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Publicado em: 18/06/2010
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O poder jovem nas torcidas de futebol

Vinicius Zepeda

 

 
ayrton.com/360/archives
     
          Em época de Copa do Mundo, as rivalidades ficam de
           lado e os torcedores se unem pela vitória da Seleção
Até meados de julho, flamenguistas, tricolores, botafoguenses e vascaínos deixam as diferenças de lado e se unem para torcer pela pátria de chuteiras durante a  Copa do Mundo, na África do Sul. Como eles, torcedores de todos os times do País se unem numa só torcida. No resto do planeta, todos os corações vibram e lutam numa batalha em que fuzis e confrontos são substituídos pela bola, a trave, os esquemas táticos 3-5-2, 4-4-2, 4-3-3, 4-5-1, entre outros,além das partidas entre adversários pelo título mundial de futebol. Já o que assistimos fora da Copa do Mundo é um espetáculo de torcidas rivais, que conjuga ao mesmo tempo a beleza das torcidas, entoando hinos e canções de provocação aos rivais, erguendo faixas e fazendo coreografias com a violência e a intolerância com o diferente, que por vezes pode gerar até mesmo mortes. Afinal, as torcidas nada mais são que um microcosmo da sociedade, para o bem e para o mal. Esta é a tese defendida pelo historiador, professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Bernardo Borges Buarque de Hollanda, que acaba de publicar, com apoio do programa Auxílio à Editoração (APQ 3) da FAPERJ, o livro O Clube como vontade e representação - O jornalismo esportivo e a formação das torcidas organizadas de futebol no Rio de Janeiro.

 

“Flamengo, Flamengo/Tua glória é lutar/Flamengo, Flamengo/Campeão de terra e mar.” O verso, adaptado do hino oficial do clube, foi cantado ininterruptamente por quase cinquenta anos durante a entrada do time em campo pela Charanga – primeira torcida organizada do Flamengo e do Rio de Janeiro – liderada pelo baiano Jaime de Carvalho e que, de uns anos para cá, retomou aos estádios nacionais. “O baiano trouxe para as arquibancadas instrumentos rítmicos e de sopro, os metais, além de confetes e serpentina típicos do carnaval”, explica o pesquisador. O fenômeno foi incentivado pelo jornalista Mário Filho (1916/1976), que criou um concurso de torcidas que tocavam marchinhas. Dono do Jornal dos Sports, ele estimulou, no final dos anos 1930, a criação da identidade do futebol como espetáculo das massas populares. “Até aquela década, os jornais mal falavam sobre esportes e as poucas notícias que apareciam se referiam a corridas de cavalos e regatas”, ensina.

 

www.flamengoeternamente.blogspot.com
       
O baiano Jaime de Carvalho no meio da Charanga,
 a primeira torcida organizada do Rio de Janeiro

O livro de Bernardo Buarque é essencialmente o resumo da tese de doutorado em História Social da Cultura, no Departamento de História, da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), defendida ano passado. O estudo teve como fonte de pesquisa os arquivos do Jornal dos Sports, mais especificamente as matérias e fotos não publicadas, além de entrevistas com chefes de torcidas. O pesquisador da FGV acrescenta que, quando o jornalista Mário Filho comprou o Jornal dos Sports, começou também a publicar crônicas esportivas, fotos e entrevistas com jogadores de futebol. “Isso ajudou a transformar a imagem do futebol, até então aristocrático, em esporte de massas”, complementa.

 

Torcidas jovens criam o hedonismo no futebol

 

Em 1967, como dissidência à Charanga, do Flamengo, surge a primeira torcida jovem do estado do Rio de Janeiro: a Poder Jovem, que dois anos depois se transforma na Torcida Jovem Fla (TJF). No contexto da época, a TJF surge influenciada pela rebeldia da juventude da época e com proposta bem diferente da que vigorava na torcida criada pelo baiano Jaime de Carvalho. “Enquanto o baiano não admitia vaias ou hostilidade aos jogadores, a nova geração de torcedores, capitaneada pela Jovem Fla, queria protestar e criticar a atuação da equipe nos estádios”, explica Bernardo Buarque. Em 1971, surge o primeiro Campeonato Brasileiro de Futebol nos moldes do que temos hoje, em que o Atlético Mineiro sagrou-se campeão. As torcidas jovens que começam a comparecer aos estádios se tornam também torcidas organizadas devido à infraestrutura que criam para assistir aos jogos de seus times. É quando começa a aparecer o chamado hedonismo no futebol, que segundo o historiador caracteriza-se pela perda da identidade individual, diluída no prazer coletivo de viver para e pela torcida. “Isso acontece porque essas torcidas viraram verdadeiros grêmios recreativos, com sede própria independente do clube, taxa de inscrição e sócios, além de excursões para acompanhar os jogos em outros estados”, acrescenta.

 

Já nos anos 1970, acompanhando o contexto político do País e do mundo, as torcidas passam a protestar também contra a ditadura militar. “Não foi à toa que a primeira faixa a favor da anistia dos presos políticos no Brasil foi aberta num jogo do Corinthians, pela Gaviões da Fiel”, explica Bernardo. A democratização, no fim dos anos 1980, é acompanhada por uma grande decepção com o novo governo, inflação galopante, delinqüência juvenil e escalada da violência com o tráfico de drogas e o surgimento do crime organizado, com o Comando Vermelho no Rio de Janeiro. As torcidas então começam a se tornar violentas, seus seguidores passam a ser tachados de vândalos, numa espécie de reflexo da juventude perdida, a geração Coca Cola cantada na música de Renato Russo (1960/1996).

 

“Vale destacar que o grosso dessas torcidas é de jovens entre 14 e 25 anos, suscetíveis à necessidade de autoafirmação diante do grupo”, afirma. Ele acrescenta que, segundo teoria com origem no século XIX, elaborada por Gustave Le Bon, o jovem, que geralmente se considera fraco sozinho, em bando se acha invencível. “Assim, a torcida passa a ter vida própria e os jovens se tornam apenas peças da engrenagem. O estádio passa a ser o local das transgressões, o futebol funciona como catarse coletiva, em que palavrões e xingamentos nada mais são do que expressão dos preconceitos arraigados da sociedade”, diz Bernardo.

 

Torcida Youg Flu

           
            Enquanto o jogo acontece em campo, a provocação
              entre as torcidas toma conta das arquibancadas
O historiador lamenta a escalada da violência nos estádios, que, em 1988, contabilizou a primeira morte de líder de torcida, Cleo, da Mancha Verde, do Palmeiras. Nesse contexto, ele explica que o ciclo de rivalidades perde a noção originária do futebol – sublimar a violência das armas com a leitura tática do jogo ganho com gols e o confronto pacífico de times em busca do gol – e passa a ser um espaço de guerra no sentido literal do termo. Como as torcidas crescem e se multiplicam, elas passam a reproduzir conflitos até entre seus integrantes, copiando a estrutura típica das facções criminosas. Com o aumento do preço dos ingressos nos estádios,  muitas vezes os torcedores nem chegam a entrar para assistir aos jogos, ficando do lado de fora para provocar brigas entre seus próprios membros ou com torcedores de outro time. Seus símbolos passam a ser bélicos: canhão (Raça Rubro-Negra), cão buldogue (Fúria Jovem do Botafogo), Eddie – caveira símbolo da banda de heavy metal Iron Maiden (Força Jovem do Vasco), o vilão dos quadrinhos Duende Verde (Torcida Young Flu). Com a escalada de violência nos estádios, de fins dos anos 1980, várias iniciativas vêm sendo tomadas, desde policiamento ostensivo nos arredores dos estádios à escolta das torcidas e campanhas na mídia pela paz no futebol. Os resultados, no entanto, ainda são tímidos e bastante aquém do esperado.

 

O projeto para a Copa de 2014 no Brasil e o futuro das torcidas

 

Reprodução 
      

Em sentido horário, símbolos das torcidas jovens
  de Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco

Outro indicativo de como o futebol é um reflexo da sociedade é o poder político que líderes de torcida passaram a ter na eleição de dirigentes dos clubes. “O maior exemplo disso no futebol carioca pode ser personificado pelo ex-presidente do Vasco, Eurico Miranda, que chegava a distribuir até cinco mil ingressos em dia de jogo para os líderes de torcida”, lembra Bernardo. Ainda que caminhando a passos lentos em todo o País, a profissionalização do futebol parece ter ganho força, a partir dos anos 1980, com a transmissão cada vez mais freqüente dos jogos pela televisão, com a perda do de amor à camisa, com os jogadores transformados em mercadoria. “Há mais de vinte anos que os clubes operam deficitariamente, e seu lucro não vem mais da venda de ingressos para o público que comparece aos estádios, mas dos contratos para transmissão dos jogos pela TV e das transações com jogadores”, explica.

 

O novo modelo de adequação dos estádios às normas da Federação Internacional de Futebol (Fifa) e que vem sendo adotado pelo Brasil prevê não apenas a redução do número de assentos, como o aumento do preço dos ingressos. “Acredito que o futebol continuará a ser o esporte mais popular do País por conta da televisão, mas o alto preço dos ingressos e a extinção da antiga geral no Maracanã tende a tornar o público cada vez mais elitista. O povão vai se contentar em ver o jogo pela televisão”, explica o historiador.

 

Nesse contexto, Bernardo Buarque destaca o surgimento, em 2006, da chamada “antitorcida organizada”, assim denominada por suas características, contrárias às tradicionais torcidas jovens. “Formadas em geral por jovens de classe média, elas não cantam palavrões, não têm símbolos próprios e, como as charangas, não vaiam. Ao contrário, apoiam incondicionalmente o time. São elas a Urubuzada (Flamengo), Legião Tricolor (Fluminense), Loucos pelo Botafogo e Guerreiros do Almirante (Vasco)”, conclui. 

 

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