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Publicado em: 15/08/2002
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Com terra, sem sonho

Marcos Patricio

Ao contrário do que muitos possam imaginar, o modelo coletivo de produção agrícola não é a única referência para os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). As famílias assentadas na comunidade de Zumbi dos Palmares, criada nas terras da antiga Usina João, em Campos, no norte fluminense, abandonaram o ideal coletivista e optaram, em 1998, por um modelo tradicionalmente capitalista, baseado em lotes rurais de propriedade familiar.

A transformação do modelo de produção foi um dos fatores destacados no estudo Uma nova abordagem da questão da terra no Brasil: o caso do MST em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro. O trabalho, desenvolvido pela cientista social Helena Lewin, entre abril de 1997 e junho de 2001, foi o vencedor da primeira edição do Prêmio Celso Furtado de Desenvolvimento Social, promovido pela FAPERJ. Em sua pesquisa, a socióloga fez uma análise social, política e econômica da nova comunidade que viu nascer na periferia de Campos, inserindo-a no atual cenário histórico da decadente economia açucareira regional e suas implicações sobre os crescentes níveis de desemprego e migrações para o espaço urbano.

Na avaliação de Helena Lewin, Professora Visitante do Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), alguns fatores ajudam a entender a escolha do modelo individualizado de produção pelos sem terra. “O receio de experimentar o modelo cooperado-coletivista com indivíduos  até então desconhecidos criou a síndrome da 'desconfiança antecipada' sobre o sucesso desse tipo de associação”, explica a pesquisadora, que defendeu tese sobre políticas agrárias em seu doutorado em Sociologia, na Universidade de São Paulo (USP).

"Outro fator refere-se à tradição cultural brasileira, que privilegia a casa própria, o pedaço de terra ou o lote próprio como um valor de alta pontuação. A unidade de produção familiar reforça e reitera essa tradição. E, finalmente, a complexidade de uma produção coletiva parecia estar além do horizonte de percepção imediata destes assentados", afirma.

Simpatia pela direita

A opção pela agricultura familiar foi tomada em consenso pelos trabalhadores, em 1998, com a anuência e orientação da equipe de assistência técnica do projeto e da liderança do MST. Naquele período, as famílias passavam por um momento angustiante. "Apesar de não terem enfrentado resistência física dos antigos proprietários da Usina no ato da ocupação, elas ainda não sabiam se de fato receberiam o título legal de posse de seus lotes, o que só aconteceu um ano depois”, recorda Helena Lewin, que fez cinco visitas, cada uma de dez dias, ao assentamento. A primeira delas, alguns dias depois da invasão, a primeira do MST em solo fluminense.

Outro fator registrado mais recentemente pela socióloga, em 2001, foi o processo de cooptação política dos dirigentes das associações de moradores do assentamento realizada pelos partidos locais de base conservadora e de direita. O que, à primeira vista, não deixa de ser um fato inusitado em se tratando de uma comunidade nascida sob as lonas pretas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

O modo de recrutamento utilizado pelo MST e a origem das famílias assentadas ajudam a entender o arco-íris partidário encontrado pela socióloga Helena Lewin. Segundo ela, os trabalhadores do campo sem terra, e com afinidade com os ideais do MST, não constituiam maioria entre o contingente que ocupou a Fazenda São Jerônimo pertencente à Usina São João, posteriormente rebatizada de Zumbi dos Palmares. O grupo era formado, em sua maior parte, por desempregados rurais e urbanos e, entre eles, principalmente os bóias-frias que viviam nas áreas carentes de Campos. Cortadores de cana sem trabalho desde o fechamento, com o fim do Pró-álcool, de 12 das 18 usinas de produção de açúcar e álcool que existiam no município.

Análise positiva

Em seu trabalho, Helena Lewin fez uma ampla análise das transformações ocorridas no assentamento de Campos, apontando os prós e as dificuldades do processo. De uma forma geral, a avaliação é positiva. A socióloga mostra que o assentamento pode ser um bom exemplo para o desenvolvimento regional. Sobretudo, se contar com a parceria do poder público. Em Campos, por exemplo, Governo do Estado implementou uma política de estímulo, que incluía a garantia de preço mínimo, linha de crédito e a possibilidade de pagar os financiamentos com o próprio produto. Na área social, a socióloga destaca a inserção social obtida com conquista da terra. “A obtenção do título de posse deu àquelas famílias a cidadania econômica que tanto precisavam”, afirma.

Entre os fatores negativos, foi citada a frustração de não ver realizado o sonho de uma nova educação, diferente e alternativa à institucionalizada pelas secretarias de educação para os filhos dos lavradores, além da não criação de uma cooperativa que poderia negociar melhores preços na compra de insumos e para a venda da produção. Organizados, eles poderiam, por exemplo, fabricar doces, colocando no mercado produtos de maior valor agregado, segundo avaliação de Helena Lewin. Os lavradores optaram pela chamada agricultura de “mesa e sobremesa”, plantando verduras e legumes para o mercado local e frutas como abacaxi, coco, banana e maracujá para serem vendidas à indústria de doces e sucos.

Toda essa radiografia dos primeiros cinco anos da Comunidade de Zumbi dos Palmares, feita por Helena Lewin em companhia de seus alunos do curso de graduação em Ciências Sociais da Uerj, vai virar livro. O trabalho será lançado pelo Programa de Editoração da FAPERJ como parte do Prêmio Celso Furtado de Desenvolvimento Regional.

Leia mais:

                 Sonho de educação alternativa foi demolido junto com a escola

                 Proposta era acompanhar as transformações da comunidade

                 Estímulo ao desenvolvimento regional

Exposição no Museu Nacional mostra cotidiano dos sem terra 

 

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