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Publicado em: 07/04/2011
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O que as crianças entendem da passagem do tempo

Vinicius Zepeda

Fotos: Divulgação/PUC-Rio 

           

      Para Zena Eisenberg, o tema "tempo"
      deveria ser ensinado desde a pré-escola

"Amanhã, a minha avó comprou uma boneca e um sapato da Hello Kitty./ Ontem, quando eu era pequenininha, minha mãe me deu chiclete e aí eu engoli! Tia, eu comi gelo!/ A Ana um dia jogou papel no vaso." As frases, ditas por crianças em idade pré-escolar, são exemplos de como a passagem e a organização do tempo são complicadas de ser entendidas por elas. Segundo a doutora em psicologia do desenvolvimento, especialista em Educação Infantil e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Zena Eisenberg, o trabalho direcionado à noção do tempo auxilia, entre outras coisas, no desenvolvimento da organização, da localização espaço-temporal e da possibilidade de planejar o futuro e refletir sobre o passado das crianças. Mas os currículos da pré-escola e dos anos iniciais do ensino fundamental não explicam como acontece a passagem do tempo. "Mesmo nos cursos de pedagogia, o tema é pouco debatido. Profissionais de educação infantil ensinam a seus alunos sobre a passagem do tempo muito mais por intuição e experiência do que por métodos de ensino ou exigência curricular", acrescenta. Ela defende uma revisão nos currículos escolares para que o assunto "tempo" seja pensado desde os primeiros anos escolares.

Com apoio da FAPERJ, Zena Eisenberg vem, há três anos, se dedicando a estudar tanto a visão das crianças quanto dos educadores sobre o tema. Ela recorda que, de 2006 a 2008, antes de ser professora da PUC, quando ministrava uma disciplina sobre tempo no curso de Pedagogia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), os futuros educadores ficavam impressionados com aquele conteúdo. "Como o tema não é abordado na formação, eles viam aquelas discussões como um mundo totalmente novo", lembra. "No Brasil, a noção de tempo não faz parte dos currículos pensados para a educação infantil. Os professores chegam à escola despreparados para lidar com o assunto", acrescenta. Ela explica que o tema começa a ser debatido de maneira superficial apenas no primeiro ano do ensino fundamental, só ganhando força nos três anos seguintes. Mesmo em outros países, a pesquisadora destaca que o preparo para o ensino sobre esse tema para crianças é bem raro.

Perceber essas questões foi o que motivou Zena a pesquisar sobre noção do tempo, envolvendo crianças de três e quatro anos e seus educadores. No pós-doutorado, com apoio da FAPERJ, ela desenvolveu o projeto "Creche: Contexto de desenvolvimento e formação de subjetividades", coordenado pela professora Vera Maria Ramos de Vasconcellos, da Uerj, que também contou com auxílio do edital de Apoio à Melhoria do Ensino nas Escolas Públicas, da Fundação. "Observamos, numa creche pública da prefeitura, como os professores abordavam o assunto em suas aulas e quais eram as noções que as crianças desenvolviam", explica. No ano seguinte, em 2009, a pesquisa foi expandida para crianças ainda menores, com dois anos.

Para desenvolver sua pesquisa, Zena Eisenberg realizou uma reunião com os pais e educadores da creche para explicar seus objetivos e pedir sua colaboração, na escola e no cotidiano familiar.  "Era necessário que tanto pais quanto educadores ensinassem a questão da passagem do tempo de um modo compatível com a capacidade de compreensão da criança." Para isso, os professores elaboraram três instrumentos para trabalhar com as crianças em sala: um relógio de cartolina, em que se marcava a passagem das atividades da rotina diária; um quadro em que se marcavam as atividades realizadas em cada um dos dias da semana; e garrafas pet, representando os meses do ano e nas quais cada dia era representado por uma bolinha de isopor a ser colocada nela.

     

Entre as atividades propostas, o relógio do tempo ajudou
as crianças a organizarem as atividades da rotina diária 

O relógio foi uma ótima alternativa, pois com ele as crianças marcavam as atividades de sua rotina diária. Já o quadro dos dias da semana não deu certo porque as crianças confundiam os dias das tarefas. A atividade das garrafas pet, no entanto, teve um impacto importante para a turma, pois serviu para ajudá-las a acompanhar o ano que terminava. Como eles "se formariam" ao final do ano, ficavam na maior ansiedade, perguntando todo dia quando chegaria aquela data. "Com as garrafas, eles relaxaram porque entenderam que a formatura só estaria próxima ao final do mês de novembro. Ou seja, quando houvesse trinta bolinhas  dentro da garrafa, que ficaria cheia", destaca.

A pesquisadora destaca a necessidade dos professores e pais ensinarem a passagem do tempo de um modo compatível com a capacidade de compreensão de cada criança. Para tanto, ela recorda o caso envolvendo a mãe de um aluno que havia tomado muito gosto pela pesquisa serviu para ratificar a tese defendida por Zena. Como ela conta, de tão empolgada com o projeto, a mãe ensinava ao filho de três anos a rotina diária da creche. "Ele realmente memorizou e decorou as informações, mas se alguém interrompia sua fala, ele se perdia e voltava a repetir tudo desde o começo", lembra a pesquisadora. O fato serviu para mostrar que aquele conhecimento não havia sido construído pela criança. "A construção do conhecimento não é feita de memorizações, os significados se desenvolvem no cotidiano de cada um", explica.

Em 2010, Zena Eisenberg resolveu estender a pesquisa para crianças mais velhas – do segundo ao quinto ano do ensino fundamental –, desta vez em duas escolas públicas do município de Vassouras, norte fluminense. O estudo está em fase final e alguns resultados preliminares já foram apurados. "Analisamos livros didáticos de matemática, ciências, história e geografia, assim como resultados de avaliações de desempenho. Verificamos que as crianças até o quinto ano não desenvolvem as noções temporais essenciais, como mês e ano, por exemplo, mesmo que isso faça parte do livro didático. A ênfase dos livros didáticos é para o calendário, para a divisão de dias e horas. Mas a noção do que realmente é o tempo, como fenômeno de mudança de estado descrito pelo homem, é pouco explorada nas escolas", explica. "Ao juntar os dois estudos, devemos ponderar: Como as crianças mais velhas aprenderão sobre o tempo se na creche isso não é trabalhado de maneira pedagógica?", ressalta a pesquisadora.

Para ajudar os professores a desenvolverem atividades pedagógicas sobre o tema, a equipe coordenada por Zena elaborou um questionário com vinte e um itens. Os dados com as respostas estão em processo de análise, comparando o desempenho antes e depois do curso. Zena Eisenberg espera que os resultados de sua pesquisa sejam publicados até o final de 2011. Atualmente, a equipe analisa o conteúdo temporal dos relatórios de observação das professoras e das atividades por elas desenvolvidas ao longo do ano. "Meu objetivo é que todos os nossos resultados sirvam para a formulação de novos materiais didáticos, a serem utilizados na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. É essencial que esse conhecimento se transforme em política pública e seja incluído nos currículos escolares desde a educação infantil", conclui.

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