Vilma Homero
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A tela de Almeida Júnior, do Museu Nacional de Belas Artes, foi uma das examinadas por Cristiane |
Desde a época da graduação e do mestrado, Cristiane já usava a fluorescência para fazer análises de plantas e outras amostras biológicas. Mas a partir da leitura de um artigo sobre arqueometria, viu abrir-se a possibilidade de trabalho num campo para ela
"Embora as análises científicas de obras de arte venham sendo feitas desde o início do século XX, a arqueometria é relativamente recente. A utilização sistemática da ciência a serviço da arte difundiu-se amplamente a partir dos anos 1990 na Europa e nos Estados Unidos, embora por aqui ainda não seja muito divulgada. Na verdade, como muitas vezes os profissionais da área de arqueologia e de museologia desconhecem as potencialidades das técnicas disponíveis, é bom que elas sejam cada vez mais difundidas", fala. Para isso, ela procurou criar uma inovação que facilitasse o uso da fluorescência em diferentes situações. Sua idéia foi desenvolver um método portátil que prescindisse do deslocamento das peças para se proceder à análise.
"O transporte do museu para o laboratório implica questões de segurança e a sempre presente possibilidade de dano a quadros muitas vezes de valor incalculável", frisa. "A proposta é realizar, no local, análises não destrutivas, de obras de arte e objetos de valor arqueológico. As peças ficam onde estão. É o equipamento que vai até o museu e não o contrário", fala a química, que já foi bolsista Nota 10, da FAPERJ.
Portátil, o equipamento pode ser
Quando Cristiane apresentou seus trabalhos em arqueometria num congresso sobre patrimônio cultural brasileiro em Belo Horizonte, no final de 2004, despertou grande interesse da chefe do restauro do Museu Nacional de Belas Artes, que a convidou a repetir a demonstração numa peça de seu acervo. "Por coincidência, quando eu estava concluindo o protótipo do equipamento portátil, em 2006, a equipe do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) também dava início ao restauro da tela de Victor Meirelles. O quadro estava sendo preparado para as comemorações dos 200 anos da chegada da família real ao Brasil.
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usado sem tirar a obra do lugar
Primeira Missa no Brasil, quadro de Victor Meirelles com 2,68m x 3,56m, foi a primeira peça valiosa a ser submetida a exame pelo sistema portátil criado por Cristiane. "Pelas dimensões da obra e por seu valor, algo em torno dos R$ 6 milhões, seria bastante complicado retirá-la do museu." Pilotando o equipamento, foi Cristiane que passou um mês no MNBA e outros dois no laboratório analisando cada detalhe da tela.
Desde então, mais outras 12 obras do museu em fase de restauração já passaram por sua análise. "Como o uso da maioria dos pigmentos tem uma cronologia bem definida e conhecida, sua identificação permite localizar o período histórico da tela. Pela técnica da fluorescência, a presença de ferro no azul, por exemplo, nos indica que se trata de um azul da Prússia, coloração que começou a ser usada em 1704 e continua em uso até hoje. Ainda mais que há tonalidades que são características de certos pintores, como o amarelo de Vermeer, o azul de Monet, o marrom de Van Dyck", esclarece.
A existência de retoques recentes em pinturas antigas é facilmente detectada ao observar-se a presença de altas concentrações de titânio e cálcio em algumas áreas da tela. O cálcio faz parte da composição da massa utilizada para fechar rasgos e buracos e o titânio está presente no pigmento branco, que começou a ser usado a partir do século XX. No caso de o titânio ser encontrado em toda a extensão da pintura, seria um indício de falsificação. O sistema de fluorescência foi ainda associado à técnica de radiografia computadorizada. "Na radiografia, aparece tudo o que há naquela imagem, desde a trama do tecido usado na tela até danos que não são visíveis a olho nu, como rasgos e emassamentos na pintura."
Essas informações facilitam bastante tanto o trabalho de restauração quanto o de conservação. E permitem verificar se se trata de uma falsificação. "A identificação dos pigmentos é importante para a conservação, pois alguns deles podem se deteriorar devido à luz, umidade, poluição ou calor, danificando a pintura. Sabendo disso, os conservadores podem criar condições adequadas ao armazenamento e exposição das obras, além de escolher quais serão os tratamentos ideais para recuperar determinada pintura", explica.
Divulgação A convite do Museu Nacional de Sipan, o equipamento
Além de todas essas vantagens, o método permite obter respostas imediatas, que são em seguida detalhadas em extenso e completo relatório. E vale para o exame de qualquer tipo de peça, sejam telas, cacos de cerâmica, estátuas, além de amostras ambientais, biológicas ou minerais. "Até mesmo amostras em pó podem ser prensadas e estudadas", fala a química.
foi levado ao Peru para analisar peças pré-colombianas
Todas essas facilidades têm tornado Cristiane bastante requisitada. Num trabalho para o Museu Nacional, Cristiane precisou confirmar, por meio da análise da composição dos pigmentos, se um sarcófago e uma múmia egípcia, considerada como a peça mais rara do acervo, formavam realmente um conjunto. Pesquisando o tecido que a recobria e confrontando com os elementos decorativos da pintura do sarcófago, a química pôde constatar que se tratava de peças do mesmo período – o século I, e que tinham a mesma origem.
Ano passado, Cristiane e seu equipamento embarcaram num avião a caminho do Peru, a convite do Museu Nacional de Sipan e do Museu das Tumbas Reais de Sipan. Viajou junto com uma equipe de pesquisadores italianos. "Fomos examinar peças de ouro pré-colombianas", diz. A análise das peças, porém, chegou a um resultado diferente do que esperavam. "Algumas delas, na realidade, continham mais cobre do que ouro", conta.
No momento, Cristiane examina vinte quadros de pintores brasileiros do século XIX, do acervo do MNBA, que entrarão em exposição a partir de maio de 2009 na reabertura da Galeria do Século XIX. Há telas de Henrique Bernardelli, de Eliseu Visconti, de Pedro Américo e outras de Victor Meirelles. "Estamos reunindo todas as informações obtidas com as análises feitas num grande banco de dados sobre todos esses pintores. Nele, detalhamos não só as informações sobre a técnica de cada pintor, mas também o estado de cada obra, as restaurações anteriores e tudo o mais que foi possível detectar no quadro."
Mente inquieta, Cristiane continua pensando em formas de aperfeiçoar ainda mais o equipamento. Na verdade, ela agora quer tornar também portátil o método de difração por raios X. "É uma outra técnica para detectar a composição química de uma peça. Atualmente, os equipamentos existentes são os comerciais, instalados em caixas fechadas, o que impossibilita seu uso em obras de arte. Por isso, estou procurando torná-lo portátil", planeja, entusiasmada.
Tamanho entusiasmo é, em parte, resultado direto da repercussão que seu trabalho vem obtendo. "Não imaginava que tudo isso fosse acontecer. Ao me voltar para a arqueometria, achava que, embora estivesse fazendo um trabalho científico e envolvida com algo que me dá prazer, que é a arte, estaria nadando contra a corrente, já que boa parte dos pesquisadores trabalha com as aplicações convencionais da fluorescência", fala. Agora, tudo o que Cristiane espera é que arte e cultura sejam cada vez mais valorizadas. "E que haja mais investimentos para a área da cultura", resume.
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