Vinicius Zepeda
Marc Ferrez/ Acervo IMS |
Escravos trabalham na colheita do café em fazenda do Vale do Paraíba, no século XIX |
Ricardo Salles coordena um grupo de pesquisadores de diferentes instituições, como a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio ), Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade de São Paulo (USP), além de parcerias públicas e privadas, como o Museu de Hera e a Universidade Severino Sombra, em Vassouras, e o Arquivo Histórico Municipal de Piraí, que tem contribuído com seu acervo para ajudar na elaboração de um banco de dados digitalizado da região que abrange as cidades de Vassouras, Piraí e Bananal. O projeto conta com recursos do programa Apoio a Núcleos Emergentes de Pesquisa (Pronem), da FAPERJ. "Atualmente estamos comparando documentos de posse de terra de fazendeiros nos anos 1820 com seus inventários post-mortem de 1850 e 1860", explica Salles. Como conta o pesquisador, com os recursos da Fundação foram comprados equipamentos, como máquinas fotográficas, uma mesa para higienização de documentos, computadores e servidores para equipar os acervos, e duas mesas para digitalização de documentos.
O pesquisador chama atenção para alguns dados já encontrados. Entre 1820 e 1880, o Brasil viveu a expansão e a decadência da economia cafeeira de base escravista no Vale do Paraíba. Segundo explica o pesquisador, na década de 1840, já existia em Piraí um número significativo de proprietários com mais de duas ou três centenas de escravos, enquanto em Vassouras, município tradicionalmente conhecido como o de maior poder econômico e político da região, isso só viria a acontecer, e em menor escala, na década de 1860. "Já na década de 1820, encontramos em Piraí grandes fazendeiros, com uma exploração de café bem desenvolvida. No final da década, quando o administrador da Fazenda Nacional de Santa Cruz contesta sobre as terras que ocupavam e que pertenceriam à fazenda, eles se organizam e enviam uma petição à Assembleia Nacional para garantir seu direito à propriedade. No documento, eles descrevem quanto cada um produzia de café e quantos escravos tinha cada proprietário", explica Salles.
Divulgação/UniRio |
Ricardo Salles (D) e parte da equipe responsável pela digitalização dos documentos |
Segundo o pesquisador, em Piraí, já havia tecnologias sofisticadas, como máquinas de café movidas a energia hidráulica, além de máquinas de processamento a vapor. Ele acrescenta que, na década de 1860, Vassouras contava com uma comunidade de escravos em vias de se estabilizar e se reproduzir naturalmente. Ali havia uma proporção maior de famílias com filhos escravos, o que também significava um aumento do número de crianças e equilíbrio entre homens e mulheres. "Se somarmos o número de filhos de escravos nascidos depois da lei do Ventre Livre – os chamados ingênuos – com o número de escravos em 1883 e compararmos com os dados de 1874, descontando os casos de morte e de alforria, chegamos a um equilíbrio demográfico que se mostrava propenso à estabilização", explica o historiador. Ao se comparar esses dados com aqueles que vêm sendo encontrados em Piraí, os pesquisadores acreditam que os resultados deverão ser semelhantes. "Assim, a resistência dos fazendeiros do Vale do Paraíba à abolição da escravidão, muito mais do que conservadorismo político, era uma tentativa de manter os negócios num modelo que, diferente do resto do País, ainda se encontrava com força, o que contraria o que tem sido escrito sobre a história do Vale do Paraíba até então", afirma.
Até o final do primeiro semestre de 2014, Ricardo Salles espera encerrar o projeto e apresentar todos os resultados dos estudos num livro, fruto de um seminário de apresentação de resultados com os envolvidos no projeto. "Precisamos chamar atenção para a riqueza histórica da região, as grandes fazendas que ainda existem ali, os diversos monumentos históricos e descobrir o passado de uma região rica em cultura, mas ainda muito pouco conhecida, sobretudo quando se trata das manifestações afro-brasileiras. Estamos trabalhando com informações quantitativamente importantes para conhecer melhor nossa própria identidade. Em Vassouras, estamos delimitando o perfil de cerca de 28 mil escravos, de outros 10 mil em Bananal, e de cerca de 30 mil em Piraí", destaca Salles. "Além de servir de material para futuras pesquisas, nosso banco de dados pode ainda orientar os governos com informações que contribuam para incentivar ainda mais o potencial do turismo histórico local, ainda pouco explorado", conclui.
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