Marcos Patricio
Principal produtor de café do estado, Noroeste Fluminense investe agora em cafés especiais de maior valor agregado |
Quem degusta um café especial produzido no Noroeste Fluminense pode até não saber, mas a qualidade do produto não está relacionada apenas a aspectos como o solo, o clima e as sementes utilizadas no plantio. O sabor da bebida mistura tudo isso com um outro ingrediente fundamental: o conhecimento. Os cafeicultores da região – de onde vêm 71% do café produzido no estado do Rio de Janeiro – estão buscando capacitação e, para isso, contam com a ajuda de instituições que prestam consultoria técnica. O resultado é a produção de cafés especiais, de melhor qualidade e maior valor agregado.
Um café especial é aquele que atinge 80 ou mais pontos, de um total de 100, segundo a metodologia de avaliação sensorial da Specialty Coffee Association (SCA), reconhecida em vários países. Entre os atributos analisados estão o sabor, a acidez, a doçura, o aroma, o corpo e a ausência de defeitos, entre outros itens. No Brasil, também é adotada a classificação da Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC), que divide o produto em três categorias a partir de uma escala de qualidade de 0 a 10 pontos: café tradicional, de 4,5 a 5,9 pontos; café superior, de 6 a 7,2 pontos; e café gourmet, a partir de 7,3 pontos.
A AlQualis Jr., empresa júnior do curso superior em Ciência e Tecnologia de Alimentos (CTA), do Campus Bom Jesus do Itabapoana do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFF), faz parte dessa cadeia de consultores. Ao lado de instituições como o Sebrae, o Senar e a Cooperativa de Produtores de Café do Noroeste Fluminense (Coopercanol), a AlQualis Jr., criada em 2016, vem contribuindo para levar conhecimento técnico aos agricultores da região.
A empresa, gerida por alunos do curso, foi uma das contempladas pelo edital Programa de Apoio às Empresas Juniores do Estado do Rio de Janeiro, da FAPERJ, cujo resultado foi anunciado em outubro passado. Os recursos obtidos estão sendo investidos na ampliação do Laboratório de Qualidade de Café do IFF, fundamental para as atividades desenvolvidas pelos estudantes.
Maria Barbatho: para a presidente da AlQualis, a disseminação de conhecimento técnico está contribuindo diretamente para a produção de cafés de melhor qualidade no interior fluminense |
O projeto da AlQualis tem por objetivo, justamente, ampliar o conhecimento técnico dos cafeicultores da região visando a produção de cafés especiais. Tradicional produtor de café, localizado próximo à divisa com os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, o Noroeste Fluminense reúne cerca de 1.200 pequenos produtores. São famílias de agricultores que, basicamente, vendem a maior parte da produção, em grãos, para as grandes indústrias de café.“O laboratório foi montado com recursos do edital da FAPERJ, lançado em 2019. Agora, a proposta é ampliar as atividades do laboratório, o que vai permitir a diversificação e o aprimoramento dos serviços oferecidos pela AlQualis para capacitação dos produtores de café”, explica o professor Daniel Coelho Ferreira, orientador dos alunos que atuam na empresa júnior.
“A falta de informação afeta, ainda hoje, uma parte dos agricultores. A região produz cafés de alta qualidade, mas a comunidade não conhece e não consome essas marcas. Os próprios produtores não acreditavam no seu potencial de produção”, explica Maria Barbatho, 21 anos, presidente da AlQualis e aluna do 6º período do curso de Ciência e Tecnologia de Alimentos.
A empresa júnior, que mantém cooperação técnica com a Emater-Rio e já analisou 30 diferentes amostras de café do Noroeste Fluminense, atualmente atende clientes da região. O serviço incluí consultoria agrícola, que avalia aspectos como o terreno para plantio e a fertilização do solo; faz a moagem e a torra; a classificação física e sensorial de cada produto; e cuida da embalagem e da rotulagem.
O trabalho de consultoria técnica realizado pelas instituições, nos últimos anos, vem abrindo novas perspectivas para os produtores locais. É o caso dos proprietários do Sítio Boa Vista, na cidade de Varre-Sai, considerada a capital estadual do café. A família, que há mais de 80 anos planta café, decidiu lançar, em 2021, uma marca própria, o Café Especial Boa Vista.
O projeto está sendo tocado por Saulo José Ladeira de Souza, 22 anos, da quinta geração de produtores da família. Apesar de ter crescido entre os cafezais, Saulo sentiu a necessidade de se profissionalizar. Depois de fazer cinco cursos e buscar apoio das consultorias, ele é um dos clientes atendidos pela AlQualis.
Saulo Ladeira de Souza, do Sítio Boa Vista, inspeciona a área cultivada. Jovem produtor, buscou ajuda de consultores para lançar marca própria de café especial |
A família ainda vende parte dos grãos que produz para a indústria, mas uma outra parte é torrada para fabricação da nova marca. Os resultados já começam a ser contabilizados. O preço do café oscila de acordo com as cotações do mercado, mas, enquanto uma saca de 60 kg de grãos é vendida entre R$ 1.300 e R$ 1.400, o volume equivalente utilizado para produzir o café especial chega a render entre R$ 2.000 e R$ 2.500.
Além do maior valor agregado, a partir da consultoria, o Sítio Boa Vista também está conseguindo aumentar sua produtividade. O rendimento do café ao ser torrado, que em média é de 47 kg por cada 60 kg produzidos, cresceu para 53 kg. Com os resultados obtidos a ideia é expandir a produção.
“Existe um grande potencial para produção de cafés especiais na região. Temos planos para ampliar nossa estrutura, investir em qualidade e expandir a produção de forma controlada para manter o padrão do nosso café”, explica Saulo, que concilia o trabalho no sítio com as aulas da graduação em Enfermagem, no Centro Universitário Redentor, em Itaperuna.
Os planos da AlQualis também são de expansão. Entre os novos serviços oferecidos, a empresa pretende inaugurar, assim que as aulas voltarem a ser presenciais, a Cafeteria Escola, onde tanto os alunos quanto a comunidade vão poder participar de cursos, saborear cafés de qualidade e comprar os produtos da região. “A ideia é comercializar os produtos por um preço justo para o produtor e acessível para a população”, conclui Maria Barbatho.
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