Vilma Homero
Em tempos de crescente preocupação com a poluição ambiental, um aliado pode vir do mar. Um tipo de alga, abundante nas costas brasileiras, está sendo testado com sucesso pelo pesquisador Antonio Carlos Augusto da Costa, da Uerj, no tratamento de material contaminado por metais pesados. Devido à sua constituição química, a Sargassum filipendula – chamada de sargaço – tem mostrado boa capacidade de absorção, adaptando-se até ao processamento de resíduos radioativos. A alternativa também é vantajosa economicamente, uma vez que o custo de um quilo de sargaço chega no máximo a R$ 2, bem mais barato que o material utilizado hoje.
O estudo foi contemplado pelo programa Primeiros Projetos, da FAPERJ, e conta com recursos do CNPq. “Estudamos vários tipos de algas com capacidade de acumular efluentes tóxicos”, conta Antonio Carlos, que desde sua tese de doutoramento, em 1997, vem pesquisando o assunto. Depois de testar algas verdes, vermelhas e marrons, percebeu que estas últimas são as que mais se adaptam ao projeto. “O principal componente dessa Sargassum é o alginato, cuja característica é ter vários grupamentos negativos que atraem metais. Isso acontece porque, dissolvidos em água, ou seja, presentes em efluentes industriais, esses metais se tornam positivos”, explica.
Animado com o projeto, que, em fase final, busca soluções para possíveis problemas na aplicação real dessa tecnologia, o professor Antonio Carlos já está dando andamento a um primeiro desdobramento de sua pesquisa: o tratamento de rejeitos contaminados com resíduos radioativos. “Esta é a tese de mestrado de Marta Cristina Picardo, que a está desenvolvendo sob minha orientação e da professora Ana Cristina de Melo Ferreira, do Instituto de Radioproteção e Dosimetria, da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN)”, disse.
“Até então, vínhamos testando o sargaço em materiais mais comuns, como cádmio, manganês e cobre. Agora, estamos pesquisando o tório, que além de metal pesado é radioativo”, diz. Os resultados têm sido semelhantes aos obtidos anteriormente. “Não sabíamos o que podia acontecer. Mas como a alga já está morta, não sofre os efeitos da radiação e por isso tem igual desempenho e absorve bem os rejeitos tóxicos”, explicou o professor. Como aplicação prática imediata, o sargaço poderia substituir o material atualmente usado para análise de amostras de água, solo e plantas coletadas no entorno de usinas nucleares, e também para o tratamento do resíduos radioativos do próprio Instituto de Radioproteção e Dosimetria.
A aplicação da alga também se volta para o uso na indústria de petróleo, na galvanoplastia, em fábricas de tintas e em qualquer outro tipo de planta industrial cujos resíduos contenham metais pesados, como chumbo, mercúrio e cobre. Hoje, para tratar este tipo de efluentes, as empresas são inteiramente dependentes da resina importada, que tem um custo de R$ 1.300 por quilo. Preço significativamente mais alto que os R$ 2 por quilo de alga.
Abundante no Nordeste e no litoral fluminense, a Sargassum filipendula pode ser encontrada em Sepetiba e por toda a Costa Verde, nas praias de Angra dos Reis, Parati e Ilha Grande. Seu uso está longe de provocar qualquer tipo de impacto ambiental. “A alga que chega às praias, na verdade, é parte da planta que nasceu nas profundezas do mar, cresceu e, por qualquer motivo, se desprendeu, chegando já morta à areia”, explica o pesquisador. Além de causarem má impressão aos banhistas quando aparecem boiando nas águas, sob a ação do sol, elas apodrecem na beira da praia e costumam causar mau cheiro. “Sua utilização como matéria-prima, portanto, além de criar uma alternativa de renda para catadores, ainda seria uma forma de limpeza da areia”, diz o pesquisador.
Todo o processo, por sinal, é de enorme simplicidade e baixo custo. A alga, adquirida in natura, é lavada no laboratório, isso é feito manualmente, já que a quantidade é pequena , para retirar-se areia e sujeira, e posta a secar. “A secagem pode ser feita ao sol ou em estufa, a temperaturas entre 50 e 60, durante 24h”, explica. Uma vez seco, o sargaço, agora transformado em biomassa, é colocado em tubos acrílicos transparentes, ligados a uma bomba de alimentação, que, por sua vez, está ligada ao recipiente com o material tóxico a ser tratado. Quando a bomba é ligada, o material tóxico entra no reator tubular, atraído pela biomassa.
Em seguida o material passa por uma espécie de filtragem. “O que vai subindo à superfície do tubo é o material já tratado, enquanto os resíduos metálicos ficam presos à biomassa”, diz o professor Antonio Carlos. Quando a biomassa fica saturada, chega a hora de submetê-la ao tratamento oposto: um banho numa solução de ácido mineral serve para separar os metais captados. “Outra vantagem a ser considerada é que se consegue reduzir de forma significativa a quantidade do material contaminado que precisará ser estocado. E o que resulta dessa redução, dependendo do tipo de metal, pode até ser reciclado”, prossegue o pesquisador. O que seria o caso do alumínio, cobre, ouro, prata e platina, usados em laboratórios de análises clínicas, de fotografia e de revelação de raios X, que, em geral, trabalham com prata.
Essa redução é mesmo significativa. “Depois de passar pelo processamento com biomassa, cada 100 litros de solução com resíduos metálicos se transformam em 200ml. Ou seja, 0,2 litros”, entusiasma-se o professor. O que também pode ser visto de outra forma: cada grama de sargaço é capaz de absorver de 60 a 80mg de metal, o que é considerada uma boa performance. Especialmente se comparada à resina de troca iônica, que absorve de 40 a 50mg de metal por grama. “Mesmo se pensarmos que a resina pode ser reutilizada inúmeras vezes, enquanto o sargaço tem vida útil de três a quatro vezes de uso, a diferença de preço ainda compensa”, compara Antonio Carlos.
Sem contar que a instalação do equipamento também tem custo praticamente nulo. “Na indústria, as mesmas instalações que hoje são usadas para a resina podem vir a ser utilizadas para a biomassa. Seria o caso apenas de uma troca de matéria-prima”, conclui o professor.
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