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Publicado em: 05/07/2007
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Pesquisa traça quadro da violência contra a criança em São Gonçalo

Vilma Homero

Desde 2005 a pesquisadora Simone Gonçalves de Assis e equipe do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli, da Fiocruz, acompanham alunos do município de São Gonçalo que na época estavam na primeira série do ensino fundamental , procurando traçar um quadro da violência e das condições de saúde mental dessas crianças naquela cidade. Na análise dos resultados do primeiro ano de trabalho, surgiram dados preocupantes: mães e pais relatam bater em seus filhos com elevada freqüência, indicando a naturalidade com que a agressão física é incorporada como prática educativa na cultura brasileira. A pesquisa tem apoio da FAPERJ por meio do programa Cientista do Nosso Estado.

Os números falam por si: 76,5% das mães referem agressão menos intensa sobre filhos de ambos os sexos, mas 58,2% informam agressão física severa, especialmente sobre meninos. Em relação aos pais, 42,5% tiveram atos de agressão física mais leves enquanto 25,5% agiram com violência severa contra as crianças, especialmente as do sexo masculino. A severidade da violência é definida por atitudes como bater ou tentar bater com objetos, dar murros ou chutes, espancar, ameaçar ou usar armas ou facas contra a criança. Os dados obtidos sinalizaram uma maior aceitação da violência física contra os meninos.

 Arquivo pessoal

 
 Liana Ximenes (à esq.), Grabriela Lyra, Renata
 Pesce, Simone G. de Assis e Luciene Câmara
 
Quanto à saúde mental das crianças, um total de 15,3% dos responsáveis e 13,2% dos professores reconhece alguma dificuldade no comportamento infantil, como sintomas de depressão, agressividade e problemas na atenção. Entre as que sofrem violência física severa dos pais, foram observados mais problemas de comportamento. As pesquisadoras devem ainda analisar a associação entre os problemas de saúde mental e a violência na localidade e na escola. Mas elas já constataram que há escassez de serviços e de políticas públicas para o atendimento em saúde mental dessas crianças e adolescentes.

A escolha de São Gonçalo para sediar a pesquisa também não foi fruto do acaso. A cidade cresceu de forma intensa nas últimas décadas, mas a implantação de infra-estrutura não acompanhou esse crescimento. Além de um PIB per capita baixo (R$ 2.351, contra R$ 8.500 do Rio e R$ 7.101 de Niterói, em 1995), sua população, em sua maioria de baixo poder aquisitivo, sofre com a insuficiência de serviços básicos de saúde, de educação e de segurança, de atividades culturais ou de lazer. São Gonçalo está em 50 lugar na relação do Índice de Desenvolvimento Infantil no estado: apenas 0,2% de suas crianças entre 0 e 3 anos freqüentam creches, e somente 27,5% das que têm entre 4 e 6 anos estão na pré-escola.

A equipe da pesquisa fez uma amostragem de 500 crianças de toda a rede de ensino pública municipal, incluindo alunos de 25 escolas. Na continuidade do estudo, os pesquisadores voltaram as escolas um ano mais tarde e fizeram visitas domiciliares às famílias, realizando entrevistas e aplicação de questionários. "Foi um trabalho de detetive, já que muitas famílias mudaram de endereço de um ano para outro. Mudanças que muitas vezes eram decorrentes de uma situação de extrema pobreza", explica Simone. Além de condições sócio-econômicas e da escolaridade dos pais, verificou-se comportamento da criança, relacionamento comunitário, situações de risco já vividas, experiências familiares estressantes e alguns aspectos psicológicos de quem cuida da criança.

Entre os 6 e os 13 anos faixa etária que compreende os alunos da primeira série em São Gonçalo, indicando um índice relevante de atraso escolar , a criança passa por uma fase crucial da vida. É quando ela começa a adquirir senso de responsabilidade, a interiorizar de forma mais racional os valores morais, a ter uma percepção cultural diferente, à medida que seu círculo social se amplia e exerce maior influência sobre seu comportamento, e a ter maior capacidade de absorção e organização de novas experiências culturais.

A violência é um dos fatores que influencia quem vai ser essa criança, esse adulto

Vivenciar adversidades sociais certamente afeta o crescimento e desenvolvimento infantil e é o próximo passo a ser analisado na investigação. Para a pesquisadora, a situação de precariedade sócio-econômica e a violência vivida pelos habitantes de municípios de baixa renda se refletem na formação da subjetividade infantil. "A violência é um fator que potencializa tanto problemas de comportamento internalizados (depressão, ansiedade) quanto externalizados (comportamento desafiador, agressivo). Em outras palavras, é um dos fatores que influencia quem vai ser essa criança e quem vai ser esse adulto", diz.

Para Simone, as formas de agressão familiar e social reforçam-se mutuamente. "Observamos que é comum que crianças com problemas de comportamento tenham também problemas no relacionamento familiar  brigas entre os pais, ou dessas crianças com os irmãos. As brigas entre irmãos, embora sejam um assunto pouco abordado, são também importantes porque é como se aprende a conviver com o mundo", fala.

Embora para a criança agredida o sofrimento seja o mesmo, a reação internalizada costuma ser mais bem aceita pelos demais, enquanto o comportamento externalizado, desafiador e agressivo, provoca um maior desconforto à volta. Muitas vezes, a criança mais agressiva termina estigmatizada como "problemática", como "aquela que briga com todo mundo".

Um psiquiatra convidado a analisar as crianças da pesquisa avaliou a gravidade da sintomatologia psiquiátrica em um dos grupos. A maior parte deles sem atendimento nos serviços de saúde mental municipais. Também as psicólogas que participaram do trabalho, aplicando o teste de inteligência (WISC III) aos estudantes pesquisados, destacaram: "Constatamos 4,1% deles com nível de inteligência deficiente, resultado que é fruto não apenas de atributos individuais, mas se deve principalmente à falta de estímulos sociais, o que acontece em geral em localidades com condições de vida muito precárias, que agregam famílias em aguda situação de pobreza", explica.

Tudo isso forma uma espécie de círculo vicioso, que muitas vezes começa ainda na gestação. "Sem acompanhamento pré-natal efetivo, com cuidados neonatais insuficientes e às vezes passando por um período conflituado, essa mãe em geral continua vivendo uma situação de grande precariedade. Tudo isso contribui como aspectos reprodutores dessa violência", fala Simone.

No segundo ano da pesquisa, no entanto, os pesquisadores se depararam com um dado curioso: o relato da prática de agressão física severa pelos responsáveis se atenuara. Houve um decréscimo de 29% quando o agressor é a mãe e de 52% quando é o pai. Considerando que a maioria dos responsáveis que participaram da investigação é de mães, supõe-se que houve uma tentativa maior de proteger a figura do responsável masculino, à medida que já se sabia da temática do estudo. "Resta compreender também se a mudança no relato se deve ao próprio impacto da pesquisa ou a uma efetiva alteração de comportamento", fala a pesquisadora.

Mas apesar dos altos índices de violência detectados, o município não oferece políticas ou serviços públicos de atendimento suficientes, voltados a essas crianças e adolescentes vítimas de agressão e com problemas de saúde mental. "Há poucos trabalhos desenvolvidos em nível de prevenção no município. Recentemente foram criados importantes serviços para esse atendimento, como o Núcleo Especial de Atendimento à Criança e ao Adolescente Vítimas de Violência Doméstica e Sexual de São Gonçalo (Neaca), o que significa um passo importante para o enfrentamento do problema no município. Mas o atendimento em saúde mental ainda é ínfimo para a demanda existente. Se estas crianças estivessem sendo cuidadas, certamente diminuiriam os problemas levados para a vida adulta", diz.

Segundo a pesquisadora, quanto mais uma sociedade vivencia situações de violência, mais facilmente são estimulados os comportamentos agressivos ou depressivos nas pessoas. Isso, no entanto, não quer dizer que uma criança agredida se transforme necessariamente em agressor. "O ser humano tem capacidade de lidar de várias formas com seus problemas. Tanto há aqueles que conseguem elaborar e resolvem ser pessoas diferentes daquelas que os agrediram quanto há também os que repetem o modelo do agressor, ou os que internalizam suas dificuldades, tornando-se depressivos", explica.

Para a pesquisadora, a sociedade e os governos têm um papel importante na busca de soluções. "Pode-se, desde muito cedo, apoiar essas pessoas a lidar de forma positiva com a questão", diz. Melhores condições de vida, que vão desde serviços pré-natais e de puericultura a moradias mais dignas em locais mais tranqüilos, ajudam bastante. Em outras palavras, melhor qualidade de vida. Antes, porém, que se pense que se trata de soluções de longuíssimo prazo, há exemplos de projetos que oferecem apoio imediato.

"Com capacitação profissional e investimentos, alguns programas já existentes podem englobar o apoio a famílias em situação de vulnerabilidade social, destacando-se o potencial que pode ser explorado pelo Programa de Saúde da Família", exemplifica. Ela cita ainda creches e escolas, que podem também receber capacitação para identificar e encaminhar aos serviços de saúde infantil as crianças vítimas de agressão e as com problemas de saúde mental. "Conhecendo melhor essas questões, podemos também passar a priorizá-las e pensar meios de efetivar um atendimento", conclui.

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