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Publicado em: 03/03/2010
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Quem é o pai? Pesquisa estuda o tema da paternidade em Campos

Vilma Homero

Divulgação/Uenf 

     
    Segundo Marinete, antes dos testes de DNA,
    reconhecer paternidade em Campos era raro
Na primeira metade do século XX, os pedidos de reconhecimento de paternidade no município de Campos de Goytacazes em geral resultavam em indeferimento. Dos 66 processos analisados pela historiadora Marinete dos Santos Silva, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), em sua pesquisa, apenas entre 10% e 15% obtiveram reconhecimento. Nada disso causou espanto à pesquisadora. Segundo Marinete, isso se deve ao grande conservadorismo da cidade que viveu durante mais de um século sob o domínio dos grandes proprietários ligados a agroindústria da cana-de açúcar e à desigualdade da condição da mulher, especialmente na primeira metade do século XX.

A ideia para a pesquisa surgiu ao observar como a tecnologia foi capaz de mudar as relações de gênero. "Depois que os testes de DNA passaram a oferecer uma forma de se estabelecer, com certeza, a paternidade, isso revolucionou as relações entre homem e mulher. Agora, o homem pode ser responsabilizado por seus atos. Tudo isso me levou a querer investigar como era a situação anterior", diz. Mas a pesquisadora – que durante seu doutorado na França estudou a prostituição no Rio de Janeiro no século XIX, mais tarde se voltou para a questão do aborto na virada do século e para a violência contra a mulher durante o ciclo da borracha, no Pará –, agora está empenhada em analisar mais essa questão de gênero por outro ângulo, o do homem.

Afinal, se ainda hoje a estimativa é de que existam 6,5 milhões de crianças registradas apenas em nome da mãe, há um século, então, proporcionalmente, esse número deveria ser bem maior. "Sem contar que, antigamente, ser filho sem pai também significava uma certa exclusão social – o que equivalia a ser impossibilitado de frequentar determinadas escolas ou, na vida adulta, ser preterido em dados cargos –, particularmente em pequenas cidades do interior. Em Campos, mesmo hoje, em pleno século XXI, ainda é hábito se perguntar ‘de que família você é’. Imagine, então, como devia ser antigamente...", pondera a pesquisadora.

Pelo que pôde constatar nos processos que analisou, o perfil que emergia em quase todos os pedidos era o de homens mais ricos, mais velhos e em geral brancos, enquanto as mulheres, muitas delas menores de idade, de baixa condição social, várias delas negras ou mulatas. "Em geral, a regra nesses casos é que esses indivíduos de posses se envolvessem com jovens pobres – muitas vezes empregadas de suas casas ou trabalhadoras de suas fazendas –, para quem montavam casa e com quem tinham filhos", diz. O grande problema é que, para o casamento, esses homens escolhiam mulheres de condição social semelhante à deles. E, na maioria das vezes, isso significava o abandono da mulher e dos filhos concebidos fora do casamento.

"Na sociedade ocidental patriarcal e patrilinear, a garantia da transmissão do patrimônio e do nome centrava-se na segurança que o pai devia ter sobre sua filiação. Desde os romanos a presunção legal de paternidade fundava-se no casamento, que fazia coincidir o aspecto jurídico com o biológico. Ou seja, a filiação legítima era a concebida sob os laços do casamento. No Brasil, admitia-se o reconhecimento de paternidade feito pelo pai, de vontade própria, em ato registrado em cartório.

Com a implantação do primeiro Código Civil, em 1916, passou-se a admitir também o reconhecimento judicial, através da investigação de paternidade. Para isso, serviam como provas de filiação testemunhos escritos e exames periciais, fosse a perícia médico-legal, por meio de características fisionômicas do pai e do pretenso filho. "Um avanço para a época foi também a admissão do exame de sangue, que, se não era capaz de determinar, excluía a possibilidade de filiação. Se a mãe tivesse sangue O positivo, por exemplo, uma criança de sangue A não poderia ser filha de um pretenso pai que também tivesse sangue O positivo." Mas o que chamou a atenção da pesquisadora foi o fato de que em nenhum dos processos examinados houve sequer o pedido ou a inclusão de algum desses exames.

Na maioria dos pedidos de reconhecimento de paternidade analisados pela pesquisadora, quem dá entrada são os filhos, após o falecimento do pretenso pai, por ocasião da partilha dos bens. "O que é bastante compreensível, já que a mulher geralmente se sentiria intimidada pela posição social e relações influentes do amante, sabendo também que entrar com um pedido de reconhecimento de paternidade implicaria em seu apedrejamento moral e, na enorme maioria dos casos, em resultado negativo", explica.

Naquele primeiro Código Civil, a virgindade anterior ao casamento era um dos fatores que estabelecia a honestidade feminina. Relações sexuais fora do casamento significariam "desonestidade", e seriam motivo suficiente para que uma mulher fosse deserdada, por exemplo. "A maioria dos pedidos de reconhecimento de paternidade conta apenas com a apresentação de testemunhas. Se de um lado, havia as que comprovavam a convivência marital ou aquela ligação afetivo-sexual, do outro, sempre havia também os que depunham contra a honra daquela mulher, que já seria vista de forma negativa por manter uma relação fora do casamento, ter origem humilde e muitas vezes ser de cor", diz a professora.

Esse último aspecto também chamou a atenção da pesquisadora. "Embora seja raro que se fale na cor dos envolvidos, transparece nas entrelinhas de alguns depoimentos um certo racismo ainda prevalente naquela sociedade. Não podemos esquecer que Campos foi a última cidade brasileira a libertar os escravos. Mesmo contra todos os argumentos, há depoimentos que põem em dúvida, por exemplo, o próprio fato de um homem branco e de boa situação social se envolver com alguém de cor e de condição social inferior. Isso, na maioria dos casos, era exatamente o que ocorria." Até nas sentenças, percebem-se os critérios morais, que inevitavelmente incriminam a mulher, vista como de ‘vida airada’ e sempre responsabilizada pelo filho.

A pesquisa agora entrará em nova etapa, com a análise de outras fontes, como os jornais da época, livros e teses sobre o tema. "Quero ver, por exemplo, se figurões como um conhecido empresário, dono de famoso magazine da cidade e réu de um processo de paternidade, tiveram o caso divulgado na mídia local ou se conseguiram abafar o caso e impedir que a história fosse divulgada", fala. Em março, e antes da conclusão de seu estudo, Marinete lançará livro em que reúne todas as teses orientadas por ela sobre questões de gênero em Campos: Gênero, poder e tradição na terra do coronel e do lobisomem, com apoio do programa APQ3, da FAPERJ.

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