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Publicado em: 20/12/2007
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Quando Friedrich Nietzsche encontra Manoel de Barros

Roni Filgueiras

 Divulgação    

    
    Capa da obra de Pucheu:
 co-edição Azougue / FAPERJ

A cerimônia de entrega do Prêmio de Literatura da Fundação Biblioteca Nacional, que aconteceu na terça-feira, dia 18 de dezembro, no auditório Machado de Assis na Biblioteca Nacional, teve um quê de vitória também para a FAPERJ. A láurea, que escolhe os melhores autores nacionais do ano, premiou um dos selecionados no edital Jovens Cientistas do Nosso Estado e no programa Auxílio à Editoração da Fundação. Alberto Pucheu ganhou o prêmio Mário de Andrade, na categoria Ensaio Literário, e ainda R$ 12.500, pela obra "Pelo colorido, para além do cinzento (a literatura e seus entornos interventivos)". Graduado e mestre em filosofia e doutor em ciência da literatura, Pucheu, publicou seis livros de poemas entre 1993 e 2003. Este ano, também chegou ao mercado editorial seu livro de poesia reunida acrescida de dois livros inéditos, “A fronteira desguarnecida (poesia reunida 1993-2007)”, este numa co-edição com a FAPERJ. O escritor e pesquisador festeja 2007 pois “Foi um ano de extrema importância, na medida em que as duas maiores forças de minha escrita foram lançadas simultaneamente, abrangendo um arco que vai da poesia à teoria, passando pelos indiscerníveis entre as duas”. Com essas  publicações, ele diz que encerra o ciclo da poesia e abre a do ensaio. “Pelo colorido, para além do cinzento; a literatura e seus entornos interventivos” é resultado de cinco anos de trabalho deste professor de teoria literária da Faculdade de Letras da UFRJ. Em entrevista por e-mail e por telefone ao Boletim da FAPERJ, ele disseca sua obra premiada, fala dos planos futuros e expõe o que qualifica de maior obstáculo à literatura no país: a falta de verbas "na educação de todos os níveis em todo o país".

Boletim da FAPERJ – Seu livro venceu a categoria ensaios na premiação da FBN. Qual o valor de uma premiação dessas?

Alberto Pucheu – “Pelo colorido, para além do cinzento; a literatura e seus entornos interventivos” foi publicado numa co-edição entre a Azougue Editorial e a FAPERJ, tendo conseguido o auxílio para editoração da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro. Assim, para mim, esta já foi uma primeira premiação que permitiu o livro vir à tona, ganhar seu nascimento público. Agora, com o prêmio Mário de Andrade, de ensaios literários, da Fundação Biblioteca Nacional, o “Pelo Colorido...” recebe uma segunda distinção, desta vez, após sua publicação. O interessante deste prêmio é que não há uma inscrição, feita pelo escritor ou pelo editor, de livros que serão avaliados por um jurado. O corpo de jurados tem inteira liberdade para indicar, dentre o que foi publicado ao longo do ano, o que considera ser o mais relevante. Sei que, no momento, em todas as categorias de escrita, em todos os gêneros, há inúmeras obras de grande qualidade sendo publicadas. Dentre essas, muitas podem ganhar um prêmio como esse. Sabendo disso, fico muito feliz que, este ano, a Biblioteca Nacional privilegiou, entre muitos possíveis, o meu livro como o vencedor. Uma premiação como esta dará certamente maior visibilidade ao livro e o fará ter uma circulação maior. Acho também que a premiação acaba por chamar mais atenção para própria questão do livro, a relação entre a literatura e a filosofia. Como a Biblioteca Nacional, com todo o trabalho de estímulo à leitura e à cultura e com seu maravilhoso acervo bibliográfico e de documentos importantíssimos, é uma das instituições mais admiráveis do Brasil, sinto-me muito honrado por ter meu nome vinculado a ela.

Boletim da FAPERJ – Poderia falar sobre seu próximo projeto?

Alberto Pucheu – Este ano, além do auxílio para publicação de livro, da FAPERJ, e da recém-premiação da Fundação Biblioteca Nacional, tive a alegria de ganhar também a bolsa de Jovem Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ, com um projeto que busca estudar a relação entre poesia e filosofia no pensador italiano Giorgio Agamben. Agamben talvez seja o filósofo mais importante do momento e, sem sombra de dúvidas, para mim, o mais interessante. Atualmente, ele é mais estudado no que diz respeito ao seu pensamento político, presente em livros como “Homo sacer”, “Estado de exceção”, entre outros. O que estou trabalhando nele é uma questão menos abordada de sua reflexão. Partindo de seus primeiros livros, desde “Homem sem conteúdo” até “A comunidade que vem”, quero abordar um dos movimentos ali existentes, que é o de flagrar o sintoma ocidental de uma fissura histórica entre filosofia e poesia e buscar aproximações possíveis entre elas. No lugar de tirar a questão de cena, torná-la consciente, pensável e, ainda mais, problemática, ou seja, criar um intrincado entre poesia e filosofia, no qual haja um deslizamento proposital desestabilizador das classificações hegemônicas. Se o filósofo italiano se lança em tal prática, ele a leva ao extremo, ou seja, para ele, tanto a poesia pode ser crítica e a crítica, poesia, quanto a proposta da indiscernibilidade entre poesia e filosofia está apresentada como a verdadeira palavra humana. Há uma linda frase dele: “Por esta razão, talvez, nem a poesia nem a filosofia, nem o verso nem a prosa possa jamais levar a cabo por si a própria empresa milenar”. Talvez apenas uma palavra na qual a pura prosa da filosofia interviesse, a certa altura, rompendo o verso da palavra poética e na qual o verso da poesia interviesse, por sua vez, dobrando em anel a prosa da filosofia seria a verdadeira palavra humana. Tenho começado a escrever, então, sobre essa questão. A idéia é, em 2008, organizar um livro coletivo, com pesquisadores de todo o Brasil que trabalham com a obra do filósofo, que privilegie a primeira metade do pensamento do Agamben e, ao fim da bolsa, em 2009, publicar um livro meu, com os ensaios produzidos ao longo da pesquisa.

Boletim da FAPERJ – Poderia descrever resumidamente o conteúdo, ou conteúdos, de "Pelo colorido, para além do cinzento”?

Alberto Pucheu –
O fato de o livro ter ganhado o prêmio na categoria de “ensaio literário” é significativo. Gostaria de explorar o duplo sentido que há neste termo. O “Pelo colorido...” é composto por ensaios que abordam o literário, mas de tal forma que ele próprio, enquanto ensaio, já se quer também literário. Há nele o diagnóstico de um sintoma geral da crítica literária brasileira e a busca por uma nova postura requisitante de experimentações. Parece-me possível flagrar o sintoma de algo que a constitui e que entendo que deva ser superado. A partir de uma frase daquele que é nosso crítico literário de maior importância, Antonio Candido, que, apropriando-se de Goethe, diz que “a crítica é cinzenta, e verdejante o áureo texto que ela aborda”, e de um momento em que Silviano Santiago, por exemplo, afirma que o crítico “sempre vem a reboque”, diagnostiquei o que considero o limite voluntário da crítica como uma síndrome cinzenta, um complexo de rebocado. São eles que dizem isso, não eu; além do mais, tais críticos são aqueles que poderiam dizer que suas escritas já são coloridas, instauradoras, mas não o fazem. Silviano Santiago acabou por realizar uma crítica criativa partindo da ficção. Mais de cem anos antes da frase do Antonio Candido, Euclides da Cunha, em uma conferência – crítica – sobre Castro Alves, chamou atenção para os “escrúpulos assombradiços da crítica literária”. Apesar disso, nossa crítica quase nunca se criticou a si mesma numa tentativa de se autocolocar como luminosa, solar. Em Eduardo Portella, encontra-se um ponto de reviravolta possível na reflexão acerca da literatura, colocando-a também como literária ou poética. Nos anos 70, ele teve a ousadia de dizer coisas como “o ensaio é tanto mais perdurável quanto mais aceso pela poesia”, “não se fala sobre literatura de fora da literatura”, “uma crítica não criativa não pode ver a criação”. É possível, então, uma crítica que não se coloque de modo algum como rebocada ou cinzenta, que seja tão colorida, tão verdejante, tão instauradora e tão intensa quanto a obra que ela aborda? É possível uma crítica que, nela mesma, seja poética? Neste sentido, se habitualmente se entende a literatura como um fazer e a crítica como um saber, teríamos aqui que tanto a literatura também seria um saber quanto a crítica seria igualmente um fazer, ambas em busca das maiores intensidades. Radicalizar a postura em que um saber e um fazer se encontram seria do âmbito não só da literatura como também da crítica, entendidas ambas como criação, devires, metamorfoses. Como seria igualmente do âmbito da crítica, e não só da literatura, tocar o homem em seu pensamento e em seu afeto, o que, contrariamente à literatura, ela, habitualmente, não ambiciona fazer. Entendo que Roberto Corrêa dos Santos é um dos que, hoje, realizam tal pensamento teórico-poético com maior vigor. Esse é, portanto, o ponto de partida do livro, que busca uma reflexão acerca do literário e do filosófico, abordando, entre outros, Platão, Nietzsche, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Manoel de Barros, Montaigne, Agamben. Em todos, o que busco é um modo de pensar as relações entre o poético e o filosófico, tentando também desguarnecer tais fronteiras.

Boletim da FAPERJ – Quais os caminhos futuros da literatura? Ainda há o que desbravar?

Alberto Pucheu – O futuro é um campo aberto de possibilidades que, em diálogo com a tradição, que também é aberta, instiga o presente. Fala-se muito que tudo já foi escrito, que tudo já foi pensado. Acho, entretanto, que tudo ainda continua por ser escrito e por ser pensado. Este campo aberto é inerente à literatura e ao pensamento de modo geral. Assim, ainda resta tudo a desbravar.

Boletim da FAPERJ – Qual o maior obstáculo para a literatura nacional?

Alberto Pucheu – Entendo que a literatura brasileira do século XX está entre as melhores do mundo. Muitas conquistas foram feitas também pelo mercado editorial, hoje, muito ativo. Publicar um livro não é mais tão difícil, ainda que sua circulação seja o ponto de maior dificuldade. Tentando responder sua pergunta bem diretamente, entendo que o maior obstáculo para a literatura é a própria educação, que, entre nós, ainda precisa melhorar muito. Precisamos tanto nos livrar do analfabetismo quanto estimular o conhecimento, o pensamento e a criação desde o ensino fundamental. O melhor que se pode fazer, não só pela nossa literatura, mas por todo o país, é um investimento maciço na educação de todos os níveis em todo o país.

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