Vinicius Zepeda
Fotos: Divulgação/EEEFR |
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Cena do vídeo "O aniversário de Pedrinho", considerado o roteiro mais bem elaborado entre os 20 desenvolvidos |
Escrito pelo francês Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944) em 1943 e lido por milhares de crianças, adolescentes e adultos, o livro O Pequeno Príncipe fala sobre a amizade sincera de um piloto de avião e uma criança. Em linhas gerais, ouvindo as histórias narradas pela criança, o adulto aprende valores de amizade, amor, companheirismo e humanidade, que julgava saber simplesmente pelo fato de ser “gente grande”. Passando da ficção para a vida real, as crianças continuam não apenas aprendendo, mas também ensinando bastante aos adultos. Um exemplo disso são as 110 crianças, entre quatro e cinco anos de idade, da Escola Estadual de Ensino Fundamental República (EEEFR), que acabam de desenvolver um projeto educativo que, segundo seus realizadores, é inédito no estado: a elaboração de roteiros, escolha de personagens e atuação na gravação de vídeos infantis inteiramente concebidos e elaborados por elas próprias.
O "Projeto TV Criança – professores e crianças, sujeitos de direitos", desenvolvido em 2008 com apoio do edital Apoio à Melhoria do Ensino nas Escolas Públicas do Estado do RJ, tem a coordenação da professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), Guaracira Gouvêa de Sousa, e a participação das professoras da EEEFR Luciene de Sousa e Maristela Porto, contempladas com APQ 1 (Auxílio Básico à Pesquisa) da FAPERJ, além da colaboração de todo o corpo docente, pais e alunos da escola. Ao todo, foram produzidos 20 programas infantis, com uma média de
A coordenadora Guaracira destaca que as narrativas criadas foram de vários tipos. Algumas reproduziam histórias já conhecidas, como a do programa humorístico Chaves. Outras apresentaram narrativas próprias, como Família Feliz, que mostra, numa casinha de brinquedos com bonecos de palitos feitos pelos próprios alunos, o cotidiano de uma família ideal que mora na Barra da Tijuca e é composta por pai, mãe, filho, avô, avó, empregada e uma tia rica que é dona do MacDonald’s, mas trabalha para ocupar o tempo e se sentir útil. E todos vivem muito felizes. Há ainda narrativas próprias, desenvolvidas com personagens já conhecidos, como “Aniversário do Pedrinho” e “Cantando com Kelly Key”. “Neste último, consideramos a proposta inédita e com formato original. Duas meninas da turma se revezavam no papel de cantora/apresentadora, enquanto os meninos, fantasiados de super-heróis, cantavam e dançavam as músicas infantis que escolhiam”, complementa a coordenadora.
“A narrativa Família Feliz foi elaborada por uma turma que, entre seus alunos, tinha um menino portador de necessidades especiais, criado pela tia. Apesar das dificuldades, ele é uma espécie de líder entre seus colegas. No vídeo, podemos observar que, seja pela liderança que exerce ou mesmo como demonstração de amizade, seus colegas resolvem incluir mais um personagem: sua "tia-mãe" e ainda a caracterizarem como rica. É uma forma de fazer com que o menino não se sinta excluído da história. No final do processo, pudemos observar naquele aluno uma melhora do desempenho escolar, particularmente na dicção, comprometida devido à sua deficiência. Hoje, ele já está cursando a classe de alfabetização, totalmente integrado e socializado”, exemplifica Maristela. Ela acrescenta ainda que o roteiro, a elaboração e os objetivos alcançados por todo o projeto ratificam as propostas apresentadas na carta produzida durante a 4 Cúpula de Mídia para a Criança e o Adolescente, em 2004, no Rio. No documento, crianças e adolescentes do Brasil e de outros países falam sobre o que gostariam de ver discutido no dia-a-dia e na mídia e fazem algumas propostas: criação de espaços na escola em que os nos tivessem contato prático com determinada mídia, locais de produção e circulação de programas realizados por crianças, e ainda que fosse incluída uma atenção às crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais.
Crianças passeiam livremente entre o mundo real e o da fantasia
A professora Luciene de Sousa chama a atenção para o vídeo “O Aniversário de Pedrinho”, considerado o roteiro mais bem elaborado de todos os vinte programas do DVD. Ele conta uma história passada no Sítio do Pica-Pau Amarelo, em que personagens de outras histórias como “o incrível Hulk” e o “Sportacus" (vilão do Lazy Town, desenho animado exibido em canal de TV por assinatura) também participam. A Cuca não foi convidada, mas aparece de surpresa, lança um feitiço no bolo e foge. Quando todos cantam parabéns, o bolo explode. O Sportacus, transformado em herói na história criada pelas crianças, captura a Cuca e a faz pedir desculpas. Ela é perdoada, se arrepende e termina se divertindo na festa com os novos amigos. “Ao interpretar a criação deste vídeo, podemos perceber aspectos do que a educadora Solange Jobim e Souza definiu como ‘reelaboração criativa’. Ou seja, as crianças não fazem somente copiar o que consomem da mídia, mas modificam e subvertem os modelos da TV, criando programas que nunca existiram e misturando espaço-tempo e personagens de histórias bem diferentes”, explica Luciene.
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Para Guaracira de Sousa, a proposta de "Cantando com Kelly Key" pode ser considerada inédita e inovadora |
Outro tipo de vídeo foi desenvolvido em junho, como uma espécie de oficina de criação, com uma hora de duração para cada turma. A idéia era ver se, naquele espaço de tempo, as crianças teriam capacidade de se organizar em grupo e construir uma narrativa coletiva. A professora Maristela Porto toma como exemplo a atividade produzida por uma das turmas. O trabalho foi dividido em três momentos. No primeiro, explicava-se às crianças que elas teriam liberdade para construir a história e dizer como queriam que fosse filmada. Elas não apenas demonstraram compreender a atividade, como foram capazes de mostrar o que gostariam de filmar. Na segunda parte, elas escolheram a sala de jogos como o local de filmagens e decidiram usar fantasias. Os meninos se fantasiaram de super-heróis e a única menina presente no dia da atividade usou um vestido de princesa. No terceiro momento, passaram a criar uma história em que os super-heróis salvavam a princesa, ao mesmo tempo em que escolhiam alguns brinquedos para ilustrar a narrativa.
Os meninos escolheram carrinhos e livros, a menina preferiu uma cozinha
Ela ainda chama a atenção para as observações feitas pelos professores e pesquisadores envolvidos na pesquisa sobre o comportamento, o conhecimento e a interpretação das crianças em relação aos programas exibidos na TV. “Durante a construção da narrativa dos 20 programas – em que filmaram, tomaram decisões, se deslocaram e se organizaram –, as crianças puderam elaborar diferentes aspectos, como a relação espaço-tempo, o trabalho coletivo e o individual, a disciplina, a organização, aceitar a opinião do outro mesmo quando ela foi contrária à sua”, explica Guaracira. Ela destaca também a melhora das condições de infraestrutura e reciclagem profissional dos professores da escola, que o projeto possibilitou. “Continuo eventualmente ligada ao projeto, dando o suporte necessário. Porém, saio da coordenação do TV Criança bastante satisfeita e, principalmente, ciente de que devido ao apoio do edital e das bolsas concedidas pela FAPERJ às professoras Luciene e Maristela, elas puderam transferir o conhecimento de gravação de imagens digitais e edição de vídeo aos outros professores da EEEFR. Assim, será possível a realização de futuras edições do projeto, tanto com crianças na mesma faixa etária, como também com outras mais velhas”, acrescenta.
Um centro de excelência em educação infantil ameaçado de acabar
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Ao centro, a imagem digital do logotipo da TV Criança junto |
Situada dentro da Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro (Faetec) de Quintino, bairro da Zona Norte do Rio, e com apenas 12 anos de existência, a Escola Estadual de Ensino Fundamental República conta com uma infraestrutura única em termos de educação, se comparada a outros colégios da rede municipal de ensino. Ali, há uma sala de computadores e outra de multimídia com equipamentos, como filmadoras digitais, projetor multimídia, câmera digital e amplificadores. O corpo docente é altamente qualificado, com todos os professores com, no mínimo, graduação em pedagogia e/ou educação, além de vários outros com cursos de pós-graduação e mestrado. Os salários também são compatíveis com a qualidade dos profissionais, que recebem o equivalente a professores universitários. “Nossa escola atende a alunos de duas comunidades carentes do bairro: os morros do Fubá e Dezoito. Ela atende também os moradores da região e de outras localidades, como São João de Meriti, Nilópolis e Baixada. Devido à grande procura, as vagas são preenchidas por sorteios anuais”, destaca Maristela Porto.
O resultado é a satisfação dos professores em trabalhar ali, alunos envolvidos e que dificilmente faltam, além do reconhecimento a nível nacional pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) e pela própria Faetec. “Um projeto de produção de jogos interativos para as crianças levou nossa colega Luciana Muniz a receber o prêmio Professores do Brasil, projeto do MEC voltado a selecionar práticas pedagógicas inovadoras que contribuam para melhorar a qualidade dos ensinos Infantil e Fundamental. Em 2007, recebi o mesmo prêmio pelo projeto Figurinhas da Infância. O assunto foi noticiado inclusive pelo jornal O Dia, conta Luciene. No estado, o reconhecimento também não tem sido diferente. Em
Este ano, o projeto TV Criança continua com total apoio da direção geral da escola e traz uma novidade: a elaboração e a produção de comerciais televisivos pelas crianças. Entretanto, estes projetos de sucesso podem acabar em 2010, o que vem preocupando professores, entre eles Guaracira de Sousa, da UniRio, Luciene, Maristela, alunos e funcionários da Escola Estadual de Ensino Fundamental República. “Estamos muito preocupadas com a continuidade de nossos projetos, reconhecidos e premiados em todo o Brasil e ministrados numa escola de periferia do Rio, porque ano que vem a Faetec pretende acabar com todas as turmas de Educação Infantil e posteriormente com todas as turmas de Ensino Fundamental da escola”, afirmam Luciene e Maristela. “Esperamos que possa ser encontrada uma solução para que este projeto vitorioso seja mantido e para que a escola continue a existir e a desenvolver muitos outros projetos, elevando cada vez mais a qualidade da educação oferecida em nossa rede pública”, concluem.
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