Vilma Homero
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Cotidiano carioca: o abastecimento de água potável era |
Com a criação de várias instituições científicas, como a Escola Médico-Cirúrgica e a Real Biblioteca, o pensamento corrente é de que a transferência da família real para o Rio de Janeiro seria um ponto de ruptura no desenvolvimento da ciência no país. Não é exatamente o que pensam os autores dos vários artigos reunidos no livro. Lorelai explica por quê: "Na verdade – e esse é um consenso entre os autores –, podemos, em certa medida, falar em continuidade de um processo que já vinha ocorrendo desde meados do século XVIII. Com a vinda de D. João – ele só se torna D. João VI depois da morte de D. Maria I –, as políticas de valorização da cidade como centro político só se fortalecem. E passa a predominar também a sensação de se imaginar o Rio Janeiro agora como centro de poder", diz Lorelai. Segundo a pesquisadora, paralela à construção de um campo científico, começava a se consolidar entre os homens de ciência lusoamericanos a certeza de que era possível produzir conhecimento numa nação situada nos trópicos.
Na segunda metade do século XVIII, foram fundadas, no Rio, a Academia Científica e a Casa de História Natural, numa tendência que prossegue, em princípios do XIX, quando se instalam por aqui diversas instituições, como a Real Biblioteca, a Real Academia Militar e o Jardim Botânico. Igualmente importantes para a ciência são a migração para o Brasil da Fisicatura Mor, órgão que fiscaliza o exercício da prática médica e normatiza a formação acadêmica; e da Imprensa Régia, com a publicação dos primeiros jornais e livros impressos no Rio de Janeiro e na Bahia, possibilitando a formação e aprimoramento de grupos técnicos e a divulgação de trabalhos científicos.
"A publicação de livros técnicos e manuais de medicina, por exemplo, é um grande diferencial para a formação científica no país", fala a pesquisadora. O Rio de Janeiro paulatinamente vai se tornando também um lugar de produção de conhecimento. "Criava-se no Brasil um espaço público letrado, de circulação de ideias e formação de opinião; estabeleciam-se novas formas de sociabilidade", explica a pesquisadora.
O fim das guerras napoleônicas, em 1815, marcou também o aumento na vinda de viajantes estrangeiros ao país e a quantidade de estudos sobre o Brasil cresce de forma significativa. "Foi um divisor de águas, já que a quantidade e a qualidade de informações, comparadas às pesquisas anteriores e publicações resultantes, passaram a ser enormes", diz a pesquisadora. O estabelecimento da Corte no Rio de Janeiro contribuiu para a manutenção da unidade territorial da América portuguesa. "Nesse sentido, a produção de conhecimento sobre o espaço e as populações brasileiras foi estratégica neste processo. Posteriormente, durante a Independência e a construção do Estado imperial, instituições criadas no período joanino tiveram papel de destaque no mapeamento da nação brasileira", explica Lorelai.
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Criação do Jardim Botânico: um dos marcos para a ciência brasileira |
Antes da criação da escola, o exercício da medicina era facultado somente a físicos e cirurgiões licenciados pelo cirurgião-mor do Reino. Eles estavam habilitados apenas a aplicar sangrias e ventosas, a curar feridas e fraturas, mas eram impedidos de prescrever medicamentos, o que só era permitido a médicos formados em Coimbra. "A criação das escolas – e, posteriormente, das faculdades – de medicina significava também o fim dessas restrições e a possibilidade de formação de médicos no país", diz Lorelai. No exercício das práticas médicas, no entanto, convivem tanto os profissionais de formação acadêmica quanto aqueles, menos formais, que praticam o conhecimento popular.
Os próprios limites do centro da cidade também passam a se estender para os lados do Campo de Santana, onde já ocorriam algumas festas oficiais, com a valorização das terras em redor e a instalação de residências da nobreza na região. Com isso, obras públicas também começam a transformar toda aquela área. O mesmo acontece em São Cristóvão, com a mudança da família real para a quinta construída pelo comerciante português Elias Antonio Lopes naquele bairro.
"Nessa nova configuração, médicos e engenheiros ganham importância já que são os profissionais a ditar os critérios de salubridade que norteiam as mudanças na cidade", diz. Se até o início do século XIX, se olhava para o Rio de Janeiro como um lugar quase impossível de se viver, depois o olhar passa a ser mais pragmático, de intervenção, mas também mais otimista, de pensar o que se podia fazer para melhorar. "A ideia de incompatibilidade de uma civilização nos trópicos passa a se contrapor à formação de uma identidade nacional", conclui.
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