Danielle Kiffer
Foto:brasilescola.com |
Para a pesquisadora, a ajuda mútua é um dos pontos fortes no tratamento do alcoolismo |
A irmandade Alcoólicos Anônimos (AA) está presente no Brasil desde os anos 1940 e tem ajudado muitas pessoas a se recuperarem do alcoolismo. Para entender a eficácia do método e visualizar melhor como os próprios alcoólicos enxergam sua doença, a psiquiatra Carla de Meis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) está realizando a pesquisa "Alcoolismo como doença 'moral': Representação de saúde e doença ligadas ao uso abusivo do álcool", que conta com o apoio da FAPERJ, por meio do auxílio básico à pesquisa (APQ 1). De acordo com a pesquisadora, que estuda o assunto há cerca de dois anos, o título de seu projeto, no que se refere à moralidade, se deve à carga de preconceito que, segundo ela própria diz, o alcoolismo ainda carrega. "Cheguei a presenciar negligência no atendimento a usuários de drogas em hospitais, devido a um julgamento dos profissionais de que se trataria de casos de mera falta de vontade do paciente em permanecer sóbrio ou até de vagabundagem", conta Carla de Meis.
A psiquiatra e sua equipe têm participado de reuniões em uma unidade do AA da cidade do Rio de Janeiro e realizado entrevistas com os integrantes, além de elaborar uma análise sobre todo o contexto do tratamento. "Todos os que têm problemas com álcool podem procurar o AA, mas em geral só permanece quem realmente quer parar de beber e se admite um alcoólico. Ou seja, quando entra em um grupo de AA, o sujeito deve adquirir uma nova identidade: a de doente alcoólico, que deve ser comum a todos os membros do grupo. Desta forma, o membro do AA aprende o modelo de história da irmandade e a localizar os eventos e as experiências de sua vida de modo a adequar-se ao protótipo de alcoólico de AA. Por exemplo, se antes o fato de ser demitido de um emprego era associado à perseguição pelo chefe, agora, depois de incorporar a narrativa identitária de alcoólico do AA, esse mesmo evento é relido e visto como consequência de seu próprio alcoolismo. Além disso, o novo membro deve se comprometer a parar de beber, atitude que traduz o primeiro dos 12 passos definidos pela metodologia da irmandade, e seguir o restante das diretrizes", explica a psiquiatra.
Até agora, foram entrevistados 14 integrantes do AA. Segundo Carla, as entrevistas não foram direcionadas com perguntas, a fim de que cada membro se sentisse à vontade para falar abertamente sobre o tratamento e sua situação atual. "Todos lembram o período em que consumiam álcool e têm consciência de que suas atitudes geraram grandes perdas, como emprego e dinheiro, rupturas de relações familiares, entre várias outras consequências. Por isso, alguns entrevistados chegavam mesmo a afirmar que comemoravam o próprio aniversário na data em que entraram no AA, pois consideram que renasceram ali", diz Carla.
Para a pesquisadora, um dos aspectos fundamentais da eficácia do AA é a ajuda mútua. "Acredito que um dos pontos mais fortes da irmandade é a possibilidade de cada integrante se tratar e ao mesmo tempo ajudar o outro, que está em condições iguais às dele. Ali não existem diferenças de status social, credo ou cor. Todos são iguais diante de um mesmo problema e do objetivo de se afastar do vício. E também se identificam pelas perdas e pelas histórias de vida. Desta forma, os alcoólicos ganham a possibilidade de enxergar o próprio problema por um outro prisma. E, em nenhum momento, há qualquer tipo de acusação ou crítica. Eles compartilham tudo", analisa.
Outra característica importante que Carla destaca é o estímulo que o AA dá para que os integrantes retomem suas vidas. "É outro passo que fortalece a auto-estima e representa uma guinada na vida daqueles que eram vistos como casos perdidos. Ali, eles têm a possibilidade de mostrar aos familiares que realmente foram capazes de restabelecer na sociedade o papel que perderam em função da doença", conclui.
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