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Publicado em: 29/06/2017
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Uma câmera na mão e histórias para contar: ajudando a superar obstáculos de aprendizado escolar

Vilma Homero

 

 

De câmera em punho, os estudantes Erick e Adrian gravam as histórias
que querem contar e vão superando as dificuldades do aprendizado da
leitura e da escrita
 (Foto: Divulgação/Adriano C. Batista) 

A estrada é de terra, e não é fácil chegar lá. Pelo caminho, dá para ver aqui e ali ossos de animais. A casa, toda gradeada e pintada em azul e branco, não tem nenhuma indicação de que ali funciona uma escola. O telhado é de amianto, o que torna o calor insuportável nos dias quentes. Mas o pior é que, como em muitas casas das redondezas, o abastecimento de água é incerto. O que significa que no banheiro dos alunos a falta de água é uma constante. Em condições tão adversas, manter a atenção e o interesse em aprender é muito, muito difícil. Não é por acaso que muitos alunos por ali – e em outras escolas parecidas – não conseguem aprender a ler ou a escrever. Mas isso parece estar ficando no passado. Usar uma câmera na mão, como alternativa complementar ao lápis e papel, pode fazer com que os estudantes mudem esse roteiro e superem as dificuldades da leitura e da escrita para contar suas próprias histórias.

A tese do grupo de pesquisas Alfavela, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Instituto de Educação de Angra dos Reis (UFF/Iear), vem se mostrando bem-sucedida e a razão para isso cabe em apenas uma palavra: motivação. É como o professor Rodrigo Torquato da Silva, da UFF, e coordenador do grupo, explica: “Para crianças habituadas à predominância da oralidade, é muito difícil dar conta e dominar os signos da escrita, ainda mais em condições tão precárias. Por outro lado, ter uma câmera na mão possibilita uma outra forma de expressão, o audiovisual. Isso os motiva a contar suas próprias histórias. Na Argentina, por exemplo, o cinema já faz parte do currículo escolar infantil.”

Torquato sabe bem do que está falando. Com o grupo Alfavela, eles apresentaram, no início de junho, o resultado de seu trabalho com o projeto "Imagem, Som e Alfabetização" no IX Seminário Internacional "As Redes Educativas e As Tecnologias", na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Intitulado "No Caminho dos Ossos – a escola desenterrando-se", o artigo-imagem acompanhou o desenrolar da pesquisa longitudinal realizada a partir de 2012, com fomento da FAPERJ. O filme, de 30 minutos, mostra como uma câmera conseguiu fazer com que os estudantes se interessassem em aprender.

Para os bons resultados apresentados não foi preciso muito. “Tivemos os recursos do edital Apoio à Melhoria do Ensino nas Escolas Públicas, da FAPERJ, o que não foi um investimento financeiro alto. Isso possibilita que projetos semelhantes possam ser desenvolvidos em várias escolas”, acrescenta o professor. 

Contar as próprias histórias foi o começo. E uma das histórias que os alunos queriam contar, por sinal, foi justamente sobre a escola que frequentam no bairro que, por ironia, se chama Bom Retiro, em Caxias, na Baixada Fluminense. No Caminho dos Ossos mostra o trajeto até o colégio, o acesso difícil por aquele mesmo caminho de terra, com pouquíssimas moradias por perto, onde se veem ossadas de animais e muito mato. Foi também o modo como os alunos expressaram suas críticas contra a situação. “Para quem planeja o currículo no conforto de escolas bem aparelhadas, em bairros com infraestrutura, eles nos deram uma aula de realidade”, admite o professor Torquato. 

Em sala de aula, os estudantes escrevem o roteiro do vídeo, com o
professor Heitor Collet Ferreira
(Foto: Divulgação/Adriano C. Batista)

Com a motivação de gravar suas experiências em vídeo, os estudantes também se deram conta de que precisavam dominar muito mais coisas além de enquadramento, luz e manejo da câmera. Para passar para imagens as ideias que tinham na cabeça precisavam de roteiro. Mas como escrever o roteiro, sem dominar a escrita e a leitura? “Isso fez cair a ficha. Eles logo compreenderam que podiam gravar suas experiências em imagem e som, mas que só isso não bastava. Compreenderam na prática a necessidade de saber ler e escrever. Até mesmo para pequenas atividades do cotidiano, como passar uma mensagem por Whatsapp que fosse além dos emoticons”, fala Torquato.

Para isso, todas as aulas juntavam um pouco de cada coisa: imagem, leitura, áudio e escrita. No final, todos faziam a avaliação de como tinha sido o dia, se rendera o esperado, se faltara investir mais em uma das áreas. “A motivação foi o impulso inicial; com ela, despertamos nesses estudantes três aspectos: a atenção arbitrária, que nada mais é do que o foco naquilo que está sendo realizado; e que exige memória lógica, que consiste em lembrar o raciocínio traçado para se chegar a determinado ponto; e a capacidade de comparação, que ajuda a aguçar a capacidade crítica. Tudo isso mostrou como todo aquele aprendizado de leitura e escrita fazia sentido”, explica o professor.

Motivados, os alunos deixaram de faltar às aulas, mostraram-se empenhados em aprender e, no processo, fizeram grandes avanços. “Vários deles começaram a escrever o roteiro. Os que ainda não conseguiam, desenhavam o storyboard. O importante foi a mudança do desinteresse e da apatia para manterem o foco em todo esse processo”, analisa Torquato. Ele dá o exemplo de Tales, aluno da primeira fase do projeto em Niterói, que, quando aparecia na escola, não tinha vergonha em afirmar: “Odeio a escola. Odeio estar aqui.” Mas que, um ano mais tarde, foi ele quem escreveu as onze páginas de roteiro para o vídeo que queria exibir. 

Mas para que tudo isso aconteça, também é preciso contar com a adesão de professores, equipe escolar e secretarias municipais de Educação para promover uma ruptura com o modelo vigente de mero “palestrante” em frente à turma. “Dar oportunidade para que a criança crie seus próprios textos e ultrapasse os muros da escola muitas vezes surpreende. Em um dos colégios em que estivemos, numa área de conflitos entre traficantes e muita violência, apostávamos que os alunos reproduziriam esse cotidiano. A surpresa foi ver que eles preferiram a poesia. “Quero filmar a história da minha égua”, declarou um deles.

Da mesma maneira, os estudantes do bairro Bom Retiro que os conduziram pelo caminho dos ossos, como o lugar é chamado, também fizeram questão de exibir depois o outro lado da moeda: a casa da primeira rezadeira do lugar, mulher quase centenária que estava na lembrança de vários deles, a beleza do ninho de maritacas, que ficava em um buraco inimaginável no morro que surgira como resultado da atividade humana e ainda subir uma colina para ver o Cristo Redentor no alto de uma montanha longínqua, na Zona nobre do Rio de Janeiro. “Eles nos fizeram olhar para o bairro que os cerca até a visão do Cristo, quase como uma aposta na esperança. E criaram imagens com potência para mostrar tudo isso”, resumiu Torquato. E acrescentou: “Eles se mostram dispostos. Também temos que apostar neles.”

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