Vilma Homero
Divulgação Ippur |
Testes mostraram diferenças de aprendizado entre alunos de favelas em áreas ricas e pobres da cidade |
O trabalho, que considerou renda média familiar, gênero, cor, escolaridade da mãe e localização da favela, levou a equipe de 20 pesquisadores – alguns egressos de áreas populares – a procurar responder a pergunta óbvia: por que e de que forma o contexto social do bairro formado pelo entorno da moradia influencia no rendimento escolar. "Os educadores que estudam o desempenho escolar já sabem que a aprendizagem é condicionada pelo contexto socioeconômico familiar em que as crianças são socializadas", esclarece Luiz César Ribeiro, coordenador do Observatório das Metrópoles, instituição ligada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e apoiada pela FAPERJ, que se dedica a analisar as conseqüências das desigualdades sociais sobre a vida de seus habitantes. "Mas hoje sabemos também que os arredores da moradia exercem sua influência. Porque a cidade não é só reflexo das desigualdades sociais, mas ativa mecanismos de reprodução das desigualdades de oportunidades e condições educativas. Para a criança, o bairro, o entorno onde ela vive, cumpre papel de socialização. É onde ela também absorverá valores sociais e os elementos cognitivos e atitudinais necessários à transmissão e absorção do cultura escrita realizada pela escola", prossegue o pesquisador.
Mas se, mesmo para famílias de baixa renda, morar em áreas ricas da cidade traz vantagens evidentes – proximidade e facilidade de emprego, e acesso a serviços públicos ausentes nas regiões de periferia –, para os filhos dessas famílias essas facilidades escondem uma armadilha. Mais perto dos apelos do consumo, esses estudantes, em particular os da oitava série, podem acabar trocando a escola pelo mercado de trabalho, ainda que em ocupações precárias. É a forma que encontram de adquirir os objetos de desejo de todo e qualquer adolescente, independente de classe social. Com isso, diminuem suas chances de prosseguir na educação formal e crescem os índices de evasão escolar.
O estudo gerou novas pesquisas. Em 20 escolas da região metropolitana, foram aplicados testes de português e matemática no início e no final do ano, para avaliar o aprendizado dos estudantes, e questionários para analisar o papel da própria escola e da vizinhança. Outro estudo, enfocando todas as escolas do Estado do Rio de Janeiro para analisar os resultados do provão, uniu várias instituições: o Observatório das Metrópoles, do Ippur; o Laboratório Geres, da PUC-Rio; o programa de pós-graduação em Ciências Sociais da Uerj; e o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da UFRJ. "O interesse vai além do acadêmico. A se confirmarem essas conclusões, precisaremos sensibilizar os gestores governamentais a levarem esses dados em conta na formulação de políticas públicas", diz.
Segundo Ribeiro, a escola é vivida pelo jovem pobre de modo ambíguo. "Ali, o jovem é levado a acreditar que não é mais a origem familiar, mas o mérito que distinguirá o aluno. A questão é que a escola não está preparada para receber essa população que durante anos vem sendo desassistida. E esse jovem, que já vem de família fragilizada, também não encontra apoio na escola nem em políticas do estado. Assim, o que seria destino passa a ser resultado, fracasso individual", explica.
A morfologia social, que promove a proximidade física, também realça as distâncias sociais. Exemplo nítido disso é a Cruzada São Sebastião, conjunto habitacional criado nos anos 1950, para abrigar os moradores da extinta favela da Praia do Pinto e encravado numa das regiões mais nobres da cidade, o bairro do Leblon. "Quem mora na Cruzada dificilmente diz que mora no Leblon. O que mostra o quanto está internalizada em seus habitantes a noção de desigualdade e da distância social, traduzidos no sentimento de não pertencimento àquele bairro."
Avaliando os resultados do estudo, os pesquisadores vêem que a segregação residencial se combina com a segmentação escolar, uma reforçando a outra, criando um ambiente escolar desestimulante ao aprendizado. "Hoje, a classe média prefere colocar seus filhos em escolas particulares. Se as escolas públicas fossem mais misturadas, poderiam possibilitar a interação entre mundos sociais distintos e contribuir para diminuir essas diferenças e distâncias. No atual modelo de organização social do território urbano não resta nenhum espaço para que essa interação se dê de forma democrática. Na Zona Sul, escola pública termina sendo a escola dos favelados, reproduzindo em seu interior o estigma do território. Isso fragiliza a experiência escolar e o próprio funcionamento da escola, que em geral lida com poucos recursos. O que se torna evidente tanto em suas instalações, em geral precárias, quanto no modelo pedagógico."
Carências materiais x apelos de consumo
Divulgação Ippur |
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O empenho da direção em manter um projeto pedagógico faz diferença na qualidade do ensino, na freqüência dos alunos e até nas instalações da escola |
Para Ribeiro, tudo isso se reflete no aluno como um sentimento de privação relativa. "O fato de morar numa área rica, com todos os apelo de consumo que isso traz, faz com que mesmo aquele que não tem condições materiais procure consumir cada vez mais numa tentativa de reconhecimento social. A experiência de empenhar-se num esforço de aprendizado, adiando a satisfação presente pela gratificação no futuro se torna pouco satisfatória diante do imediatismo do jovem frente à incerteza desse futuro, da falta de garantia de efetivamente melhorar sua situação", avalia o cientista social.
O exemplo típico foi visto numa escola da Zona Sul, que funciona nas proximidades de um morro. Totalmente pichada, a depredação pode ser vista em todas suas dependências. Os professores, desanimados, agem de forma paternalista, como se aquelas deficiências fossem insuperáveis e quase desistindo de sua função de educadores. "E isso acontece exatamente onde a educação é mais necessária", fala.
Apesar de ser esse cenário o mais comum pela cidade, há exceções. A equipe constatou soluções bastante animadoras em algumas escolas. "Em um condomínio na Barra da Tijuca, por exemplo, nos surpreendemos positivamente com um colégio público de excelente qualidade de ensino, que atende estudantes de baixa renda do Recreio e de Jacarepaguá. Podemos dizer que é uma das melhores escolas do Rio. Mas curiosamente nela não há nenhum aluno do próprio condomínio, provavelmente devido ao preconceito de se tratar de uma escola pública, que também é freqüentada por crianças de outra classe social", fala.
Outros modelos bem-sucedidos foram encontrados no Leme e em Vilar dos Teles. Nessa última, ao contrário das instalações depredadas, como é comum acontecer, o que se viu foi uma escola bonita, com bom funcionamento. Em ambos os casos, a diferença partiu de uma direção interessada, que procura entender o público a que atende. O espanto dos pesquisadores foi além do estético. "Em Vilar dos Teles, a diretora não apenas recebe pessoalmente os estudantes na entrada e na saída, como organizou uma comissão de pais e professores para supervisionar o aprendizado e a freqüência dos alunos. E quando ela soube da existência de tráfico de drogas na escola, resolveu ir até a boca negociar com os traficantes um acordo. Foi o modo como ela conseguiu afastar o tráfico não só das dependências como de todo o entorno do colégio", elogia.
Certas medidas ajudam, especialmente o contato mais estreito com os pais de alunos. "Pais mais presentes na vida da criança e na vida escolar sempre têm resultados extraordinários. Vimos que certas escolas estão promovendo atividades de fins de semana para trazer os responsáveis e torná-los mais participativos. Boa parte dos pais sequer brinca com os filhos em casa", conta. Saber que soluções práticas funcionam pode ajudar a se traçar novos modelos e buscar saídas para se melhorar a educação pública.
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