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Publicado em: 27/06/2013
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Lendo as entrelinhas do discurso dos quadrinhos

Vinicius Zepeda

Reprodução 

       

        Susanita e Mafalda representam o exato oposto
       uma da outra: uma é fútil, a outra é contestadora


Muitas vezes, tirinhas em quadrinhos vão bem além do lazer, carregadas de mensagens ideológicas de um determinado momento histórico. Um exemplo é a argentina Mafalda, de cerca de oito anos, que, como toda criança, fala o que pensa. Ela não apenas coloca os pais em situações embaraçosas; também coloca os leitores em uma posição de reflexão. Ela é a personagem principal dos quadrinhos escritos pelo cartunista argentino Quino e publicada originalmente entre os anos de 1960 e de 1970, e objeto da análise da mestranda Larissa Zanetti Antas, que, pela fala da personagem, estuda o discurso sobre a mulher nos anos 1960. Orientada pela professora e pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Luciana Maria Almeida de Freitas, a pesquisa vem sendo desenvolvida com apoio de uma bolsa Mestrado Nota 10, da FAPERJ – auxílio financeiro dado aos melhores alunos dos cursos de pós-graduação de excelência em instituições sediadas no estado do Rio de Janeiro, segundo avaliação dos docentes. "Larissa é uma estudante muito aplicada, autônoma. Desde a graduação pude acompanhá-la e já era possível antever que se tornaria uma brilhante professora e pesquisadora da área dos estudos de linguagem", afirma Luciana, sua orientadora no mestrado.

Desde março deste ano, ao passar pela fase de qualificação de sua dissertação, Larissa vem se debruçando sobre cerca de cem tiras (de um total de 1.092) do livro Toda Mafalda. "As tiras da personagem abordam outras questões recorrentes à época, como as ditaduras latino-americanas, a Guerra Fria – período histórico sob permanente tensão nuclear entre países alinhados aos Estados Unidos (capitalistas) e a antiga União Soviética (comunista) – desigualdades sociais, burocracia, entre outras questões. Assim, para abordar apenas o feminismo, resolvi centrar meus estudos inicialmente em três personagens: a própria Mafalda, sua mãe e a amiga Susanita", explica Larissa.

A orientadora  Luciana destaca que a maior contribuição do trabalho da mestranda será de cunho teórico, o que não é muito frequente em dissertações. "A banca de qualificação entendeu, e eu concordo, que a pesquisa pode aportar importantes reflexões acerca do humor em uma perspectiva dos estudos discursivos", afirma.

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     Susanita representa o que a sociedade patriarcal espera da mulher: boa esposa, dona de casa, com muitos filhos

Graduada em Letras pela UFF, Larissa atualmente está fazendo a catalogação do material selecionado quanto ao tipo de discurso utilizado pelo cartunista Quino para falar sobre o papel das mulheres, segundo o dialogismo de Bakhtin e a análise do discurso de base enunciativa de Maingueneau. Segundo a tese defendida por Bakhtin, um texto não pode ser visto isoladamente, pois carrega vários sentidos, tanto na escrita quanto na leitura e está correlacionado a outros pontos de vista próximos ou similares. "Na retórica, por exemplo, usamos argumentos antagônicos para podermos refutá-los", exemplifica Larissa. Já Maingueneau faz uma espécie de catalogação dos tipos de enunciados presentes num discurso: polêmico, religioso, contestatório, conciliatório, hiperanunciador, entre outros", completa a pesquisadora.

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  O cuidado excessivo com a estética, tão presente na atualidade, é uma preocupação recorrente para Susanita

Larissa explica que a personagem Susanita representa o exato oposto de Mafalda. "Seu único objetivo na vida é encontrar um marido rico e de boa aparência quando crescer e ter uma quantidade de filhos acima da média. Ou seja, exatamente o que a sociedade patriarcal espera das mulheres: que sejam obedientes e se preocupem apenas com a casa, os filhos, o marido e a beleza", descreve. Além disso, a mestranda destaca ainda que a Susanita também representa muito do senso comum, nas perguntas óbvias que fazemos quando não sabemos o que significa opressão, desigualdade social ou pobreza. "A mãe de Mafalda é a típica dona de casa, que não completou os estudos – e por isso é vista como medíocre por Mafalda –, que entra em constantes conflitos com a filha", explica. "Entretanto, no atual processo de catalogação, estou pensando em centrar minha dissertação somente no diálogo travado entre Mafalda e Susanita, uma vez que as duas têm aproximadamente a mesma idade", acrescenta.

Divulgação
      
Larissa: "Mafalda nos faz
refletir sobre a realidade"
     

 
Apesar dos enormes avanços conseguidos pela mulher na sociedade, Larissa chama atenção para o fato de que o discurso feminista de Mafalda ainda permanece bastante atual, principalmente entre as camadas mais pobres da sociedade ou entre esposas de emergentes, como jogadores de futebol, empresários novos-ricos, entre outros, que continuam vivendo em função da família e do marido. "Entre os menos abastados, o comportamento é dúbio: muitas vezes elas não trabalham por não ter com quem deixar os filhos. Em outros casos, trabalham para complementar a renda familiar insuficiente e acumulam uma dupla jornada: trabalho, cuidar da casa e do marido e filhos", exemplifica. "Apesar de não termos mais um movimento feminista com as características semelhantes às dos anos de 1960, a sociedade continua machista. Basta ver que, em geral, mulheres na mesma posição profissional recebem menos que homens, além de serem vistas com preconceito em determinadas profissões ainda consideradas masculinas", complementa.

Para Larissa, no momento atual vivido pelo Brasil, com uma série de manifestações eclodindo pelo País de forma descentralizada, tendo as redes sociais como o principal espaço de mobilização da sociedade, a análise do discurso ganha ainda mais importância. "Entender esse tema nos permite ler melhor as entrelinhas e compreender a mensagem que diferentes grupos da sociedade estão querendo passar. Assim, podemos formar uma visão crítica ao analisar o cotidiano e ver toda essa mobilização com outros olhos. Há vários discursos distintos no momento", explica. "Mafalda, com suas inquietações e questionamentos, com certeza nos tira do senso comum e nos faz refletir sobre a realidade que nos cerca", conclui.

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