Vinicius Zepeda
No ano de 2003, o historiador da UFRJ Marcos Luiz Bretas, há anos trabalhando com arquivos da polícia, resolveu pesquisar o material da censura do início do século passado e se surpreendeu com o achado: duas mil peças teatrais censuradas nos anos 20 – período em que o país vivia uma democracia, ainda que restrita às famílias ricas dos barões do café do eixo Rio-São Paulo-Minas. Bretas leu alguns textos do estilo conhecido como teatro de revista – gênero recheado de humor sobre o cotidiano e os tipos sociais da época, com trocadilhos e metáforas sexuais, muita música e as chamadas vedetes atrizes/cantoras dançando com pernas de fora. Sucesso absoluto de público, o gênero teatral era, entretanto, considerado pela elite com má influência para a formação da cultura nacional. O assunto virou tema da pesquisa ‘O teatro e a cidade no Rio de Janeiro dos anos 20’, que tem o apoio do programa Primeiros Projetos da FAPERJ para o biênio 2004/2006.
Os principais autores do teatro de revista foram os cariocas Cardozo de Menezes e Carlos Bittencourt, que tiveram enorme sucesso junto ao público com peças como O Gato, Baeta e Carapicú (nome das três sociedades carnavalescas da época), Agüenta Felipe, Quem é bom já nasce feito, O Pé de anjo, entre outras.
De acordo com Marcos Bretas, no início do século 20, a belle époque carioca, a cidade vivia uma expansão da vida social no espaço público. Na época, a elite cultural brasileira ansiava por uma modernidade vinda da Europa, ao mesmo tempo em que buscava criar uma identidade cultural brasileira que pudesse ser comparada à de seus ídolos parisienses. “Nesse sentido, buscava-se através da polícia e do Conservatório Dramático delimitar qual teatro deveria ser incentivado para a formação da boa arte brasileira e qual prejudicaria a formação da nacionalidade. Em conseqüência, a censura era tanto de qualidade como de conteúdo”, lembra.
A maneira como a censura era feita chamou a atenção do historiador. “O trabalho censório proibia comentários de duplo sentido e alusões vulgares, buscando com isso, construir uma sensibilidade no público. Isto era facilmente demonstrado no momento em que o controle se dava sobre a maneira da atuar dos atores”, explica. ”Quando uma das atrizes tinha que cantar uma música em que se dizia que uma cabritinha gostava de dar pulinhos fazendo “mé”, a cena era liberada pelo censor dependendo da entonação que a atriz desse”, acrescenta.
O debate sobre entre cultura popular e cultura erudita é uma das discussões que permeiam o projeto de Bretas. Segundo o pesquisador, o nome ‘teatro de revista’ ocorre justamente pela contemporaneidade que aquele gênero trazia. “Os tipos urbanos como o mulato, os barões, o malandro carioca, entre outros, e os elementos da modernidade como os telefones e os bondes, eram abordados nas peças. É surpreendente como o gênero estava tão próximo do cotidiano dos anos 20 e tão esquecido hoje em dia”, explica. “Esse teatro sofria forte influência da produção teatral portuguesa que fazia enorme sucesso junto à colônia de imigrantes. Havia regras artesanais bastante rígidas, para não desagradar a um público que sabia o que esperar do seu lazer. Mas não havia nenhuma pretensão psicológica – algo que não foi perdoado pelos críticos e pela historiografia do teatro brasileiro”, acrescenta.
Para o historiador, é extremamente importante o resgate da memória de um gênero quase esquecido que influenciou atores que, embora respeitados nos dias de hoje, são representantes de uma linha de atuação em extinção na dramaturgia moderna. “Hoje não vemos mais atrizes especializadas num papel específico e com a capacidade de improvisação como Henriqueta Brieba e Dercy Gonçalves, vedetes daquele teatro e que depois foram para a televisão”, afirma.
Outra influência do teatro de revista foram as chanchadas do cinema produzido pela companhia cinematográfica Atlântida. “Estreladas por atores consagrados como Grande Othelo, Oscarito e Jorge Dória, entre outros, também foram sucesso de público e a crítica não via com bons olhos”, observa.
Bretas acrescenta ainda que a história do teatro brasileiro vem ignorando os anos 20. “O teatro de revista nos dias de hoje praticamente morreu. Uma vez ou outra alguém faz uma homenagem. A história oficial do teatro brasileiro que conhecemos só começa nos anos 40, quando Ziembinsky montou Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues.”
A pesquisa ‘O Teatro e a Cidade no Rio de Janeiro dos Anos 20’ está já na fase final de produção. Depois de quase dois anos lendo as duas mil peças e reunindo material, um artigo sobre o tema foi apresentado no Colóquio Internacional de História Cultural, realizado nos dias 2 e 3 de setembro de 2004 em Buenos Aires, Argentina. O material fará parte de uma série de artigos que serão publicados ainda esse ano em conjunto com pesquisadores argentinos.
Para Marcos Bretas, o auxílio da FAPERJ foi fundamental para sua pesquisa. “Como trabalho há muito tempo com a polícia e crimes, nessa área não tenho dificuldade de conseguir auxílio. Mas quando falei que queria fazer uma pesquisa sobre teatro, muitos estranharam. Foi então que submeti o projeto e consegui o auxílio”, explica. “É bom mudarmos de ares e não viramos monotemáticos”, acrescenta o pesquisador, que também é ligado à FAPERJ por meio do projeto Rio de Janeiro em Mapas.
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