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Publicado em: 10/09/2009
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Em busca de um final feliz para jovens marginalizados

Danielle Kiffer

 Divulgação

 
     No início do século XX, crianças recolhidas das ruas eram
     matriculadas em instituições, como a Escola XV de Novembro
 
Aos seis anos, Roberto Carlos Ramos foi internado pela mãe em uma unidade da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) de Minas Gerais. Tudo o que ela imaginava era dar ao filho a possibilidade de um futuro melhor. Mas foi na Febem que ele aprendeu a fugir, a roubar e a usar drogas. Aos 13 anos, já era considerado um caso perdido. Sua vida começa a tomar um rumo diferente quando conhece uma pedagoga francesa que, na época, fazia uma pesquisa com crianças brasileiras. Todos os que assistiram ao filme O Contador de Histórias, viram como esta história, baseada num caso real, termina. Infelizmente, o final feliz é um caso bem pouco comum na realidade do país. Para refletir sobre essa situação, os psicólogos e  pesquisadores Anna Paula Uziel, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Maria Helena Zamora, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) e Pedro Paulo Bicalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) se uniram a Irma Rizzini, professora da Faculdade de Educação da UFRJ. Juntos, eles desenvolveram o projeto "Garantia de Direitos na Vida de Crianças e Adolescentes Pobres: História e Configurações Atuais", apoiado pelo edital de Apoio a Grupos Emergentes de Pesquisa, da FAPERJ.

Coordenado por Anna Uziel, o trabalho aborda parte da história das políticas públicas voltadas para a garantia de direitos a crianças e adolescentes no Brasil, enfatizando o período republicano e a atualidade, a partir das mudanças engendradas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que, em 2008, completou a maioridade. "Por ser uma legislação ainda recente, o ECA provoca reações variadas, enfrenta preconceitos, é idealizado, também é cumprido, mas ainda pouco conhecido por muitos. E embora situados na doutrina da proteção integral e dirigido a toda a população menor de 18 anos, boa parte de seus artigos, em seu exercício, está voltada às camadas mais pobres da população", afirma Anna.

O estudo histórico da pesquisa destaca uma característica de nossa sociedade que, a todo tempo, tentamos ocultar: o preconceito. O processo de marginalização da população de rua foi reforçado pelas ações de recolhimento e internação de crianças e jovens por autoridades ainda no período republicano do país. "Houve, na época, um incremento nas políticas de intervenção sobre a infância, principalmente as das camadas populares. A polícia recolhia crianças que perambulavam pelas ruas, as identificava como menores e as distribuía pelas poucas instituições que havia à época, conforme demonstrado pelo estudo da professora Adriana Vianna (UFRJ) e pela pesquisa que estamos desenvolvendo sobre o Instituto Sete de Setembro, criado no início do governo Vargas, com a função de abrigar, examinar e distribuir os recolhidos pela polícia e pelo Juizado de Menores. Reforçava-se, com essas ações, o sentido de perigo para essas crianças", explica Irma.

Na atualidade, o olhar sobre a população de rua tornou-se ainda mais crítico. "O próprio termo menor já denota uma exceção. Um exemplo foi uma manchete de jornal que li há tempos e que exemplifica isso muito bem: ‘menores assaltam criança’. A palavra tem hoje uma designação bastante específica, quer dizer que não se trata de uma infância qualquer, mas de uma infância acoplada à ameaça do perigo", comenta Pedro Paulo. Muitas vezes a visão da sociedade sobre esses jovens é deturpada. "Quando a gente vê o que se produz na mídia, por exemplo, a impressão que temos é a de que todos os jovens internados são perigosíssimos, o que não é verdade. A maioria deles é detida devido a delitos contra a propriedade. Os homicídios são poucos e os delitos sexuais, mínimos", argumenta Maria Helena.

De acordo com Irma, na década de 1920 foi criada uma justiça especial para criança, o juizado de menores, que funcionaria em convênio com as instituições de acolhimento a fim de formar uma rede para receber as crianças. Na época do regime militar, em 1964, foi criada a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, hoje extinta e substituída pela Fundação para a Infância e Adolescência (FIA). De lá para cá, as instituições mudaram, mas pouco evoluiu de fato. "Já houve alguma melhora, mas muita coisa ainda precisa ser reformulada. Quando uma criança ou adolescente é institucionalizado por ter cometido um ato infracional, e está privado de liberdade, o Estado tem obrigação de proporcionar-lhe educação, profissionalização e integração com a família. Não é exatamente o que acontece", comenta Maria Helena.

Nesse processo de reformulação e adaptação das instituições, muitas injustiças e arbitrariedades foram cometidas. "Só vivendo a realidade de perto para ver o que acontece. Já presenciei o caso de um menino que, por fome, roubou um porco e foi preso, ficando junto com outros que cometeram crimes muito mais graves. Também houve casos de meninos do interior mandados para instituições na cidade. Isso é um absurdo, pois além de perderem por completo o contato com a família, bruscamente eles foram obrigados a conhecer uma realidade completamente avessa àquela que estavam acostumados. Além disso, em 2003, havia, em todo o Brasil, um número alarmante: cerca de 15% dos jovens eram internados em função de furto simples, o que, pela lei, é proibido – a não ser por cometimento reiterado. Esta desproporção nas punições pode promover uma banalização de crimes mais graves", reforça Maria Helena. "Podemos estabelecer uma comparação das instituições com o sistema prisional. As condições e a situação são praticamente as mesmas em ambos", compara Pedro Paulo.

A educação poderia ser uma solução para a mudança de vida dessas crianças e adolescentes. Entretanto, além de ter de enfrentar todas as dificuldades impostas por sua condição social, que muitas vezes os afastam de suas famílias, eles ainda sofrem a estigmatização da sociedade. "Muitas vezes o menino abrigado é discriminado na própria escola que frequenta, que o trata como estranho, indesejado, diferente das outras crianças da mesma classe social e localidade.  Geralmente, eles não são reconhecidos como alunos, o que os afasta da escola precocemente, dando continuidade ao ciclo de exclusão. Assim, dificilmente imaginam a universidade, por exemplo, como uma opção para suas vidas", conta Anna.

A violência crescente da atualidade pode ser um resultado da má administração e da exclusão do passado. "A nossa proposta é desfazer, desconstruir todas estas verdades preconceituosas que a sociedade tem como certas, investindo na educação e na integração dessas crianças e adolescentes. Se estes jovens não forem mais interpretados como uma fonte de crime e perigo e se tiverem oportunidades reais de estudo, podemos ter um futuro menos violento. Para mim, investimento na segurança da sociedade não é comprar mais armamento, mas sim desenvolver e dar a oportunidade de uma boa educação para todos", finaliza Pedro Paulo.

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