Vilma Homero
Mesmo sendo um produto natural, o consumo do esteviosídeo adoçante obtido da planta Stevia rebaudiana por animais de laboratório mostrou que a substância pode causar lesões no DNA das células de diferentes órgãos. Pelos resultados do trabalho que está no prelo e será publicado em breve na revista Food and Chemical Toxicology, a análise do sangue de ratos alimentados com uma solução de esteviosídeo diluída em água revelou lesões em sangue periférico, fígado, baço e o que mais surpreendeu os pesquisadores cérebro dos animais. Este foi apenas mais um dos resultados dos diversos estudos que fazem parte da pesquisa "Efeitos biológicos induzidos por agentes físicos e químicos presentes no meio ambiente", coordenada pelo professor Adriano Caldeira de Araújo, do Instituto de Biologia, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), com apoio do edital Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ.
A pesquisa é ampla. Abrange trabalhos desenvolvidos por alunos de mestrado e doutorado, com diferentes formações básicas, como Nutrição e Biologia, abordando aspectos e agentes diversos. E tem deixado o professor entusiasmado com alguns artigos já publicados e com o possível interesse de especialistas de outras universidades para desdobramento de certos temas. Assim como o trabalho com o esteviosídeo, dissertações de mestrado e teses de doutorado investigam também os efeitos biológicos de outros agentes, físicos ou químicos, como o estanho (cloreto estanoso, usado na medicina nuclear), seja em DNA plasmidial, em bactérias, em ratos ou, até mesmo, em células humanas. Outro trabalho estuda ainda a reação de cepas bacterianas, selvagens ou mutantes em reparo de DNA, a baixas taxas de radiação ultravioleta A.
No caso da Stevia rebaudiana, após a dissertação de mestrado da nutricionista Ana Paula da Motta Nunes, ainda será preciso entender os mecanismos que levam à formação das lesões, o que caberá a outros especialistas. "Acredito que pesquisadores de diferentes especialidades da área biomédica terão interesse em descobrir por que o esteviosídeo ingerido por via oral, ou o esteviol, um produto de sua metabolização, além de causar inativação de células bacterianas, consegue atravessar a barreira hematoencefálica em ratos e causar lesões no DNA de células cerebrais. Isso foi detectado por um ensaio chamado Cometa, usado para diagnosticar este tipo de lesões", diz o professor.
Em outro protocolo experimental, no entanto, em contato com o DNA de plasmídeo, o esteviosídeo se mostrou inócuo, como explicou o professor. "Porém, quando penetra em uma célula, como a de uma bactéria presente no nosso trato intestinal, ocorre a sua metabolização e a produção de uma outra substância, o esteviol, que é tóxico. Esta substância é, muito provavelmente, a responsável pelas lesões produzidas nas células do cérebro dos ratos estudados pela nutricionista. É lógico que não podemos esquecer que esses resultados foram obtidos em ratos. Por outro lado, também é muito importante lembrar que aquela substância, o esteviol, também pode ser formada no organismo de humanos. Isso demonstra a importância de se continuar esses estudos", esclarece.
Outra ramificação da pesquisa tem como alvo o estanho. "Isolado, ele é extremamente tóxico. A questão é ver quais são os efeitos cumulativos dessa substância em baixas dosagens e conjugada a outros elementos", fala o professor. Afinal, os sais de estanho estão presentes de várias formas em nosso cotidiano. Seja nas embalagens metálicas usadas pela indústria alimentícia, nos compostos fungicidas e pesticidas empregados na agricultura, ou como componente do kit de radiofármacos, utilizados na medicina nuclear.
Sendo assim, esses efeitos têm sido testados in vitro e in vivo, em diferentes sistemas biológicos. A dissertação de mestrado de Anderson Pereira Guedes e um artigo publicado, em dezembro último, na revista Nuclear Medicine and Biology apresentam os resultados obtidos em bactérias e plasmídeos. Além de letalidade na bactéria Escherichia coli, esses íons e componentes derivados provocaram irritação na mucosa oral de ratos, deterioração da qualidade do sêmen, produção de radicais livres e alterações em algumas atividades enzimáticas em coelhos machos.
Para verificar o efeito desse tipo de exposição em humanos, os pesquisadores observaram pacientes submetidos a exames de medicina nuclear, já que os kits de radiofármacos usados nesses procedimentos contêm cloreto estanoso entre seus componentes. A comparação de amostras de sangue tiradas antes e depois do exame (colhidas em braços opostos) mostrou a formação de lesões em células sangüíneas imediatamente depois da aplicação do kit. Duas horas mais tarde, essas lesões se tornam ainda mais numerosas. Mas 24 horas,depois do exame, as amostras sangüíneas se apresentavam sem quaisquer lesões.
"Para isso podemos imaginar algumas hipóteses. Ou as lesões foram reparadas por algum mecanismo celular específico para agir nesses casos, ou as células lesionadas foram tiradas da circulação e sofreram apoptose ou necrose. Uma outra hipótese é que tenham sofrido mutações, o que poderia levar a formação de um câncer no futuro", explica o pesquisador. Na tentativa de entender o que ocorre, têm sido usados dois caminhos: estudos em ratos e com amostras de sangue doadas por voluntários que, neste caso, são os próprios pesquisadores.
"Nessas amostras, percebemos que ele produz efeito genotóxico em humanos, sendo capaz de se ligar ao DNA das células", diz Flávio José da Silva Dantas. "Em ratos, porém, o estanho injetado na circulação sanguínea só causou lesões quando em altas concentrações. E as substâncias do kit não tiveram efeito nesses animais, nem em 24h nem em 48h", acrescenta José Carlos Pelielo de Mattos. Ambos coordenam o desenvolvimento das pesquisas do departamento, em conjunto com o professor Adriano.
Mas a equipe de pesquisadores não pára aí. No trabalho do estudante de graduação Paulo Thiago de Souza Santos, o agente físico pesquisado é a radiação ultravioleta A, componente da luz solar, em baixas taxas de doses, com diferentes cepas da bactéria Escherichia coli. Ou seja, nas mesmas condições a que o ser humano é submetido diariamente na exposição cotidiana à luz solar. "Por seus efeitos cancerígenos, este tipo de radiação tem sido muito estudada. Mas a maioria dos trabalhos se volta para as reações a altas doses de UVA. Por isso estudamos a situação real, que é a de baixas doses de radiação", diz.
Para testar a ocorrência de uma resposta adaptativa cruzada, os pesquisadores observaram duas amostras de células. Uma delas como controle e a outra submetida à radiação UVA durante o dia, e, no final de cada dia, a uma dose de radiação UVC. "Percebemos que a amostra pré-irradiada com UVA tornava-se mais resistente ao UVC do que a do controle. Foi como se a irradiação diária induzisse um mecanismo que ajudasse a reparar as lesões por UVC. O estudo mereceu menção honrosa ao ser apresentado num congresso de genética no ano passado. Agora, resta aos pesquisadores descobrir que gene, ou genes, está sendo induzido e expresso nesse fenômeno", fala.
"Testando a ação dos diferentes agentes, físicos e químicos, em conjunto e isoladamente, estamos tentando esclarecer os efeitos à medida que eles vão surgindo", anima-se o professor Adriano. E para isso, os recursos recebidos do programa da FAPERJ têm sido essenciais. "Como não têm uma rubrica específica, essas verbas têm podido ser usadas tanto para a compra de substâncias necessárias aos experimentos quanto para equipamentos. Essa facilidade tem nos permitido um maior rendimento no trabalho", finaliza.
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