Juliana Passos
Morte de médico recém-formado foi registrada em jornal em 19/08/1913. A biografia dele inspirou o livro mais recente de Alexandra (Foto: A Imprensa) |
Uma forma de conferir protagonismo e dar visibilidade às memórias, cultura e conhecimentos de pessoas escravizadas. É assim que Alexandra Lima da Silva, professora e pesquisadora no Departamento de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), entende seu trabalho com (auto) biografias daqueles que foram submetidos à escravidão em diversos países. E também como forma de colaborar com novos olhares para a historiografia registrada em livros didáticos, que muitas vezes reduzem essas pessoas à condição de vítima em registros homogêneos ou de forma romântica, como Alexandra trata o tema em sua tese de doutorado. "Os escravizados não eram folhas em branco, mentes vazias sem ideias ou conhecimentos, porém mulheres e homens complexos, dotados de experiências, culturas, memórias, saberes e sentimentos", escreveu em artigo publicado na revista História Hoje em 2019. A pesquisadora conta com recursos do programa Jovem Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ, para realizar esta pesquisa.
Com material reunido, em sua maioria, no Brasil e nos Estados Unidos, a historiadora comenta que os relatos autobiográficos encontrados por aqui estão principalmente em documentos oficiais, como cartas, petições, testamentos, certidões de óbito. Já nos EUA, onde passou o ano de 2019, período em que realizou pós-doutorado naquele país, há muitos livros de memórias escritos em primeira pessoa. "Consegui reunir muitos relatos durante minha estadia na Universidade de Illinois, enquanto no Brasil a dificuldade é muito maior para encontrar esses documentos", diz. Entre as autobiografias norte-americanas mais famosas estão as dos intelectuais Frederick Douglass e Booker Washington.
No mês de novembro, Alexandra foi contemplada igualmente no Programa de Apoio à Editoração, também da FAPERJ, que permitirá o lançamento, no correr de 2021, do livro "Flores de ébano: escrita de si como prática de liberdade". Autora de dois livros de literatura infantil e infanto-juvenil, a historiadora acredita que esta é uma forma de contribuir para que as histórias dos negros no Brasil e promover uma identificação dos leitores. "Sou uma leitora voraz desde criança, mas não encontrei muita representação pessoal e, na prática, como docente, encontrei pouca coisa voltada para o público adolescente", conta.
Em seu livro mais recente voltado para o público juvenil, "As rosas que o vento leva" (Kitabu Editora, 120 pág.) publicado em novembro, ela se inspira na vida da família do médico Israel Soares Júnior no livro. A obra acompanha a família ao longo dos séculos, da abolição da escravidão no Brasil aos dias atuais. De família abolicionista, Israel conseguiu se formar em medicina com o apoio da família e da comununidade negra do Rio de Janeiro. Sua morte logo após a formatura, em 1913, gerou grande comoção na imprensa e esses registros possibilitaram a reconstrução de sua biografia.
Alexandra Lima da Silva e o livro de sua autoria e que a pesquisadora gostaria de ver adotado pelas escolas (Fotos: Arquivo pessoal) |
Outro foco da pesquisa é ressaltadar o papel das mulheres enquanto protagonistas de sua própria história e a busca de muitas delas pela educação como forma de melhoria das condições de vida. Alguns desses indícios foram encontrados em pesquisa em documentos realizada na Biblioteca Nacional. "Entre esses documentos estão uma carta da escrava de nome Paula da Cunha Conceição ao imperador, pedindo para ser recolhida ao Convento da Ajuda, com outra escrava, Felipa, de onde foram expulsas, sem motivos, pela abadessa. E ainda, o requerimento de Mathilde Lauriana, que, em 9 de setembro de 1821, no Rio de Janeiro, assinou de próprio punho o requerimento enviado ao Ministério do Império para embargar a venda de sua filha", escreve em outro artigo, publicado Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica em 2019.
Além dos relatos de pessoas nascidas livres e depois escravizadas, como daqueles que nasceram cativos, existirem em grande número nos Estados Unidos, a historiadora também destaca documentos de Cuba e de países da região das Antilhas. "A maioria está em inglês e espanhol, mas há um esforço recente de traduzi-las para o português, e discutirei isso no livro que será lançado no próximo ano", diz. No Brasil, apesar de os registros estarem concentrados em documentos oficiais, há algumas obras importantes que reúnem entrevistas, como é o caso de "Depoimento de escravos brasileiros" (Edit. Ícone), de Mario José Maestri Filho, publicado em 1988. Outro trabalho importante é o do viajante Francis de Castelnau, que a serviço do governo francês, realizou, no século XIX, uma série de entrevistas com africanos na Bahia durante expedições à América do Sul, posteriormente publicadas em vários volumes.
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