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Coprólitos ajudam a entender o ambiente pré-histórico marinho no Brasil
Vinicius Zepeda
Divulgação |
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No alto, o peixe carnívoro Cladocyclus gardneri no ambiente marinho da época
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À primeira vista pode parecer exótico ou mesmo engraçado tentarmos entender como era a vida e o comportamento de dinossauros e outros animais que habitaram a Terra há milhares de anos pelo estudo de excrementos fossilizados, os chamados coprólitos (
copro= fezes;
lito= petrificado). Entretanto, para a paleontologia, esse material ajuda bastante no estudo da evolução da vida no planeta. Biólogo e professor, o pesquisador da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), Paulo Roberto Figueiredo Souto, que se dedica há anos a pesquisar os coprólitos, explica que, assim como a poluição é a evidência que o ser humano deixa na Terra, os excrementos também são a prova da presença de vida que os animais deixam, e o que é melhor, sem poluir. "Este tipo de material fóssil indica o papel que o animal desempenhava na cadeia alimentar e em que ambiente vivia", complementa Paulo Souto.
Com apoio do Programa de Auxílio à Pesquisa (APQ 1) e com dois alunos bolsista de iniciação científica da FAPERJ, Paulo Souto coordena um projeto que, pela análise de coprólitos do período Cretáceo, está identificando como se alimentava a paleofauna de peixes do Brasil, registrada em sedimentos do Membro Romualdo (Formação Santana) na bacia sedimentar do Araripe – que corresponde atualmente à região da Chapada do Araripe, ao sul do Ceará. "As recentes escavações realizadas na região possibilitaram, até o momento, a coleta de mais de trinta exemplares", explica.
Paulo Souto é coordenador do Laboratório de Interações Biológicas e Ambientais do Instituto de Biociências (Ibio) da UniRio, onde são desenvolvidos os estudos comportamentais através da análise de excrementos fósseis e atuais. "No caso dos coprólitos em estudo, retiramos nódulos de carbonáticos coletados nas escavações de campo, submetemos a cortes e colocamos em lâminas de vidro para analisarmos em microscópio os materiais orgânicos encontrados", explica.
O período geológico em que viviam os peixes estudados corresponde ao tempo logo após a separação do grande continente chamado Gondwana, formado por América do Sul, África, Antártica e Austrália, há cerca de 120 milhões anos. "Durante os períodos Aptiano e Albiano, a região correspondia a um grande lago, com profundidades que alguns pesquisadores estimam em cerca de 120 metros", descreve Souto.
Durante a pesquisa, encontrou-se uma significativa quantidade de amostras – mais de trinta. Um primeiro grupo dessas amostras de excrementos apresentava em média 7 centímetros de espessura e 5 centímetros de comprimento, com presença de restos de animais devorados em seu interior. "As análises realizadas no microscópio de varredura revelaram uma grande quantidade de material orgânico, o que indicava que o tubo digestivo desses peixes predadores era grande e que eles podiam consumir diferentes animais", explica o pesquisador. O fato é que esse material é indicativo da existência de grandes peixes carnívoros do grupo dos Osteichthyes (peixes com ossos), de mandíbulas bem desenvolvidas, entre os quais estão os gêneros Vinctifer comptoni, Calamopleurus cylindricus e Cladocyclus gardneri. "Conforme os achados locais, este último chegava a atingir até um metro e meio de comprimento", explica Paulo Souto.
Divulgação/UniRio |
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Em branco, coprólito com marcas de espiral no centro, que serviram para identificar tubarões do gênero Tribodus limae
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A grande quantidade de fosfato de cálcio presente nesses excrementos é outro indicativo da dieta típica desses carnívoros. "Eram peixes extremamente ágeis e, como foi observado nos coprólitos estudados, alimentavam-se basicamente de peixes de médio porte, invertebrados marinhos, possivelmente pequenos répteis, como filhotes de crocodilo e de tartaruga, e até mesmo pteurossauros que voassem perto da água", afirma Souto.
Um segundo grupo de coprólitos, espiralados e de formas curtas, tinham cerca de sete centímetros de espessura e 8,5 cm de comprimento. O formato em espiral serve para indicar que se tratava de peixes da classe dos Chondrichtyes (sem ossos, cartilaginosos). "O formato de seus excrementos está diretamente ligado a seu tubo intestinal", comenta Paulo Souto. Esse tipo de cropólito aponta para tubarões do gênero Tribodus limae. O biólogo explica que esses tubarões primitivos possuíam espinho na nadadeira dorsal e eram encontrados em várias áreas diferentes. "Essas características permitiram considerar que, juntamente com os peixes com ossos – os chamados Osteichthyes –, eles eram predadores situados no topo da cadeia alimentar de organismos marinhos da época", acrescenta.
O projeto ainda conta com a colaboração do Laboratório de Paleoparasitologia da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), onde é feito a identificação parasitológica, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde se realizam as análises químicas, e da colaboração do Instituto de Biologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) para a realização de fotos por microscopia e para a discussão sobre o comportamento desses animais. "Vale destacar que todas essas informações se somam para que os pesquisadores tenham um conhecimento mais amplo da dinâmica das comunidades marinhas da Bacia do Araripe durante o Cretáceo", conclui.