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Região Metropolitana do Rio vive surto de esporotricose
Paul Jürgens
O aumento do número de casos de esporotricose na Região Metropolitana do Rio de Janeiro vem preocupando autoridades e pesquisadores da área da saúde fluminense. A micose, que no passado tinha origem em lesões provocadas pela manipulação do solo, por farpas de madeira ou espinhos de plantas, hoje é transmitida, na maioria das vezes, por animais doentes. No final de julho, a chefe do Laboratório de Micologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe/Uerj), Rosane Orofino, fez o alerta sobre a rápida progressão do número de casos relatados no estado em artigo publicado no site da
Sociedade Brasileira de Dermatologia – Regional Rio de Janeiro. Os números apresentados pela pesquisadora são endossados por Leila Lopes Bezerra, coordenadora do Laboratório de Micologia Celular e Proteômica (LMCProt), da Uerj.
“Não há dúvida de que todo o Grande Rio está vivendo uma epidemia de esporotricose”, confirma Leila. “Esse surto zoonótico, contudo, tem atingido principalmente os municípios da Baixada Fluminense, como Duque de Caxias e São João de Meriti. Embora em menor concentração, há igualmente casos espalhados por toda a cidade do Rio, incluindo bairros das zonas Sul e Oeste”, diz Leila. Desde 2005, ela é vice-coordenadora da Rede de Desenvolvimento de Métodos Moleculares de Diagnóstico de Doenças Infecciosas, Parasitárias, Cardiovasculares e Neurodegenerativas, e, paralelamente, também coordena dentro da mesma rede o grupo de pesquisa encarregado de estudar essa patologia. A rede foi uma das contempladas em edital lançado pela FAPERJ em parceria com o Ministério da Saúde.
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Leila Bezerra: estudo sobre a esporotricose |
Foi em 1998 que a equipe comandada por Leila no Instituto de Biologia da Uerj
começou a desenvolver um método para o diagnóstico sorológico da doença a partir de análises em pacientes portadores da patologia. Aplicado em cerca de 300 pacientes até o momento, o teste já foi validado clinicamente segundo protocolos internacionais. “Tudo indica que na maioria dos casos a patologia é transmitida por gatos. Mas há evidências de que cães também estariam contribuindo para a difusão da doença”, diz Leila.
Os números divulgados por Rosane Orofino em seu artigo dão conta da abrangência do fenômeno: se no Hupe foram registrados 94 casos entre 2000 e 2006, no Instituto de Pesquisa Evandro Chagas (Ipec-Fiocruz) a estatística salta para 759 casos entre 1998 e 2004. Neste mesmo período, o Departamento de Zoonoses da Fiocruz diagnosticou a doença em 1.503 gatos e 64 cães domésticos.
De acordo com Rosane, o sinal mais comum da doença é um caroço avermelhado, dolorido, que vira uma ferida que não cicatriza e se expande em número e tamanho, apesar do tratamento com antibióticos. “Algumas pessoas também apresentam sintomas articulares como inchaço, vermelhidão e dor nas juntas. Quem está debilitado por outras doenças como diabetes, Aids, câncer ou alcoolismo crônico, pode ter manifestações mais graves e a esporotricose pode atingir outros órgãos, como pulmões ou cérebro (meningite). O tratamento dura de dois a seis meses, e numa pessoa que tenha defesa normal é benigna e curada totalmente”, garante.
As pessoas que têm contato particular ou profissional – caso dos veterinários – com gatos e cães são as que integram o grupo de indivíduos sob maior risco de contrair a enfermidade. Nos animais, a manifestação da doença ganha a mesma aparência daquela verificada em seres humanos, com o surgimento de feridas e lesões de mucosa.
Objetivo da pesquisa é validar teste de diagnóstico visando sua adoção pelo SUS
Os estudos realizados pela equipe de Leila têm, entre seus objetivos, o desenvolvimento de um método de diagnóstico sorológico, que teve sua validação clínica comprovada em parceria com o Laboratório de Micologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto e com a participação de pesquisadores do Ipec-Fiocruz O passo seguinte é a adoção do teste pela rede de hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS). No momento, o método é usado apenas nos hospitais que fazem parte do projeto da Rede de Desenvolvimento de Métodos Moleculares de Diagnóstico de Doenças Parasitárias, Cardiovasculares e Neurodegenerativas.
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Lesões da esporotricose em paciente jovem
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“O teste para diagnóstico pode ser feito gratuitamente no Laboratório de Micologia da Uerj, associado ao Hospital Pedro Ernesto”, avisa Leila. Para Rosane, é essencial o diagnóstico correto e a identificação da fonte de infecção. “Só assim será possível reduzir a doença a índices toleráveis”, escreve em seu artigo. O diagnóstico definitivo é feito através do pus das lesões nos laboratórios de micologia.
O fungo causador da doença, o
Sporothrix schenckii, foi isolado da secreção nasal, cavidade oral e unhas de gatos, o que reforça a tese de transmissão felina, seja por meio de arranhões ou mordidas. As especialistas explicam que os animais também podem ser tratados, mas por meio de medicação específica. Entre outros fatores, o aumento de casos tem – segundo Leila – origem na briga entre os animais por território e no enterro dos corpos de animais mortos pela doença em áreas próximas a moradias, principalmente em regiões de baixa renda, que não dispõem de condições sanitárias adequadas. Os pesquisadores alertam que os animais mortos pela doença devem ser cremados. “Esse surto zoonótico mudou completamente o padrão epidemiológico da doença”, diz Leila. “Antes, essa patologia era relacionada como uma doença ocupacional, típica das áreas rurais, que atingia principalmente trabalhadores agrícolas e aqueles que trabalhavam com jardinagem. Nas cidades, era raramente observada”, esclarece.
Leila garante que se trata do maior surto zoonótico de esporotricose já descrito em literatura médica, e que levou a um surto epidêmico da doença em humanos – decorrente da transmissão direta ‘gato-homem’. Anteriormente, o maior surto epidêmico do gênero até então reportado havia ocorrido na África do Sul, entre 1941 e 1944. Naquele país, as ripas de madeira que davam sustentação a túneis e galerias de uma mina na província aurífera de Witwatersrand foram contaminadas pelo
S. schenckii. Cerca de 3 mil pessoas da força de trabalho empregada no local foram contaminadas.
Leila conta que o grupo de pesquisa vem tentando estabelecer uma parceria com Laboratório Central de Saúde Pública – Noel Nutels (Lacen), órgão sob a responsabilidade do governo do estado por meio da Secretaria Estadual de Saúde. “Estamos em fase de entendimento com o Lacen para que nos tornemos uma unidade de referência do diagnóstico sorológico dessa patologia”, adianta Leila.
A pesquisadora adverte que a população do estado deve procurar assistência veterinária ou médica caso perceba os sinais e sintomas característicos da esporotricose. “O tratamento e a prevenção são fundamentais para frear o aumento do número de casos da micose”. E o dermatologista é o especialista indicado para diagnosticar corretamente a doença.
Leia mais:
- http://www.sbdrj.org.br/epidemia_de_esporotricose.asp