Débora Motta
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Livro aponta a construção social da adolescência na modernidade |
Na obra, a autora empreende um longo percurso para explicar como a adolescência foi percebida no decorrer de vários períodos históricos, desde a Antiguidade clássica, passando pela Idade Média, pelo período romântico, que acompanhou o advento das revoluções burguesas, até chegar à modernidade. "A adolescência é um fato cultural, pois o modo como cada sociedade lida com os seus jovens é particular e articulado a todo o seu contexto sociocultural e histórico. A passagem da infância à maturidade, vivenciada como a ‘crise adolescente’, é um produto típico da nossa civilização", afirma Luciana, acrescentando que em outras épocas não existia um tratamento social diferenciado aos adolescentes.
A construção social da adolescência na família moderna é fruto de uma série de transformações socioeconômicas que a civilização ocidental sofreu ao longo dos séculos XVIII e XIX, que marcaram a chegada do ideal individualista. O romantismo e a modernidade ajudaram a disseminar o individualismo e propiciaram o surgimento do entendimento atual da adolescência, no sentido de que cada sujeito é livre para construir uma trajetória singular. "O adolescente busca as suas próprias referências, marcando com isso a sua singularidade em relação à família", diz a pesquisadora, lembrando que o romantismo surgiu em oposição ao culto à racionalidade e à ordem, ligado ao Iluminismo e ao Protestantismo, e era marcado pela paixão pela natureza e pela busca pela autenticidade.
Já no século XX, a adolescência passou a ocupar um lugar cada vez mais importante no imaginário social. Com a escolarização prolongada e a introdução de um sistema de ensino segmentado, de acordo com as diversas áreas do conhecimento, o período de dependência dos jovens em relação aos pais cresceu. Estendeu-se o prazo entre a puberdade e o casamento e os jovens passaram a deixar a casa dos pais cada vez mais tarde. "Assim, consolidou-se o conceito de adolescência e instalou-se o conflito de gerações que marcou todo o período libertário dos anos 1960. Mas, paradoxalmente, a sociedade passou a idealizar a adolescência como um período em que a ordem é aproveitar a vida livremente. E cada vez mais todos desejam ocupar a posição de adolescentes eternamente, inclusive os adultos”, avalia Luciana.
A situação da adolescência do início do século XXI já se distancia da situação da adolescência do início do século XX. Para a psicanalista, o que caracteriza o jovem de hoje é o fato de estar submetido às mudanças aceleradas pelas quais vem passando a sociedade contemporânea. "O que marca a geração atual é a sua imersão na sociedade de consumo, centrada no presente e na posse de objetos e as influências das novas tecnologias, da mídia, do telefone celular e da Internet, que repercutem em várias dimensões da vida do jovem", diz Luciana. “A adolescência hoje é marcada por desafios na construção de projetos futuros, pela busca por novas maneiras de se relacionar amorosa e sexualmente e pelo envolvimento por vezes problemático com drogas e situações de violência”, acrescenta.
Com o acirramento do individualismo, estimulado pela sociedade de consumo, as bases de sustentação de ideais coletivos e relativamente estáveis se dissipam. "Nesse contexto, os ideais de liberdade e autonomia tornam-se radicais, de modo que o que é dito aos jovens é que seu futuro depende única e exclusivamente deles e que eles devem romper com o passado e com as tradições, para que possam se destacar do todo pela sua singularidade e autenticidade. Assim, o caminho em direção a uma travessia da adolescência complica-se, na medida em que o jovem não encontra na cultura referências que possam lhe auxiliar neste momento de passagem", pondera.
O trabalho psíquico da adolescência implica na busca por novas referências subjetivas, ou seja, novos ideais do “eu”. As chamadas “tribos” urbanas – como a dos atuais emos, dos punks dos anos 1980, ou dos hippies nos anos 1960 – representam uma forma de tornar o trabalho psíquico da adolescência menos solitário. “Cada tribo tem uma proposta e um modo de funcionamento diferente, que se sustenta através de identificações entre os seus membros. Mas os rumos tomados por cada sujeito a partir de seus laços na tribo podem ser diferentes, não há determinismo”, observa Luciana.
Em meio à fragilização das instituições sociais tradicionais, como o Estado, a Igreja e a família, há um enfraquecimento da autoridade que norteou a educação de outras gerações. “Isso traz consequências nem sempre favoráveis para os adolescentes de hoje, já que a subjetivação implica na inscrição de uma Lei”, afirma Luciana. Ela, no entanto, acredita que colocar a culpa apenas na família pela “falta de pulso” é uma visão parcial, que exclui fatores sociais, culturais e políticos. “O adolescente expressa o drama do sujeito contemporâneo. Ele é, por definição, um indivíduo errante, em pleno trabalho de elaboração e apropriação do laço social, entre o desamparo e a busca permanente por pontos de ancoragem”, conclui.
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