Paula Guatimosim
As pesquisas buscam prever cenários futuros de disseminação, evolução, letalidade e resposta da vacina contra o Sars-Cov-2 (Arte: Mirian Dias) |
A Matemática está a serviço da Saúde, buscando definir cenários e prever o comportamento da Covid-19 e das pandemias futuras. Fundador do Laboratório de Dinâmica de Fluidos do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) em 1987, Dan Marchesin, que recebe apoio da FAPERJ para a realização de suas pesquisas por meio do programa Cientista do Nosso Estado, faz parte do grupo de pesquisa que se dedica a projetar o comportamento futuro da epidemia. Dessa forma, os pesquisadores esperam dar o suporte técnico-científico necessário para definir cenários futuros que garantam a melhor tomada de decisão e adoção de melhores estratégias para o enfrentamento da pandemia. Projeções que também servirão para a avaliação do impacto das medidas implementadas e o planejamento da sua suspensão paulatina, sem risco de a epidemia voltar a se agravar.
O grupo, liderado pelo doutor em Dinâmica Populacional de Doenças Infecciosas Claudio Struchiner, considera que o insuficiente conhecimento científico sobre o novo coronavírus, sua alta velocidade de disseminação e capacidade de provocar óbitos, especialmente em populações vulneráveis, geram incertezas quanto à escolha das melhores estratégias a serem utilizadas para o enfrentamento da epidemia em diferentes partes do mundo. Formado em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com mestrado em Matemática pelo Impa e doutorado em Epidemiologia na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, Struchiner e sua equipe vêm somar esforços já realizados por outras ferramentas e plataformas desenvolvidas por instituições como Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade de São Paulo (USP) e Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), entre outras, que visam fornecer as melhores informações sobre o impacto atual e futuro da epidemia no País, considerando diferentes cenários de transmissão.
Marchesin conta que após contato com alguns ex-alunos interessados em contribuir de alguma forma durante a pandemia, uma palestra online de Tiago Pereira, professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP em São Carlos, foi decisiva para esclarecer o impacto mundial do novo coronavírus. Pesquisador do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI), em março Pereira já contribuía com estudos sobre como prever doenças a partir da matemática e analisou o protocolo de distanciamento social junto a uma estratégia de isolamento de infectados. Totalmente motivado, o pesquisador do Impa imediatamente se prontificou a compor a equipe de estudos, coordenada por Claudio Struchiner.
Tiago Pereira (esq.) e Claudio Struchiner compõem o grupo que também estuda reinfecção e tempo de imunidade dos infectados (Fotos: ICMC/USP e Flaviano Quaresma) |
“Achei perfeito, porque o Claudio é especialista em epidemiologia com mestrado no Impa, e conseguiria unir a linguagem da Matemática aos objetivos da saúde”, diz Marchesin. Entre diversas frentes de trabalho, Struchiner vem conduzindo estudos de testagem em massa para saber o percentual da população já infectada pelo novo coronavírus e acompanhando famílias na comunidade da Maré a fim de verificar a existência de casos de reinfecção e estimar o tempo que infectados permanecem imunes, perguntas fundamentais para lidar com a Covid-19 no futuro. O grupo também está ansioso em relação à vacina. “Temos a expectativa de que os modelos desenvolvidos possam também guiar as estratégias de vacinação esperadas para um futuro próximo e simplificar os desenhos de ensaios vacinais de novos produtos”, esclarece o epidemiologista.
Dan Marchesin vem se dedicando à organização dos dados com vistas aos projetos de pesquisa em 2021, “algo analógico à previsão do tempo, aos aspectos do clima e à matemática da computação” esclarece. Segundo ele, será necessário criar uma rede de coleta de dados como as que já existem para a previsão do tempo. O pesquisador ressalta a importância das mudanças climáticas no aparecimento de epidemias e alerta para as consequências da ocupação de biomas importantes como o amazônico, que vem provocando desequilíbrio e o contato entre vírus e seus hospedeiros, entre eles o homem. “Diria que estou aprendendo como é essa nova área importantíssima, integrada a outra ainda maior, que é a biologia matemática”, diz o matemático.
Bolsista de produtividade nível 1ª do CNPq, sua principal linha de trabalho é em teoria qualitativa para leis de conservação, aplicados à modelagem de escoamentos em meios porosos, com uso em recuperação melhorada de petróleo. Orientou 21 teses de doutorado, é coordenador de eventos internacionais no Brasil e no exterior, revisor de várias revistas, e comendador. Sua preocupação com o meio ambiente o levou, nos últimos anos, a se dedicar à pesquisa e orientar a pós-graduação (ele orientou mais de 20 teses de doutorado) em Dinâmica dos Fluidos para Recuperação de Petróleo e Preservação do Meio Ambiente. Seu objeto de estudo há quatro décadas é solucionar a questão de como aumentar a eficiência da produção de petróleo e reduzir as emissões de CO2. Marchesin chegou a tentar cursar Biofísica, na PUC-Rio, mas problemas de saúde de seu coordenador o fizeram voltar aos estudos sobre o petróleo, um setor estratégico e de enorme potencial para o País e para o Estado do Rio de Janeiro.
Instigado pela forma como as coisas funcionam desde criança, Dan Marchesin acha a exploração de petróleo uma área bastante curiosa. Segundo ele, a maioria das pessoas acredita que o petróleo está numa cavidade, numa caverna ou numa espécie de piscina no subsolo. Mas, na verdade, explica o pesquisador, o petróleo está sempre impregnado numa rocha porosa. “Uma boa analogia é uma pedra-pomes, uma esponja-solo bastante porosa, impregnada de petróleo, invariavelmente de água e comumente de gás”, explica Marchesin. Segundo ele, apesar de toda a tecnologia disponível, a exploração de petróleo só consegue extrair de 20% a 30% do óleo disponível no campo.
Na opinião do pesquisador, a descoberta das reservas do Pré-sal foi uma grande conquista para o País, devido ao tipo de petróleo disponível nas jazidas. Segundo ele, um óleo com características fantásticas, de extrema leveza, que quase não demanda refino, basicamente pronto para ser consumido. Em sua opinião, outra vantagem desses poços é a camada de sal que cobre o reservatório, daí o nome Pré-sal. Ele lembra que o petróleo é fruto da decomposição de matéria orgânica ao longo de milhões de anos e que esse processo produz muito gás carbônico, um problema bastante sério nos dias atuais. “A humanidade vem queimando carbono na forma de carvão e petróleo há mais de 200 anos. Esse aumento crescente de gás carbônico na atmosfera vem provocando o efeito estufa, assunto que até pouco tempo era ignorado, mas que agora é uma emergência que está na pauta mundial”.
Para o matemático não há mais dúvida quanto ao aumento da temperatura média do planeta, tanto que o nível dos mares está subindo e as geleiras degelando. “Hoje, já podemos afirmar com absoluta certeza que o efeito estufa não é consequência, exclusivamente, do ciclo da natureza. O homem está contribuindo para isso. E se fecharmos os olhos para esse fenômeno e mantivermos os mesmos hábitos energéticos, chegaremos a um ponto impossível, colocando em riscos todas as cidades costeiras do mundo”, pondera o pesquisador, acrescentando que as mudanças climáticas vão gerar altos custos sociais.
Dan Marchesin alerta que, mantidos os atuais hábitos energéticos, todas as cidades costeiras do mundo estarão em risco (Foto: Paula Guatimosim) |
Voltando à exploração de petróleo e a consequente emissão de dióxido de carbônico, o pesquisador compartilha uma solução ambiciosa: a reinjeção do dióxido de carbono nos próprios campos de exploração. Ele conta que a técnica já foi feita sucesso na Noruega, que desde 1998 captura milhões de toneladas de CO2 e reinjeta em um aquífero de sal no Mar do Norte, a 220 quilômetros da costa. Mas, segundo Dan, isso foi possível porque o governo norueguês, atendendo aos anseios da sociedade, estabeleceu uma taxação tão elevada para as emissões de CO2 que inviabilizaria financeiramente a exploração de petróleo. Para o matemático, numa estimativa barata, o custo da injeção de CO2 deve girar em torno de 30% do valor gerado pelo Pré-sal, mas pesquisas ainda podem reduzir esse custo. O pesquisador ressalta que a reinjeção não é uma tecnologia barata, entretanto, o custo ambiental e social é muito maior. “Em minha opinião, o país que produz petróleo deve pagar o preço, fazer uma compensação ambiental. E há várias formas de se fazer isso”, afirma Dan. Ele pondera que como a sociedade não pode parar de consumir petróleo de forma abrupta, nem deixar de reconhecer os danos dos gases de efeito estufa, uma das alternativas é a reinjeção do CO2 nos campos de petróleo, especialmente no Pré-sal, pois a camada de sal manterá o gás seguro no reservatório.
O pesquisador considera que outra alternativa viável seria aumentar o plantio de árvores, já que a vegetação depende do dióxido de carbono para se desenvolver. Em sua opinião, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) pode, inclusive, trabalhar para aumentar a eficiência das plantas em absorverem CO2, como a cana de açúcar, por exemplo, que também pode gerar o álcool, um combustível alternativo. “Noto que algumas agências financiadoras, como a FAPERJ, estão à frente e, quando têm recursos, estão atentas ao que será melhor para o estado do Rio de Janeiro e para o Brasil, na forma de projetos temáticos”, avalia o pesquisador. “As mudanças climáticas podem aumentar as chances de novas epidemias e minha intenção, antes de me aposentar, é deixar essa área mais estabelecida no País”, afirma Marchesin.
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