono-14 na atmosfera
 

A pesquisadora esclarece que nos anos 1950, 1960 e 1970, a atmosfera terrestre sofreu um acúmulo de carbono-14 em função do aumento no uso e testes de bombas atômicas. Em maior e menor grau, o radionuclídeo – no caso, o carbono-14 – se espalhou por todo o globo terrestre. Consequentemente, elevou-se a presença de carbono-14 em animais e plantas. 

"Todos os organismos vivos, como nós, absorvem a mesma proporção de carbono-14 presente na atmosfera. Quando morremos, o organismo deixa de realizar essa troca e a quantidade de carbono vai diminuindo ao longo do tempo. É assim que conseguimos determinar a idade de sua morte”, diz a professora da UFF. Ela acrescenta que cada meia-vida, o tempo que um elemento leva para reduzir à metade sua concentração inicial, equivale a 5.730 anos. No entanto, para fazer essa conta, é preciso ter a garantia de que o organismo esteve em equilíbrio com o ambiente.

Com a contribuição do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), Kita e sua equipe obtiveram amostras de caramujos terrestres coletados nos anos 1950. Com o auxílio de um equipamento único na América Latina, instalado no Laboratório de Radiocarbono da UFF e em operação há quatro anos na instituição, o acelerador de partículas, o grupo de pesquisadores reduziu as amostras em grafite, e, então, transformou o material em feixes de íons. Dentro do acelerador, estes feixes correm de um lado para o outro. A reação, na verdade, é a separação dos isótopos de carbono –12C, 13C e 14C – de acordo com a sua massa. Ao final do processo, consegue-se saber quanto de carbono-14 (14C ) existe no material e, assim, a idade do vestígio.

Por meio desta análise, Kita e sua equipe concluíram que os caramujos terrestres coletados nos anos 1950 têm exatamente a quantidade de carbono-14 específica da época. "Eles sofreram alterações iguais à curva do 'Pico da Bomba' no Hemisfério Sul, quando se teve um aumento da quantidade de carbono-14 na atmosfera, em função dos testes nucleares. Logo, são bons materiais para datação", afirma a física. 

Com esta constatação, a pesquisadora avalia que diversos outros trabalhos no campo da Arqueologia e até da Geologia Marinha podem vir a surgir. "Ganha-se uma variedade ainda maior de materiais para datação em sítios arqueológicos. Sem falar na possibilidade de entender melhor o reservatório marinho e a cronologia dos organismos que viveram  ali", diz a professora da UFF.

A pesquisa de Kita foi publicada em junho na revista Nature Scientific Reports, em colaboração com os pesquisadores Luiz Simone e Daniel Cavallari, do Museu de Zoologia da USP. Parte dos resultados do estudo foi desenvolvido na Universidade de Oxford, no Reino Unido, em 2015, quando Kita era bolsista de pós-doutorado pelo Programa de Estágio Sênior no Exterior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Carla Carvalho (E), da Geoquímica da UFF, e Kita: dupla
acaba de ter aprovado apoio para Acelerador de Partículas

Desde 1998, a pesquisadora conta com o apoio da FAPERJ para desenvolver estudos ligados à evolução geológica e ocupação pré-histórica da costa sudeste brasileira, por técnicas de Física Nuclear. Em 2013, ela foi contemplada no programa Auxílio à Pesquisa (APQ 1), antes de obter apoio, em outra linha de fomento da Fundação, no edital Apoio a Grupos Emergentes, que contribuiu diretamente para que Kita alcançasse os resultados do estudo sobre caramujos terrestres, publicado na Scientific Reports.  No mês passado, a pesquisadora recebeu dois novos apoios da FAPERJ: o edital de Apoio à Manutenção de Equipamentos Multiusuários, que vai garantir o bom funcionamento do acelerador de partículas da UFF, por mais dois anos, e o Cientista do Nosso Estado. “Estes apoios são de grande importância para manter em funcionamento o único laboratório do Brasil a realizar a técnica de datação de carbono-14 por espectrometria de massa com aceleradores”, diz Kita, que faz questão de ressaltar que, sem o apoio inicial recebido da Fundação, ela não teria avançado e nem alcançado outros recursos para a pesquisa.

"Esses apoios novos que ganhei, como o edital de Apoio à Manutenção de Equipamentos Multiusuários e, principalmente, o Cientista do Nosso Estado, são frutos colhidos do próprio investimento da FAPERJ de quando ganhei o Apoio a Grupos Emergentes e que financiou minhas pesquisas até agora. Acho mesmo muito importante investir em quem ainda está no começo. Sem esse investimento da Fundação, eu não conseguiria hoje ter produção para ter sido selecionada nesses outros editais maiores", afirma.

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