Danielle Kiffer
secondlove.com.br |
A oferta de sites de relacionamento é bastante variada e especializada para gostos e preferências diversas |
Com focono universo dessas redes sociais que não param de crescer, a professora e coordenadora de Jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Cristiane Henriques Costa, desenvolveu o projeto "P@r Perfeito – Exploração do universo virtual e das novas estratégias narrativas em mídias digitais". O estudo faz uso do método denominado netnografia, como tem sido chamado o ramo da etnografia que analisa o comportamento de indivíduos na internet e que consiste na inserção do pesquisador no ambiente do grupo investigado e exige uma combinação imersiva entre participação e observação cultural com relação às comunidades pesquisadas. O pesquisador deve ser reconhecido como um membro da cultura estudada.
Para realizar um levantamento abrangente deste universo, a pesquisadora infiltrou 25 alunos da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ com perfis falsos entre os mais diversos sites de paquera. O objetivo é fazer uma grande reportagem sobre a busca do amor no universo virtual. "Por serum campo relativamente novo, é possível perceber o desenvolvimento de uma linguagem própria, o tipo de discurso, quase sempre autoenaltecedor por parte do locutor, a grande importância da imagem. Tudo isso se torna objeto de estudo. Pensar netnograficamente é entender como o discurso humano se comportana cibercultura e nas comunidades virtuais, e as diversas possibilidades proporcionadas pela rede", explica a pesquisadora.O projeto tem apoio da FAPERJ por meio doprograma de Auxílio Básico à Pesquisa (APQ 1).
Além de se passar por pessoas interessadas em relacionamentos nos mais diversos sites de paquera, a equipe também analisa os perfis e as fotos dos usuários. "Nem tudo pode ser levado ao pé da letra", adverte Cristiane. "Notamos que praticamente 100% das pessoas não fumam. Entre os homens, 80% dizem gostar de música clássica e artes plásticas e mais de 60% praticam esportes náuticos. Claro que isso não corresponde à verdade", assinala a pesquisadora. “São estratégias de sedução, para fugir aos filtros que os sites criam. Muitos usuários nem querem ter contato com quem fuma ou não gosta de artes, por exemplo.”
eharmony.com.br |
No eHarmony,o acaso é uma questão numérica: o encontro amoroso é definido por afinidades e probabilidades |
Existem sites de paquera para todos os gostos e preferências. Há os especializados em pessoas acima do peso, os só para amantes e até paraaqueles com uma certa queda para o egoísmo têm um lugar na internet para encontrar sua cara-metade, como conta Cristiane. O site em questão é o Attlasphere, criado por fãs da escritora e dramaturga Ayn Rand, cujas obras pregam o individualismo, o egoísmo racional e o capitalismo (o nomeé baseado na obra da autora, Atlas Shrugged). E quem está disposto a "pular a cerca", também pode se utilizar das facilidades da rede. O site Second Love é especializado em pessoas que já estejam em um relacionamento, mas querem conhecer outras também comprometidas, para dar um novo rumo à relação que vivenciam ou apenas para uma aventura virtual: ali, a infidelidade é declarada.
Amor e religião
"O primeiro passo é orar; o segundo, procurar". Com este slogan, o site Amor em Cristo é voltado somente para os evangélicos. Nesse caso, parece que, além da ajuda das probabilidades, os adeptos parecem contar com uma força extra: a fé. O esquema parece estar funcionando muito bem: logo na entrada, é possível a qualquer visitante verificar os depoimentos de casais felizes que se formaram ali. "Uma das grandes particularidades deste site é que os evangélicos não entram nestes sites apenas para arrumar namorados: o objetivo é casar", conta a pesquisadora.
Divulgação/UFRJ |
Cristiane Costa considera a internet um lugar tão ou mais produtivo para se relacionar quanto uma festa ou uma boate |
De acordo com Cristiane, os resultados têm sido muito ricos e satisfatórios. "As aulas têm sido bastante divertidas e toda a equipe está muito envolvida. Temos descoberto muitas informações novas e até quebrado alguns paradigmas", declara. Um deles, de acordo com a pesquisadora, é que na internet, o amor não tem idade. Como conta Cristiane, um aluno de 20 anos que está se passando por uma senhora de 60 já tem mais de dois pretendentes no site Broto Bacana. Voltado para pessoas com mais de 40 anos se relacionarem na rede, está sendo um grande sucesso. De acordo com Cristiane, os resultados da pesquisa até agora têm sido surpreendentes. “Toda a equipe está envolvida e se diverte muito. Temos descoberto sites que nunca imaginamos e até desfeito alguns preconceitos”, declara. “Os sites de paquera virtual ainda são vistos como um lugar de gente feia, esquisita e solitária. Temos constatado que isso não é verdade. Lógico que é preciso tomar cuidado para não cair em cilada, mas a rede é um lugar tão ou mais produtivo para se relacionar quanto uma festa ou uma boate”. Em geral, os próprios sites aconselham os usuários sobre como postar as melhores fotos, como se comportar e até como se precaver de perigos antes de se encontrar com estranhos.
As experiências dos estudantes nos sites de paquera estão sendo registradas em um diário de campo e em reportagens tradicionais, que serão publicadas no Jornal Laboratório da ECO. Boa parte já está pronta e pode ser acompanhada no blog do projeto. O resultado da pesquisa não será um livro tradicional, em papel. O trabalho será publicado um site e um aplicativo para tablets, como o iPad, para que o leitor não familiarizado com este universo possa visualizar as páginas da internet e acompanhar o trajeto dos infiltrados e suas conversas com usuários (que terão suas identidades protegidas). “É uma reportagem de imersão. Queremos dar a visão mais realista possível deste universo virtual, baseada não na ideia da representação, mas da simulação, como se o próprio leitor mergulhasse neste mundo paralelo”, explica a pesquisadora.
Enquanto não é finalizada, o making off da pesquisa pode ser acompanhado no blog www.blogparperfeito.blogspot.com. “Estamos explorando uma nova forma de fazer jornalismo e trabalhando novas estruturas que permitam uma leitura não-linear de uma reportagem”, diz Cristiane, que é doutora em Comunicação e Cultura, pela UFRJ, e pesquisadora do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (Pacc-UFRJ).
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