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Publicado em: 16/06/2005
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Em busca da base biológica da linguagem humana

Enquanto João desfiava a pia, o leão matava o vento. Já Denise refogava histórias para Paula, que mordia as roupas.

 

Não, não adianta ler de novo, você não leu errado. A idéia era provocar tropeços mesmo.

 

Descobrir o que acontece no cérebro quando lemos sentenças com este tipo de incongruência é um dos objetivos da lingüista Miriam Lemle no seu projeto “Aspectos Neurofisiológicos da Linguagem”, apoiado pela FAPERJ através do edital Cientistas do Nosso Estado.

 

Para comprovar a teoria de que a linguagem tem uma base biológica, a professora, que lidera a equipe do Laboratório de Computações Lingüísticas, Psicolingüística e Neurofisiologia (Clipsen) do Departamento de Lingüística da UFRJ, pesquisa em voluntários a relação entre os estímulos lingüísticos e as reações bioelétricas no córtex cerebral, utilizando uma tecnologia denominada Extração de Potenciais Elétricos Relacionados a Eventos (ERP). A pesquisa é feita em cooperação com a área de Engenharia Biomédica da COPPE/UFRJ - uma característica inovadora.

      

Voluntários da pesquisaDiante de um computador conectado a um aparelho eletroencefalógrafo digital (EEG) e com eletrodos fixados em seu couro cabeludo, voluntários têm suas ondas elétricas cerebrais monitoradas enquanto executam tarefas como decidir se a frase que estão lendo na tela é congruente ou não. Segundo a pesquisadora, a captura da atividade elétrica cerebral por eletroencefalograma é um ótimo método de pesquisa porque oferece grande precisão temporal. “Os impulsos elétricos no cérebro podem ser detectados quase instantaneamente no couro cabeludo, através do osso craniano”, explica.

 

Quando sentenças incongruentes como as que deram início a esta reportagem são apresentadas aos voluntários, o aparelho registra ondas diferentes segundo o tipo de estrutura e de incongruência. Se o objeto direto (no caso acima, ‘a pia’, ‘o vento’, ‘histórias’ e ‘as roupas’) é incongruente em relação ao verbo (respectivamente, ‘desfiava’, ‘matava’, ‘refogava’ e ‘mordia’), a amplitude da onda é significativamente maior do que quando o objeto direto é congruente. “Este achado é clássico, já foi replicado por muitos pesquisadores em muitas línguas, mas nossos projetos estão indo além, pois estamos estudando estruturas sintáticas ainda inexploradas”, diz a lingüista.

 

Um exemplo de ineditismo é a investigação da concatenação do sujeito. “Testamos estímulos como ‘A cadeira chutou a bola’ comparativamente a ‘O menino chutou a bola’ e percebemos que a concatenação do sujeito é posterior à do objeto direto da frase, ou seja, a derivação da construção sintática se dá inversamente à ordem linear das palavras, o que demonstra que o processamento se dá a partir das camadas mais internas da sintaxe para as mais externas ”.

 

O Laboratório Clipsen da UFRJ também está estudando os mecanismos pelos quais as representações do léxico se ativam na mente. Miriam Lemle ensina que existe sintaxe no interior das palavras, e o processamento delas, assim como o das sentenças, segue uma derivação sintática. “A sintaxe penetra até o interior das palavras, ou seja, elas são formadas dinamicamente  a partir da concatenação de pequenos pedaços, que são depois remetidos para dois outros módulos cerebrais: um ‘interpretador’ fonológico e outro semântico”, explica. Ela dá como exemplo a palavra “globalização”: dentro dela, existe o verbo “globalizar”, que por sua vez tem dentro dele o adjetivo “global”, o qual contém dentro o substantivo “globo”.

 

Outro estudo em curso buscará capturar os efeitos neurofisiológicos dos encaixes de palavras dentro de palavras. Para entender como esse encaixe se processa no cérebro, apresenta-se numa tela de computador primeiro a palavra “globo” e logo depois a palavra “globalizar”. Como a palavra "globo" está contida em "globalizar", "globalizar" vai ser lida muito mais rapidamente do que se a palavra dada antes fosse “gloria” ou “lobo”. “Também estamos montando um experimento para comparar as ondas elétricas decorrentes de outras relações entre palavras, além da relação morfológica – como ‘globo/globalizar’. Vamos pesquisar relações fonológicas como ‘elefante’ e ‘elegante’, ou conceituais, como ‘nuvem’ e ‘chuva’. A nossa hipótese é a de que o facilitador mais forte para o processamento da segunda palavra do par será o fator morfológico”, diz.

 

Todas as pesquisas realizadas no âmbito do Laboratório Clipsen são baseadas nos conceitos da gramática gerativa, inaugurada há cinqüenta anos pelo lingüista americano Noam Chomsky. A professora explica que a gramática gerativa é uma maneira biolingüistica de abordar a capacidade da linguagem humana. “Sem um substrato orgânico muito poderoso, geneticamente alicerçado, não poderíamos criar, pelas vias da cultura, um mecanismo como as línguas humanas, que nos permite relacionar pensamentos com cadeias de sons da fala”, afirma.

 

A lingüista se surpreende com "a predominância quase absoluta da crença de que conhecimento de linguagem é uma questão de Letras, Artes e Sociologia”.  Ela lamenta que a conseqüência mais evidente disso seja a própria inserção da Lingüística no setor de Ciências Humanas dos catálogos de Áreas de Conhecimento das agências de fomento em geral, e alerta que esta mentalidade coloca uma questão séria para a construção de uma identidade científica para a lingüística como área indispensável para a comunidade de neurociência no Brasil.

 

Independentemente da classificação por área, a lingüista reconhece e aplaude que as agências de fomento estejam valorizando as pesquisas lingüísticas de cunho gerativista na área de cognição. Além do apoio da FAPERJ, o Laboratório Clipsen também recebeu apoio dos Editais Universais de 2003 e 2005 do CNPq.

 

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