Vilma Homero
Ivo Venerotti |
Uma das paradas do passeio é no Paço Imperial, onde a princesa Isabel anunciou a Lei Áurea |
Este roteiro – parte de um projeto inicialmente elaborado pelo professor João Baptista Ferreira de Mello, do Departamento de Geografia Humana, da Uerj, como trabalho de campo de seus alunos de graduação, e há nove anos ampliado para atingir um público maior – foi traçado especificamente para a data. Começa às 9h, na estação do metrô da Praça Onze, segue para uma visita ao Sambódromo e outra ao Terreirão do Samba e ao palco João da Baiana, passa pela Escola Tia Ciata, pela Igreja de Santana e pelo Campo de Santana. Entra pela Rua Buenos Aires, segue pela Uruguaiana, parando em frente à Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito (ex-catedral da cidade), passando pelas ruas do Ouvidor e do Carmo até fazer ponto final na Praça XV, detendo-se no antigo Paço Imperial, de onde – numa sacada do segundo andar – a princesa Isabel de Bragança e Bourbon comunicou aos súditos que ocupavam o largo abaixo a promulgação da Lei Áurea. "Nosso objetivo é aproximar o carioca de uma geografia urbana que ele pouco conhece, levá-lo a olhar com mais atenção e entender os detalhes dos lugares por onde passa distraído todos os dias, mas que guardam boa parte da história do Rio", explica João Baptista, um confesso apaixonado pela cidade. Ou ainda, como ele mesmo diz: "o que procuramos é traduzir a geografia e a alma da cidade para o carioca."
E o que não faltam são histórias. A Escola Tia Ciata, por exemplo, está plantada em um local intimamente ligado ao nascimento do samba, como todos sabem. Exatamente onde hoje se ergue a escola, morava a baiana, mãe de santo famosa pelas reuniões que promovia em sua casa, ponto de encontro de gente de candomblé, capoeiristas e sambistas nos primeiros anos do século XX. Ao contrário da renhida perseguição a que esses grupos estavam sujeitos, no endereço da antiga Rua Visconde de Itaúna – área que desapareceu para dar lugar à construção da Avenida Presidente Vargas – reinava absoluta tranqüilidade. "Contam que, desde que o então senador Pinheiro Machado se vira livre de um problema de saúde por obra e graça de tia Ciata, o pandeiro autografado que deixou de presente servia de salvo conduto não só para as reuniões que aconteciam na casa, mas também às andanças do marido de Ciata pela cidade", conta João Baptista.
Ivo Venerotti |
Durante a caminhada, João Baptista comenta as características arquitetônicas do casario do Centro |
Não se pode esquecer que toda a área da Praça Onze e adjacências, que se estendiam até as proximidades do Estácio, constituíam no final do século XIX, início do XX, a chamada Pequena África do Rio de Janeiro, perímetro onde se concentrava a população negra e pobre da cidade. "Ali no Estácio, surgiu a primeira escola de samba do Rio, a Deixa Falar." A antiga região do Mangal de São Diogo, que ao longo do século XIX foi aterrada e transformada na Cidade Nova, passa mais tarde por um processo de deterioração. É quando se torna zona de prostituição, o Mangue, lembrando sua antiga origem. Até que, em meados dos anos 1960, 1970, o velho casario é derrubado em mais um processo de reurbanização dos chamados bairros que estão no meio do caminho, e o lugar volta a se chamar Cidade Nova, onde se instalam os prédios da administração municipal. Não por acaso, apelidados pela criatividade carioca de Piranhão, com forte expressão da memória simbólica que remete a sua ocupação anterior.
Entre um e outro dos vários pontos comentados, o professor ainda tece comentários sobre a arquitetura do casario remanescente do século XIX que ainda ocupa o trajeto percorrido durante a caminhada e lembra casos pitorescos. Um deles é Zé Pereira, português pançudo e alegre, um dos precursores das brincadeiras de rua ao sair batendo bumbo pela Ouvidor afora durante os festejos de carnaval.
Histórias que as cerca de 50, 60 pessoas que costumam acompanhar os passos do professor João Baptista pelas ruas do Centro do Rio adoram ouvir. São arquitetos, aposentados, donas-de-casa, professores, funcionários e alunos da Uerj, num grupo que não se dispersa antes de chegar à última parada do roteiro. Às vezes, o número de inscritos extrapola. Houve casos de 80, de mais de cem pessoas aparecendo no lugar marcado. Nessas horas, a ajuda dos monitores, que além de responsáveis pelas inscrições, repetem os comentários do professor, abafados pelo barulho do trânsito, se torna imprescindível. Não é por acaso que os voluntários Melissa dos Anjos e Ivo Venerotti, e os bolsistas Olha Figueiredo e Jean de Carvalho participam do projeto. Estudantes do curso de geografia, eles também foram atraídos pelo enfoque da geografia humanística e por desvendar esse Rio de Janeiro de tantas histórias pouco conhecidas. Ou como profere João Baptista, "esta Cidade Maravilhosa de São Sebastião do Rio de Janeiro, de tantos pulsares, histórias e geografias pouco conhecidas e ainda por serem decodificadas".
Ivo Venerotti |
Outro roteiro procurado é o noturno, em que vários pontos conhecidos do Rio são vistos sob outra luz |
"Caminhando por negras geografias" é somente uma parte do evento Negras Geografias. Às 18h, no auditório 11 do Pavilhão Reitor João Lyra Filho (1 andar, bloco F), na Uerj, com entrada franca, "Negros e geográficos pulsares em certos versos e eternas canções" reunirá músicas e a mesa-redonda "Negras trajetórias". Esta mesa contará com a participação de celebridades, como a ex-Miss Brasil 1964 Vera Lúcia Couto, que, ao classificar-se entre louras e morenas e ficar com o 3 lugar no certame de Beleza Internacional, nos Estados Unidos, conseguiu quebrar um tabu; e também do escritor Paulo Melgaço; do escrivão da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, Vanderli Teixeira de Faria; do ator e presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões, Paulo Coutinho; e do ativista gay do grupo Arco-Iris, Cláudio Nascimento. Será mais uma forma de se expor e discutir a participação do negro ao longo da história e da geografia carioca. É bom lembrar ainda que o projeto Roteiros Geográficos do Rio de Janeiro tem outros quatro programas: Reconhecendo o Centro do Rio a pé, Ecos da cultura na Cidade Nova e na Praça Onze dos bambas do samba, (Re)conhecendo a periferia do Centro do Rio a pé, e Roteiro noturno no Centro do Rio a pé. Todos com inscrições gratuitas pelo e-mail roteirosgeorio@uol.com.br . Mais informações pelo telefone: (21) 8871-7238
Confira abaixo os roteiros:
(Re)conhecendo o Centro do Rio a pé: encontro no alto do pátio do Mosteiro de São Bento (Rua Dom Gerardo, 40). Assiste-se a cinco minutos da missa com cantos gregorianos), vista panorâmica da área portuária e da Baía de Guanabara, Avenida Rio Branco, igreja da Candelária, Centro Cultural Banco do Brasil, Rua Visconde de Itaboraí, Rua Buenos Aires, Beco das Cancelas, Rua do Ouvidor, Travessa do Comércio, Praça XV, Paço Imperial, Rua São José, bondinho de Santa Teresa, Esplanada de Santo Antônio, Catedral Metropolitana de São Sebastião do Rio de Janeiro, Cinelândia, Museu Nacional de Belas Artes.
Ecos da cultura na Cidade Nova e na Praça Onze dos bambas do samba: encontro na estação do metrô Estácio, Cidade Nova, Avenida Presidente Vargas, Praça Onze, monumento a Zumbi dos Palmares, Sambódromo, Terreirão do Samba/palco João da Baiana – vista para o Morro da Favela/Providência – Escola Tia Ciata - Igreja de Santana.
Roteiro noturno no Centro do Rio a pé: Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro, Real Gabinete Português de Leitura, Igreja Nossa Senhora da Lampadosa, Avenida Passos, Praça Tiradentes e arredores, Rua da Constituição, Avenida Gomes Freire, Rua do Lavradio, Esplanada de Santo Antônio, Largo Braguinha, Rua Mem de Sá, Arcos da Lapa, Rua Joaquim Silva, Escadaria Selaron, Largo Nelson Gonçalves. Sala Cecília Meireles.
(Re)conhecendo a periferia do Centro do Rio a pé: Centro Cultural Light, Palácio Itamaraty, Gare Dom Pedro II/Central do Brasil, Campo de Santana, Rua da Constituição (Museu do Rádio), Rua República do Líbano (Centro Cultural Hélio Oiticica), Avenida Gomes Freire, Avenida Passos, Real Gabinete Português de Leitura, Rua Luís de Camões, Largo de São Francisco, Rua Uruguaiana, Largo da Carioca, Avenida Treze de Maio, Teatro Municipal (visita guiada de 50 minutos), Convento de Santo Antônio, Rua Gonçalves Dias e Confeitaria Colombo (opcional).
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