Vinicius Zepeda
Acervo Nossa Sra. do Rosário dos Pretos |
Santa Efigênia: difusão de seu culto serviu para controlar os negros no século XVIII |
Oliveira tem se dedicado aos estudos sobre religiosidade no Brasil colonial desde os tempos do mestrado. O assunto foi também tema de sua tese de doutorado, contou com o apoio da FAPERJ e deu origem ao livro Devoção negra – santos pretos e catequese no Brasil colonial, já disponível nas livrarias. Em suas páginas, ele conta que o processo de catequese de escravos e libertos desenvolvido no país pelos frades da congregação religiosa Ordem de Nossa Senhora do Carmo se dava por meio da difusão da história e do culto aos santos negros Santa Efigênia e São Elesbão, e ultrapassou os limites do Rio de Janeiro, chegando também às cidades mineiras de Mariana e Villa Rica (atual Ouro Preto).
"Numa sociedade em que o status social se refletia na distância estabelecida pelo trabalho, era essencial garantir o controle político e ideológico sobre o segmento da população que era essencial para o funcionamento da economia local, mas que também era o que mais crescia numericamente", explica Oliveira. O historiador destaca o papel da Igreja na construção dos modelos de santos a serem apresentados para a população.
Acervo do autor |
Segundo carmelitas, São Elesbão estendeu o reino cristão da Etiópia ao Mar Vermelho |
Outro exemplo, segundo ele, foi citado pelo antropólogo Luiz Mott, da Universidade Federal da Bahia (UFB). "Ele fala sobre a quase chegada de Rosa Egipcíaca ao altar no século XVIII", lembra. Segundo Mott, que se baseia no processo de Inquisição para desvendar a vida de Rosa, ela havia sido escrava em Minas Gerais e convertida ao catolicismo. "Na época, alguns religiosos tentaram colocá-la como modelo de santidade para facilitar a conversão dos negros. Entretanto, num dado momento, o poder de suas visões se tornou incontrolável, segundo a ótica da Igreja, e ela acabou condenada pelo tribunal da Inquisição", afirma. E explica: "A Igreja procura controlar os fenômenos para que eles não fujam de sua ortodoxia. No caso de Rosa, a partir de um dado momento, esse controle acabou sendo perdido", explica.
Sincretismo religioso não era dissimulação de escravos para agradar senhores
O relato da vida de São Elesbão segue a mesma trajetória de Santa Efigênia. Natural da Etiópia, ele foi o 47 neto do rei Salomão e da rainha de Sabá, imperador no século VI, que mais tarde se torna cristão. "Foi creditada a Elesbão a extensão do reino cristão da Etiópia até o lado oposto do Mar Vermelho, impondo-se aos árabes e aos judeus do Iêmen", fala o historiador. Porém, o fato é que o culto à Santa Efigênia ganhou maior força junto aos negros na época. "Nas culturas africanas, a figura feminina tem um papel importantíssimo, o que explica a maior adoração e um culto mais difundido da figura de Santa Efigênia", esclarece o historiador.
Vinicius Zepeda |
Oliveira: " sincretismo não foi uma dissimulação dos negros" |
Outro exemplo da combinação dos elementos da cultura africana com a do colonizador europeu corresponde às feições de São Elesbão descritas pelos religiosos da época. Segundo eles, o santo deveria ser pintado ou esculpido da seguinte forma: "preto na cor do rosto e das mãos, que são as partes do corpo que lhe divisam nuas; cabelo revolto, à semelhança daquele com que se ornam as cabeças dos homens de sua cor; as feições parecidas às dos europeus, nariz afilado, forma gentil, idade de varão, cercilho de religioso, coroa de sacerdote, hábito de carmelita."
O historiador discorda da visão de que o sincretismo tenha sido uma dissimulação dos escravos para agradar seus senhores. "Pelo que posso perceber, as duas práticas convivem juntas e o praticante tem a noção de venerar tanto seu santo de origem quanto o imposto pelo colonizador. Quem vê conflito é a Igreja Católica, para o fiel não há este problema", afirma. Anderson Oliveira lembra ainda que, no século XVIII, o catolicismo era a religião oficial da Colônia. "Neste ponto, o projeto idealizado por frei Santana não foi completamente vitorioso. O culto aos dois santos foi bastante difundido, mas a vivência de seus devotos negros, na verdade, se dava sob as apropriações de um sincretismo religioso. Ou seja, o processo de catequização dos escravos sofreu interferência direta e foi relido conforme a vivência desses povos", explica.
Apesar de lecionar história no ensino médio, Oliveira se manifesta contra o ensino obrigatório de religião nas escolas públicas do estado, mesmo sendo um estudioso do tema religiosidade no país. "Ainda que o estudante possa escolher a religião que quer aprender na escola, considero a medida um retrocesso. Nosso Estado é laico (não religioso) e o espaço da escola pública não é esse", afirma. O tema da história da religiosidade no Brasil colonial, no entanto, ainda deve render nas mãos do historiador. "Por meio do edital Primeiros Projetos, da FAPERJ, estou estudando agora a devoção a outros santos pretos no período, como São Benedito e Santo Antônio de Categeró", conclui o historiador.
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