Débora Motta
Bruno Sobral, na Uerj: para o economista, saída para a crise requer articulação entre a União e os estados e valorização dos investimentos em C,T&I (Foto: Divulgação/Uerj) |
Considerada a mais grave crise sanitária desde a Gripe Espanhola, de 1918, a pandemia causada pelo coronavírus já atinge cerca de 190 países e territórios, deixando até o momento um saldo de aproximadamente 75 mil mortos em todo o mundo. Os impactos da pandemia para a economia internacional, segundo analistas, serão intensos – haverá uma significativa desaceleração do crescimento mundial, no melhor dos cenários, ou uma recessão global em 2020, segundo as projeções menos otimistas. Em comunicado divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) na última segunda-feira, 20 de abril, a diretora-geral do órgão, Kristalina Georgieva, afirmou que a atividade global vai declinar em uma escala como não se vê desde a Grande Depressão, nos anos 1930. Em entrevista concedida por email para o Boletim FAPERJ, o professor Bruno Leonardo Barth Sobral, da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), de onde coordena a Rede de estudos em planejamento e política pública regional orientada ao Rio de Janeiro” (Rede Pró-Rio), traça um panorama dos desafios e perspectivas para a economia estadual em tempos de pandemia. Para ele, a questão exige articulação estratégica entre a União e os diversos estados da Federação e deve ser compreendida de forma abrangente, e não a partir da dicotomia entre salvar a Economia ou a Saúde. Especializado na área de Economia do Desenvolvimento, ele é autor do livro Metrópole do Rio e projeto nacional – uma estratégia de desenvolvimento a partir de complexos e centralidades no território, publicado com apoio da FAPERJ, por meio do programa Auxílio à Editoração (APQ 3).
Boletim FAPERJ – Alguns analistas afirmam que a crise causada pela pandemia do coronavírus será comparável ou pior que a Grande Depressão, dos anos 1930. Como você avalia o atual momento sob a ótica da história econômica do capitalismo? É possível antever qual será a real dimensão da crise no Brasil?
Bruno Sobral – É muito cedo para mensurar qual será a real dimensão da crise no Brasil ou se ela será comparável à Grande Depressão. Podemos afirmar que a história da teoria econômica oferece elementos técnicos suficientes para serem contrapostos à crise, mas o grande desafio é superar as divergências politicas entre os estados e a União nesse sentido. No momento, há quase um consenso entre economistas de diversas correntes que o caminho é fortalecer o papel do Estado como interventor, com a adoção de medidas keynesianas para assegurar a renda, a demanda e o bem-estar social, incluindo aí gastos essenciais, como os da Saúde. É preciso que a União dê respostas nesse momento e socorra os estados. Nosso sistema tributário e o pacto federativo fazem com que as respostas e recursos necessários nesse momento sejam provenientes do governo federal, que tem a exclusividade de emitir moeda e títulos da dívida pública. É uma falácia dizer que o governo federal está falido. O desafio atual explicita como nossas regras fiscais estão disfuncionais. Há a necessidade de superar uma noção controversa de gestão de qualidade que, na teoria, diz prezar pela responsabilidade pública, mas na prática vem limitando a capacidade de gasto público e é pouco conectada a um planejamento do desenvolvimento econômico e seus impactos sociais.
Nesse contexto de crise, é correto afirmar que existe um dilema entre salvar a Saúde ou a Economia?
É falso o dilema lançado junto à opinião pública de que o mais importante agora é salvar vidas ou salvar a Economia. É possível e necessário cuidar de ambos juntos. A economia brasileira já não ia bem antes, e não se pode colocar a culpa nas medidas corretas tomadas pelos governadores e prefeitos que decidiram pelo cumprimento da quarentena. Há um estudo feito no MIT [O Instituto de Tecnologia de Massachussets] com o pessoal do FED [o Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos, órgão equivalente ao Banco Central brasileiro] que comparou os dados de desempenho econômico das cidades norte-americanas que adotaram as medidas de contenção social na época da Gripe Espanhola. Elas foram as que saíram mais rápido do problema e tiveram, em médio e longo prazos, menor impacto econômico. Apesar do impacto inicial da arrecadação durante a quarentena, devido ao fechamento do comércio e de algumas indústrias, e de diversas restrições de mobilidade em geral, você reduz o impacto à medida que impede o caos, que a pandemia se alastre e, com isso, aumente inclusive os custos do Estado com o sistema de Saúde, que ficará mais sobrecarregado. Não há Economia sem pessoas.
Comércio fechado nas ruas da cidade, em quarentena: Sobral destaca que não deve haver um dilema entre salvar a Saúde ou a Economia (Foto: Divulgação/Getty Images) |
Vivemos na era da globalização e da fragmentação das relações sólidas de trabalho no mundo, com o avanço da precarização e da informalidade. Como essas características do capitalismo financeiro podem contribuir para agravar a crise econômica causada pela pandemia?
Por um lado, as inovações tecnológicas terão um ciclo de aceleramento. Nunca na história precisamos tanto fazer teletrabalho. Nunca precisamos nos adaptar tanto ao uso das novas tecnologias e da Internet. Há uma janela para a Inovação que afeta o mundo do trabalho e, em consequência, uma corrida das empresas por aplicativos, tanto para entregas delivery quanto para sistemas de administração remotos, bem como para a realização de reuniões a distância. É uma janela que merece atenção na área de fomento. Mas o outro lado é o próprio desemprego estrutural associado a isso. Há o risco de maior controle do tempo pelas rotinas de trabalho ao passo que pode surgir uma tendência empresarial para se questionar a necessidade de garantir benefícios como vale transporte, vale alimentação e indenizações ou licenças remuneradas por acidentes de saúde relacionados ao trabalho. Uma grande parcela da força de trabalho poderá ficar mais vulnerável, porque há o enfraquecimento da capacidade de barganha coletiva, que já tinha sofrido revés com a Reforma Trabalhista.
É possível mensurar quais serão as consequências dessa crise para o estado do Rio de Janeiro?
O estado do Rio de Janeiro já sofre com os impactos da crise. No fim de março, houve um contingenciamento específico do governo estadual em relação aos recursos previstos para esse ano na Lei Orçamentária Anual (LOA). O déficit para 2020 no estado já era de R$ 10,6 bilhões antes da crise do coronavírus, mas com as revisões feitas a partir da queda do preço do barril e da arrecadação do ICMS [Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços], ele subiu para a faixa de R$ 22,1 bilhões, o que representa um aumento de quase 1,5%. É fundamental a luta política por um grande programa de transferência da União aos estados e municípios. Há espaço fiscal para isso. Mas cabe à gestão estadual ir além de uma visão fiscalista que só prioriza ajuste fiscal a qualquer custo e como pressuposto para tudo, assim demonstrando ser capaz de orientar a defesa dos interesses estaduais no plano nacional, e não só pregar que “sacrifícios são necessários” para sua população e corpo de funcionários dedicados. Em relação aos caminhos para a retomada da economia no pós-pandemia, é preciso fortalecer a capacidade de planejamento estratégico da máquina pública, para decidir as melhores alternativas de financiamento do gasto público. Isso se soma à importância de reunir dentro da máquina pública um corpo técnico de especialistas setoriais e de especialistas em desenvolvimento regional, para ancorar as tomadas de decisão e as políticas públicas, com missões claras para os complexos econômicos e valorização da integração territorial. O grande desafio, para deixar um legado, é fortalecer a aposta em uma rede de planejamento comprometida em aproveitar toda a expertise de seus gestores e a sinergia com as competências do sistema público de universidades. Portanto, definitivamente se afastando de uma retórica de austeridade seletiva que só reserva traumas e ressentimentos sob o risco de perda de capital político.
Qual a importância da pesquisa e dos investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I), nesse momento, para a sociedade e para a Economia?
É fundamental fortalecer a C,T&I porque é a partir desse setor que se torna possível produzir conhecimento aplicado às demandas da economia e da sociedade. Ela é a base para estimular o desenvolvimento econômico, associando a estrutura produtiva à formação de um sistema regional de Inovação, para que as empresas não se instalem no território fluminense apenas porque receberam incentivo fiscal. O desafio é consolidar um sistema de produção de tecnologia e conhecimento entre empresas públicas e privadas. O Rio é a cidade brasileira que reúne maior numero de Instituições de Ensino e Pesquisa, mas ainda há um descolamento da produção acadêmica em relação à base econômica, das indústrias e empresas, apesar de haver um grande número de instituições e pesquisadores aqui. Fica explícita a dependência de importação. Não temos capacidade de articulação e resposta, por exemplo, para uma rápida produção de máscaras e equipamentos de Saúde na escala necessária, em meio à pandemia. A FAPERJ desempenha um papel relevante como indutora da C,T&I, lançando editais específicos ao fomento da Inovação estadual, mas também seria preciso que suas ações estivessem associadas a um planejamento integrado a ponto de, por exemplo, a equipe fazendária compartilhar das mesmas prioridades e apostar em uma política econômica que considere as características regionais de todos os complexos produtivos no território fluminense. Se formos pensar a partir do ponto de vista da recessão, podemos apostar, no pós-pandemia, em setores que requerem o uso mais intensivo da força de trabalho, como os setores de vestuário, têxtil e construção civil, que geram bolsões de emprego. Se pensarmos em aumentar a competitividade, podemos apostar em setores que tenham a C,T&I como base. Ambos os casos exigem criatividade para ir além do fiscalismo preso às medidas de contingenciamento. Dentro da estrutura de Estado, há setores compromissados em colaborar organicamente com uma visão estratégica e que estão à disposição, como observo a partir da experiência da Rede Pró-Rio. Basta o desejo do poder público de aprofundar o relacionamento e isso se consolidar junto à própria rede de planejamento, hoje sua grande oportunidade.
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