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Publicado em: 26/05/2011
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Sobre Sérgio Arouca, protagonismo político e a criação do SUS

Vinicius Zepeda  

Arquivo Fiocruz 

          
         O médico sanitarista Sérgio Arouca foi um
        dos principais idealizadores do SUS no Brasil

O ano de 1986 é considerado um marco para a saúde pública no Brasil. Naquele momento, logo após a redemocratização do País, foi realizada a VIII Conferência Nacional de Saúde, em que, pela primeira vez, os usuários dos serviços de saúde puderam participar e exercer o direito de voto. O evento também serviu para plantar as bases para a criação, três anos depois, em 1989, do Sistema Único de Saúde (SUS) – projeto que buscava a prestação dos serviços médicos para toda a população brasileira, entendendo a saúde como um direito de todos e um dever do estado. Para entender melhor esta história, um DVD contando a história da construção do SUS, com especial ênfase no protagonismo do médico sanitarista Sérgio Arouca (1941-2003*) neste processo, acaba de ser finalizado. O vídeo é composto por fotografias e imagens de época, além de depoimentos de pesquisadores que tiveram forte influência das ideias transmitidas por Arouca. O material, editado com apoio do Programa de Auxílio à Editoração (APQ3), é resultado de uma pesquisa coordenada pela antropóloga e professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), Regina Abreu, em parceria com o médico sanitarista Guilherme Franco Netto, do Ministério da Saúde, e participação da psicóloga Helena Rego Monteiro. 

A pesquisadora destaca que, durante os anos de 1960 – quando Arouca estudou na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, São Paulo – e até 1986, o Brasil vivia um período de forte repressão dos movimentos sociais com a ditadura militar e o mundo vivia a chamada Guerra Fria, com os países alinhados com o regime capitalista dos Estados Unidos ou com o comunismo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), formada pela atual Rússia e outras 14 repúblicas próximas, como Lituânia, Armênia, Geórgia, Ucrânia, Letônia, Estônia, Casaquistão e Turcomenistão, entre outras. "Muitos dessa geração se lançaram de corpo e alma na militância política. Aos 18 anos, Arouca se filiou ao antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), lia e refletia sobre teses marxistas e acreditava que podia ser agente de transformação social, ideal que perseguiu durante toda a sua vida", afirma a antropóloga.

Nos anos 1960/1970, as universidades funcionavam como espaços de pensamento e nelas foram construídas alternativas contra o regime ditatorial militar. Ali, as ideias não só circulavam, como eram debatidas, questionadas e muitas vezes defendidas com a paixão e o idealismo próprios da época. Sobre este aspecto, Regina Abreu  lembra a "apoteose" criada pela defesa de tese de doutorado de Arouca em 1975, no auditório do curso de pós-graduação em Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Intitulada O Dilema Preventivista, a tese foi um dos primeiros trabalhos a apontar para os limites da medicina preventiva , propondo alternativas que uniam saúde, democracia, melhoria das condições de vida, além do combate às estruturas sociais desiguais da época", recorda Regina.

O Dilema Preventivista e o protagonismo político

Arquivo Fiocruz
       

Registro histórico de 1985: pessoal do comitê de campanha de Arouca (ao centro) no
dia em que o então Ministro da Saúde da época, Carlos Santana, confirmou o sanitarista
como presidente da Fiocruz e o convidou para visitá-lo em Brasília no dia seguinte 

A atuação do grupo liderado por Arouca desagradava os setores mais conservadores da Unicamp, representados pelo então reitor Zeferino Vaz, que o proibiu de defender sua tese na universidade. "Entretanto, o sanitarista não se deu por vencido", afirma Regina. "Mesmo tendo sido obrigado a deixar a Unicamp e migrar para o Rio de Janeiro, ele continuou militando com outros médicos para a construção do conceito da saúde coletiva e pela universalização da medicina nacional", complementa. Os militantes do movimento sanitarista de então, se destacaram por articular a reflexão social com os temas da medicina. "Eles tinham projetos de futuro e uma reflexão acurada sobre o passado, o que garantia o discernimento e a clareza sobre a necessidade de ampla transformaçâo das condições de assistência no tempo em que viviam", assinala Regina. Ela inclusive cita uma reflexão da filósofa alemã e crítica dos movimentos totalitários Hannah Arendt para reforçar sua opinião explicitando a necessidade do passado iluminar o futuro para que a humanidade não fique aprisionada na atualidade. "Ou seja, apesar do excesso de informação da atualidade, as notícias são veiculadas de forma descontextualizada e superficial. Isso ocorre porque vivemos de imediatismo e somente no tempo presente", acrescenta.  

Outro ponto marcante na trajetória do sanitarista Sérgio Arouca foi a campanha que o levou a presidência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em pleno processo de redemocratização do Brasil, em 1985. "Foi resultado de um movimento da comunidade de Manguinhos e de uma frente suprapartidária que ultrapassou as fronteiras da fundação, tornando-se nacional", explica Regina. Neste contexto, a antropóloga destaca o depoimento do médico Carlos Morel, que mais tarde, em 1993, também ocuparia a presidência da Fundação. Vindo da pesquisa básica, ele apoiou o nome de Arouca para o cargo máximo da instituição que até então nunca tinha elegido um médico da saúde pública. "Quando começaram a falar da sucessão na Fiocruz durante a redemocratização muitos nomes foram aparecendo, mas nenhum deles me chamava a atenção", recorda Morel em seu depoimento. "Um dia me telefonaram da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), sugerindo o nome do Arouca e pensei: essa indicação é diferente das outras. A partir de então, na área de pesquisa básica, somente eu e o Luís Fernando Reis apoiamos seu nome, ao contrário da saúde pública, que marchou praticamente unida com ele", complementa.

Geração plantou as bases para os atuais Programas de Saúde da Família

Segundo a antropóloga, a geração de Arouca procurou manter a articulação da medicina com as Ciências Sociais, o que trouxe uma visão mais abrangente da atuação dos médicos. Como exemplo, ela cita os trabalhos sociais de médicos nos lares de moradores de comunidades de baixa renda, que hoje evoluíram para os atuais Programas Saúde da Família, inspirados nos médicos descalços da China comunista. Apesar de todo idealismo, eles também souberam se mostrar críticos em suas reflexões. "Inclusive antes de morrer, Arouca já pensava em reformar a estrutura do SUS", conta.

Divulgação/PPGMS/UniRio

           
           O ex-ministro da Saúde José Gomes
         Temporão dá seu depoimento no DVD     

Arouca foi ainda deputado pelo PPS, candidato a vice-presidente na chapa de Roberto Freire em 1989 e secretário municipal de Saúde do governo César Maia. "Em sua atuação, ele cometeu alguns erros de leitura da conjuntura política da época. Mas nem por isso deixou de militar nas causas em que acreditava, e o saldo de sua atuação é muito mais positivo do que negativo", afirma Regina Abreu. "Nesse ponto, cabe a nós da universidade trazer para a população, principalmente para os jovens, a reflexão sobre as trajetórias de vida de personagens que fizeram a diferença em suas áreas de atuação. As escolas e demais instituições podem pedir cópias de nosso material para exibir a seus alunos", destaca.

Importantes nomes que refletem sobre a saúde pública e coletiva no Brasil, tanto na área da medicina quanto na das ciências sociais foram contemporâneos de Sérgio Arouca. E também lutaram por um sistema de saúde mais humano e inclusivo no País. Alguns deles são referencias importantes na formulação de políticas na área, e encontram-se em importantes postos na administração pública federal. O exemplo mais próximo é o do ex-ministro da Saúde do governo Lula, José Gomes Temporão, que participa do documentário com seu depoimento. "Nomes de igual relevância, como Cecília Minayo, Ana Maria Caneschi, Everardo Nunes, Guilherme Franco Neto, Paulo Gadelha, Maria do Carmo Leal, Ana Maria Tambellini, Gastão Wagner de Souza, Reinaldo Guimarães, Paulo Buss, Maria Auxiliadora Oliveira, Sarah Escorel, Jorge Bermudez, Elisabeth Moreira, José Rubens de Alcântara Bonfim, Alba Zaluar, entre vários outros, continuam  ampliando a  reflexão a partir do caminho iniciado pelas teses formuladas nos anos 1960/1970, e das quais Arouca foi um dos protagonistas", assinala Regina. "O Brasil só tem a ganhar com a força das idéias que já duram mais de meio século. Oxalá consigamos garantir as conquistas do SUS e também aperfeiçoá-las, contribuindo para a desmedicalização da vida" conclui.


* Antônio Sérgio da Silva Arouca morreu em 2 de agosto de 2003, aos 62 anos incompletos, vítima de câncer. Em sua homenagem, a XII Conferência Nacional de Saúde passou a chamar-se Conferência Sérgio Arouca.

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