Paul Jürgens
Uma pesquisa coordenada pelo professor Pierre Mothé Esteves, do Instituto de Química da UFRJ (IQ/UFRJ), pode abalar os pilares de uma importante vertente da química. Conduzida pelo Interlab, laboratório criado pelo pesquisador dentro do IQ/UFRJ, a pesquisa – que tem o apoio da FAPERJ por meio do programa Primeiros Projetos – investiga a função da transferência de elétrons nas reações químicas. “Estamos balançando a estrutura de um segmento da química. O elétron é como um parafuso que segura as vigas de uma edificação. Se você tirar o parafuso, você muda completamente a configuração da matéria e, por extensão, de todos os materiais”, diz Esteves.
Se comprovada a tese do pesquisador e de seu grupo, que reúne 15 pessoas no Interlab, uma expressiva parte da química orgânica ensinada nas escolas e universidades terá de ser revista. “O livro que serve de base para o ensino de química orgânica nas escolas e universidades é baseado numa publicação dos anos 50 do inglês Christopher Ingold”, explica o pesquisador. “Se provarmos o fundamento de nosso modelo, haverá uma mudança geral de paradigma em química orgânica e, por que não dizer, na química como um todo”, acrescenta Esteves.
Segundo o pesquisador, a eventual aceitação do novo modelo teria desdobramentos importantes também em outras áreas da ciência, como na biologia – com a revisão as teorias relativas à fotossíntese – e na física. Nesta, a parte dos estudos que tocam, entre outros, os circuitos eletrônicos e a nanotecnologia seria igualmente afetada. “Meu interesse científico, no entanto, é a energia, em seu aspecto mais genérico. Desde a geração de eletricidade, daí o interesse por transferência de elétrons, até o aproveitamento de recursos naturais para energia, como gás natural”, afirma o pesquisador.
Do ponto de vista prático, as pesquisas de Esteves e seu grupo podem resultar numa ampla mudança na concepção e o desenvolvimento de novos processos químicos, que os tornariam não só mais baratos, como também menos agressivos e mais acessíveis. “A fabricação de plásticos, por exemplo, feita pelo processo de polimerização, está ligada ao conceito que ora investigamos sobre as causas da reatividade de elétrons. Assim, é possível que os resultados da pesquisa ajudem a diminuir os custos da produção de plásticos”, diz Esteves.
Outro exemplo de área em que as pesquisas podem provocar mudanças significativas é a de fármacos – área tida como estratégica pelos países desenvolvidos e que movimenta um dos mercados de produtos mais atraentes financeiramente. “Uma pesquisa recente sobre os mecanismos de evolução do câncer citou nosso trabalho, o que comprova a extensão da pesquisa”, lembra o professor-adjunto da UFRJ.
Carioca da Penha, Esteves conta com colaboradores de peso em sua pesquisa. O mais importante deles é seguramente o químico George A. Olah, prêmio Nobel em 1994, e que acaba de ganhar a Priesley Medal – uma das principais condecorações do meio acadêmico nos Estados Unidos. Nascido na Hungria e radicado nos Estados Unidos, Olah foi, juntamente com o G. K. Surya Prakash, orientador de pós-doutorado de Esteves na University of Southern California,
“Cientistas devem ter compromisso com o desenvolvimento do país”
Aos 33 anos, Esteves tem um currículo excepcional para um pesquisador de sua idade. Aluno do curso de graduação no IQ/UFRJ, ao término deste ingressou diretamente no doutorado na mesma universidade. Antes de defender a tese, no entanto, passou seis meses na universidade francesa de Estrasburgo, na fronteira com a Alemanha. De volta ao Brasil, defendeu a tese e voltou a ter apoio do governo do estado, por meio do programa da FAPERJ Cientista Jovem do Nosso Estado. “O apoio da Fundação tem sido fundamental para o desenvolvimento do trabalho que fazemos na universidade. Sem ele, dificilmente teríamos tido condições consolidar o atual grupo de pesquisa do Interlab”, diz.
O apoio da instituição, segundo Esteves, foi decisivo também para manter o pesquisador em solo brasileiro. “Quando terminei o pós-doutorado,
“Estamos conseguindo fazer ciência de boa qualidade, e que não deixa a desejar em relação àquela feita em outros países”, diz Esteves. “Lá fora, embora haja pesquisadores trabalhando com o mesmo assunto em países ricos, como os Estados Unidos, estamos conseguindo manter o mesmo nível de competitividade mesmo sem dispor dos mesmos recursos financeiros e da infra-estrutura.”
O pesquisador defende uma mudança na avaliação de produtividade, hoje baseada na contabilidade de artigos publicados. “Mais importante que a quantidade de trabalhos publicados é saber quantos empregos você cria com sua ciência; ou que riquezas você pode trazer para o seu povo”, afirma. Para melhor ilustrar sua posição, Esteves cita uma declaração do ilustre pesquisador francês Louis Pasteur, autor de descobertas importantes como a da vacina anti-rábica: “Não existe ciência aplicada; o que existe são aplicações da ciência”.
Desde a fundação do Interlab por Esteves, em 2002, dez artigos já foram publicados em revistas de prestígio no meio científico. Ao longo de sua ainda curta – porém premiada – trajetória pelas ciências, ele já assinou mais de trinta artigos. O próximo já está “no forno” e, em breve, deverá ser submetido ao JACS. “Até agora não tomamos nenhuma bola nas costas de estrangeiros. Estamos disputando cabeça a cabeça com as pesquisas que abordam o mesmo assunto em outros países”, diz. Se depender da chancela e do apoio do nobel Olah, Esteves pode trabalhar sossegado: na página web em que resume sua carreira recente, o artigo publicado em colaboração com o do pesquisador brasileiro aparece em meio a apenas uma dúzia de artigos selecionados pelo química americano – autor que ao longo do tempo já publicou mais de mil artigos.
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