Rosilene Ricardo
A menos de dois meses da abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, pesquisadores brasileiros e latino-americanos estiveram reunidos esta semana, no Rio, para debater sobre esporte de uma abordagem bem diferente: a histórica. Organizado pelo Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), o Fórum de História do Esporte e do Lazer procurou responder a uma pergunta: “o que é esporte?”
Para responder, historiadores de diversas universidades expuseram durante os dois dias do evento, 18 e 19 de junho, diversos aspectos do tema, como “Esporte na história do corpo no Brasil”, com Mary del Priore; “Eram esportistas gregos e romanos?”, com Fábio Lessa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Renata Garraffoni, da Universidade Federal do Paraná; passando por “Tensões na constituição do futebol no Rio de Janeiro”, com Antonio Jorge Soares e Ricardo Pinto dos Santos, ambos da UFRJ; “Novas configurações do esporte na cidade”, com Cleber Augusto Dias, da Universidade Estadual de Campinas, e Rafael Fortes, da Universidade Federal Fluminense.
Na ocasião, a Editora Apicuri fez também o lançamento dos três primeiros livros de sua coleção Sport: História, publicados em conjunto com o Laboratório de História do Esporte e do Lazer / PPGHC/ IFCS/ UFRJ: Nações em jogo: esporte e propaganda política em Vargas e Peron, de Mauricio Drumond; Pedalando na modernidade: a bicicleta e o ciclismo na transição dos século XIX e XX, de Andre Schetino; Urbanidades na natureza: novas configurações do esporte no Rio de Janeiro, Cleber Dias.
Dividindo a mesa redonda “Tensões na definição do esporte no Rio de Janeiro”, com a professora Vivian Luiz Fonseca, da Fundação Getúlio Vargas; o professor Victor de Andrade Melo, da UFRJ e pesquisador do Instituto Virtual do Esporte, apoiado pela FAPERJ, procurou explicar o que era considerado esporte no século XIX e como isso foi mudando nas proximidades do século seguinte. Segundo os jornais dos anos 1800, esportes podiam ser desde o turfe e o remo, que terminariam se estruturando como tal; corridas a pé e de velocípedes, que foram os primórdios do atletismo e do ciclismo; e mesmo banhos de mar e jogo do bicho, que jamais se consolidariam como práticas esportivas. Melo demonstra como, nesse contexto, práticas populares como touradas e rinhas de galo progressivamente foram passando a ser vistas como atividades violentas e proibidas pela sociedade na passagem para o século XX.
Segundo Melo, touradas, brigas de galo e jogos da pelota ocuparam um importante espaço entre as preferências de diversão da população, bastante apreciadas especialmente pelas camadas mais pobres. “As touradas eram realizadas no Brasil desde o período colonial, em conjunto com as cavalhadas, por ocasião de datas festivas do calendário português, e comemoradas com pompa, como forma de demonstração da fidelidade colonial”, explica. Uma corrida de touros que merece destaque foi a realizada como parte da comemoração do casamento de D. Pedro, nosso futuro imperador, com D. Leopoldina, em 1817. A arena foi construída onde hoje é o Campo de Santana, no Centro da cidade.
A virada do século XIX para o XX, no entanto, é marcada como um período de grande efervescência e euforia cultural, em que se destacam, entre outras dimensões, a construção de um novo estilo de vida, com costumes mais distendidos; a busca do espaço público enquanto local de vivência social; a valorização das atividades de lazer, do luxo e do consumo: algo similar ao que na Europa era denominado de Belle Époque.
Esse contexto de fin de siècle também desencadeia uma série de mudanças na compreensão do que deveria ser o esporte, cujas marcas notáveis são a difusão do remo e o estabelecimento de uma relação entre esporte, corpo forte e saúde. “Torna-se não só possível como apreciável assistir a homens com ‘poucas roupas’ competindo nas praias das cidades. Mais ainda, passa-se a estabelecer um forte relacionamento entre a forma física e o caráter dos atletas, apresentados como exemplos de moral e do novo cidadão que pode conduzir a nação ao progresso”, diz.
Por outro lado, uma das principais possibilidades de diversão para as camadas populares, as festas públicas começam a ser objeto de contestação. “As organizadas pela família real, com dinheiro do erário, eram encaradas como sinal de desperdício das verbas públicas, algo grave para um país que tinha muitos problemas a resolver. Criticavam-se ainda as festas religiosas em função do crescimento de atividades ‘profanas’ ao seu redor. Touradas e rinhas eram também condenadas por seu caráter popular e crueldade”, esclarece.
“Há que se considerar que, enquanto os jogos ligados às camadas populares eram freqüentemente proibidos, alvo de ação policial, aqueles presentes nos fóruns das elites gozavam de reputação, ganhavam um caráter ‘nobre’ e muitas vezes eram mesmo denominados de esporte. Não poucas vezes a polícia encontrou ‘pessoas ricas’ nas casas de jogos populares, e logo liberadas de punições ao afirmarem que ‘simplesmente observavam’”, fala Melo. “Isso foi particularmente notável no caso das brigas de galo, touradas e jogos de pelota. Consideradas bárbaras e/ou violentas, passaram a ser tidas como indignas para um país que se pretendia moderno.”
Para Melo, é preciso considerar que se as camadas populares resistiram a essa campanha contra suas mais caras diversões, também incorporaram muitos dos valores difundidos pela elite, até mesmo para deles fazer uso de acordo com seus interesses. “Notadamente na compreensão, já na época explorada, de que o esporte pode ser encarado como forma de ascensão social”, conclui.
Confira a programação completa no endereço a seguir: http://www.ihgb.org.br
- Veja também: http://www.ceme.eefd.ufrj.br/ive/
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