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Publicado em: 19/12/2013
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Um equídeo chamado hippidion

Vilma Homero    

 

 Divulgação / UniiRio

 

   No detalhe da imagem, pode-se ver o lábio proeminente
      do
 Hippidion. Ao fundo, Equus são vistos pastando

Se voltarmos cerca de 15 mil anos no tempo, veremos, nas Américas do Norte e do Sul, cenários em que vastas extensões de savana predominam na paisagem. Por elas, pastam Equus e seu primo não tão distante, o chamado Hippidion principale, ambos membros da família Equidae. Apesar do parentesco, Equus e Hippidion têm características distintas, que diferem particularmente na alimentação. Enquanto os primeiros pastavam porções de grama, os segundos selecionavam mais seus alimentos, preferindo folhas de galhos de árvores e brotos de plantas. Essa diferenciação alimentar só era possível devido a algumas distinções que chamaram a atenção dos paleontólogos: a anatomia do crânio dos dois animais difere quanto ao posicionamento do osso do nariz, que, no Hippidion, é bem recuado para trás da série molar e situado entre as órbitas, o que lhe conferia um lábio superior bem mais desenvolvido. No Equus, esse mesmo osso posiciona-se à frente da série dentária. Toda essa análise e suas conclusões são tema de artigo recentemente publicado na Acta Palaeontologica Polonica, assinado pelos pesquisadores do programa de pós-graduação em Biodiversidade Neotropical, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), com apoio do Auxílio básico à pesquisa (APQ 1).

"A autora principal do artigo é Camila Bernardes, mestre pelo programa e hoje a maior especialista em paleoecologia de mamíferos do país", elogia Leonardo Avilla, orientador de Camila, coordenador do Laboratório de Mastozoologia, do Departamento de Zoologia, da UniRio. Também participaram do artigo, o próprio Avilla – que esta semana foi eleito um dos novos membros afiliados da vice-presidência regional da Academia Brasileira de Ciências (ABC) –, além dos colaboradores Fernando Sicuro (Uerj) e André Pinheiro. O trabalho partiu do estudo e da revisão de fósseis de diversas coleções das Américas do Sul e do Norte, e da Europa. "Há achados de Hippidion em várias localidades sul-americanas. Fizemos um levantamento a partir deles para traçar as características da espécie", revela Avilla.

Descrito pela primeira vez há cerca de dois séculos, o Hippidion coexistiu com o Equus há até cerca de 12 mil anos. "Desde que foi descrito, ele chamou atenção por ser bem diferente dos atuais cavalos. Então, para descobrir exatamente como ele se parecia e quais eram as suas características, procuramos estudar-lhe a morfologia do crânio, para, a partir daí, inferir as diferenças entre as duas espécies", afirma Avilla. Para isso, os pesquisadores foram à Escola de Veterinária da Universidade Federal Fluminense (UFF) estudar os cavalos atuais. "Pela dissecção da musculatura, pudemos analisar sua posição e função no rostro dos cavalos. Com o reconhecimento dessa anatomia, estudamos o crânio do Hippidion, realizando, pela primeira vez, a reconstrução da musculatura de seu rostro. E constatamos que, pelas diferenças de morfologia, os músculos também têm formato diferente. A partir dessa análise, pudemos reconhecer que, pela disposição dos ossos e pela posição dos músculos, havia esse desenvolvimento avantajado do lábio superior", revela Camila.

Mais do que apenas uma aparência distinta, essa diferença se refletiu em fatores importantes, como respiração e alimentação das duas espécies. "Na comparação, chegamos ao nó nasal recuado dos Hippidion, conferindo-lhes o lábio superior mais desenvolvido do que em seu primo Equus e garantindo-lhes nichos alimentares distintos", explica Avilla. Mas também quer dizer que ambos conviveram pacificamente, sem competir por alimentos. "Espécies aparentadas evitam competição", endossa o pesquisador.

No terreno das semelhanças, com exceção do crânio, Equus e Hippidion são bem parecidos. Com mesmo porte e altura, são animais monodáctilos, ou seja, que se apoiam em um único dedo. Tal como os cavalos atuais, foram animais adaptados à corrida, o que quer dizer que durante a evolução dessas espécies, seus dedos laterais se reduziram até desaparecer, formando apenas um dedo funcional, tanto nas patas traseiras quanto nas dianteiras. Isso lhes permitiu diminuir a área de atrito com o solo, conferindo-lhes energia para o impulso e rapidez.

"A família Equidae teve origem na América do Norte e expandiu sua distribuição para a América do Sul há 2,5 milhões de anos, a partir do soerguimento de terras que fez surgir o istmo do Panamá. Com isso, houve o Grande Intercâmbio Biótico das Américas", afirma o pesquisador, referindo-se às diversas espécies que migraram entre os dois continentes. A família Equidae foi uma delas. Mudanças climáticas dramáticas, no entanto, modificaram inteiramente esse panorama entre 10 e 11 mil anos atrás. "Com a grande elevação das temperaturas e também dos níveis de umidade que se seguiu, as savanas foram gradativamente dando lugar a florestas densas. Como consequência, e como eram animais de corrida, Equus e Hippidion tiveram seu espaço limitado. Essas mudanças reduziram drasticamente o ambiente natural e os alimentos das duas espécies, levando-as à extinção, tanto na América do Norte quanto na do Sul." Sobraram apenas cavalos, asnos e zebras na Ásia e na África, remanescentes que, trazidos pelos europeus, são os que voltaram a repovoar as Américas; no Sul, eles vieram com os espanhóis, enquanto os do Norte foram levados pelos ingleses, durante o período de colonização. "Isso quer dizer que os cavalos que temos atualmente não descendem de Equus e Hippidion que originalmente habitaram a América, mas das espécies asiáticas e africanas", explica Avilla.

 Divulgação
 
 Reconstrução paleoartística da musculatura rostral do
Hippidion, em que se destaca seu lábio superior avantajado     
Os pesquisadores agora também querem entender como eles se extinguiram. "Acreditamos que além das modificações do ambiente a partir do último período glacial – ocorrido há 18 mil anos –, outros fatores contribuíram para essa extinção." A maioria dos autores acha que o terceiro fator seria a ação do homem, cuja chegada à América do Sul coincide com desaparecimento dos Equidae. "Nos achados de países, como Chile, Venezuela e Argentina, é comum encontrar restos alimentares humanos que incluem ossadas de Equus e Hippidion. Isso nos leva a crer que houve uma sinergia de vários fatores: mudança dos ambientes pelas alterações climáticas, chegada do homem e redução de alimentos. Estamos tentando entender como se formou o quadro total."

Não foram apenas os membros da família Equidae a desaparecerem. As mesmas condições adversas fizeram sumir do planeta o tigre dentes-de-sabre, a preguiça gigante, os mastodontes e os gliptodontes, os assim chamados parentes gigantes do tatu, entre várias outras espécies. "Em compensação, sobreviveram inúmeras outras, que são as que habitam as Américas ainda hoje", resume Avilla.

Ele acrescenta que Camila Bernardes cursou o mestrado na primeira turma do programa de pós-graduação em Biodiversidade Neotropical. Com apenas três anos de existência, e diferente da maior parte dos demais programas de pós-graduação fluminenses, envolve zoologia, paleontologia, botânica e ecologia num mesmo curso. "As inscrições encontram-se abertas e, logo, teremos seleção para as próximas turmas", conclui.

 

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