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Publicado em: 13/03/2015
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O Rio de Janeiro da Belle Époque é retratado em vídeos-documentários para estudantes

Danielle Kiffer

Cortiços da Rua do Senado: moradias mais populares foram demolidas para o embelezamento da cidade
(Foto: Augusto Malta - Acervo/MIS-RJ)

A Belle Époque, que se iniciou no Brasil no final do século XIX, foi um período em que a cidade do Rio de Janeiro, então capital federal do Brasil, passava por intensas modificações urbanas, culturais e sociais. Para se ter uma ideia das mudanças vividas pela cidade nesse período – entre os anos 1889 e 1930–, foi construída a Avenida Central, atual Rio Branco, no contexto do famoso “bota-abaixo” realizado pelo engenheiro e prefeito Pereira Passos. Naquele momento, também começaram as preocupações com as questões sociais e trabalhistas e a reforma sanitária promovida por Oswaldo Cruz. “Todas essas modificações foram fundamentais na construção da cidade. Olhar para o passado é compreender e preservar a memória do Rio de Janeiro, pois, como afirma o historiador francês Jacques Le Goff, a memória é essencial para a construção da identidade, individual ou coletiva”, explica Renilda Barreto, historiadora e professora do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet-RJ).

Segundo Renilda, essa fase na trajetória da cidade não é tão explorada nos currículos escolares. Por isso, a historiadora resolveu desenvolver o projeto O Rio de Janeiro da Belle Époque: ciência, lazer e educação, que tem por objetivo contar a história dessa época do Rio em vídeos-documentários produzidos no Cefet. Os curtas-metragens – disponíveis on-line, no YouTube, na conta do Laboratório de História do Cefet: https://www.youtube.com/playlist?list=PL47eoQ3wUx8b3ngbk9IBbiLsHNRWHoBsq são apresentados por professores de diversas áreas e universidades, que contribuíram para os filmes com informações resultantes das suas pesquisas. “Esse estudo foi criado especialmente para que alunos do ensino fundamental e médio e professores tenham acesso à história do Rio de Janeiro. Além dos temas razoavelmente conhecidos, como a reforma urbana da cidade, também retratamos nos vídeos as histórias das instituições de assistência, lazer e educação, tais como orfanatos, maternidades, hospitais, escolas públicas, cinema, artes, entre outros”, diz. O projeto recebeu subsídios da FAPERJ por meio do edital Apoio à Difusão e Popularização da Ciência e Tecnologia no Estado do Rio de Janeiro.

A Avenida Central, atual Rio Branco, na altura da
Cinelândia:
 cidade foi transformada aos moldes
 
europeus (Foto: Augusto Malta - Acervo/MIS-RJ)

Os vídeos-documentários são divididos em três blocos: ciência, lazer e educação. O bloco de ciência traz, igualmente, três temas: maternidades, pobreza urbana e a história do Instituto de Proteção e Assistência à Infância (Ipai), criado em 1899 pelo médico Arthur Moncorvo Filho (1871-1944). Por sua vez, o bloco de lazer foi dividido em artes, cinema e futebol. E o de educação, nos temas positivismo, a escola de artes e ofícios Wenceslau Braz, e o Colégio Pedro II da Belle Époque. Os vídeos têm de sete a 10 minutos e, além de analisar questões sobre o Rio de Janeiro da Belle Époque sob esses diferentes prismas, mostram diversas imagens daquela época. “As fotografias ilustram os documentários, para que os estudantes, professores e as pessoas interessadas em se aprofundar no assunto possam não só obter informações, mas também visualizar a estética de uma cidade em transformação”, conta Renilda. A filmagem, edição e escolha da trilha sonora foi realizada por bolsistas e cerca de 18 estudantes do ensino técnico do Cefet-RJ e por bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 

Algumas curiosidades interessantes sobre o passado da cidade são apresentadas nos vídeos. Um exemplo é o documentário que fala sobre o Colégio Pedro II. O professor Ilton José Jornada, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), narra no filme a história da instituição, fundada em 2 de dezembro de 1837, no dia do aniversário do imperador homônimo, que era o patrono colégio. Uma das atividades rotineiras do imperador, a de visitar semanalmente o colégio, deixou uma importante relíquia na instituição, preservada até hoje: o sino, localizado no pátio, que era tocado toda vez que Dom Pedro II chegava, para anunciar sua presença. Fora essa lembrança, a história do colégio acompanhou o desenvolvimento político e social do Rio de Janeiro. “O imperador dedicou-se durante toda a sua vida a cuidar do Colégio Pedro II e essa proximidade com o poder fez com que a instituição de ensino vivesse, ao longo do tempo, todas as vicissitudes políticas, todos os conflitos do governo imperial e, posteriormente, do governo da república”, conta Jornada.

A moda e os costumes da sociedade, durante
a
Belle Époque também se modificaram,
acompanhando a transformação estética
vivida pela cidade 
(Foto: Acervo/MIS-RJ)

De acordo com o professor, o colégio, inspirado nos liceus franceses da época, foi o primeiro estabelecimento de educação no Brasil a instituir o sistema de ensino dividido em séries, dando ênfase às humanidades, compostas por letras clássicas, poesia, retórica e filosofia. O colégio foi criado para ser o padrão das futuras escolas do ensino secundário, não era gratuito e atendia aos filhos da classe mais abastada. Seu objetivo era formar a elite política e administrativa de um estado que estava em formação e que pretendia continuar um modelo europeu de civilização. Todos os professores contratados para lecionar na instituição de ensino pertenciam à boa sociedade da época – forma como era chamada a elite politica e econômica do império. Esse corpo docente era formado por engenheiros, médicos e religiosos que foram para o Pedro II difundir a cultura de uma elite dominante. “Ao finalizar o curso no colégio, o estudante recebia o titulo de bacharel em letras, o que dava entrada direta nos cursos superiores do império: medicina, engenharia e direito.”

Contudo, com o início da República, o colégio passou a ser mais inclusivo, abrindo suas portas para estudantes internos e externos de várias classes sociais, oferecendo gratuidade, material, uniforme e acolhimento. “Dessa forma, de preparador de uma classe privilegiada política e economicamente, o colégio passa a moldar as bases de uma elite intelectual”, pondera o professor. Entre as personalidades que estudaram no Pedro II, estão os ex-presidentes do Brasil Rodrigues Alves, Washington Luís e Hermes da Fonseca e os escritores Pedro Nava, Euclides da Cunha e Lima Barreto.

A historiadora Renilda Barreto apresenta,
em Portugal, o 
projeto na Universidade
Nova de Lisboa 
(Foto: Divulgação) 

A parte cultural do Rio de Janeiro na Belle Époque também é retratada no documentário. Antônio Júnior, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), que apresenta o bloco sobre artes, destaca o aparecimento de diferentes revistas semanais ilustradas que retratavam o cotidiano e a sociedade carioca, além do trabalho do fotógrafo Augusto Malta. “Desde 1903, Malta fotografou incessantemente o Rio de Janeiro, retratando todas as regiões da cidade, desde a área central, a mais importante, até todas as outras áreas periféricas, incluindo a zona sul e os bairros que se estendem por São Cristóvão, Tijuca, Grajaú, Muda, Usina”, conta Júnior. Segundo o professor, Malta foi contratado para fotografar os empreendimentos que estavam sendo feitos pela prefeitura e pelo governo federal. “Dessa forma, seu trabalho se tornou muito importante, porque ele registrou todas as modificações por que o Rio passou na época, fazendo uma espécie de dossiê visual da cidade.”

Já o professor Rafael Freire, da UFF, conta no filme que o cinema chegou ao Rio em 1896, e a primeira exibição aconteceu na Rua do Ouvidor, então principal avenida da cidade, que era um local central, perto do porto, de onde chegavam as novidades vindas da Europa. Nessa época, as sessões de cinema, que tinham cerca de um a dois minutos, eram intercaladas por espetáculos de canções, de dança e de mágica. As salas de cinema eram improvisadas, temporárias e itinerantes, circulando por cidades de todo o País. A primeira sala fixa de sessões cinematográficas inaugurada na cidade foi denominada Salão de Novidades Paris no Rio, em alusão à influência europeia na cidade.

Entre os integrantes do projeto, estão os professores e pesquisadores Gisele Sanglard, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); Martha Freire, da UFF; Renato Fernandez e Tereza Fachada, do Cefet-RJ; Luiz Ferreira, da Uerj e Fiocruz; Ricardo Meirelles, que também é diretor do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (Iede). Além da divulgação na internet, Renilda também produziu CDs com os vídeo-documentários para distribuir em bibliotecas, espaços públicos e instituições de ensino. “O objetivo é que o maior número de pessoas tenha acesso a essas informações”, diz a historiadora. O trabalho tem repercutido positivamente. Recentemente, Renilda e equipe apresentaram o projeto em Portugal, no Congresso Luso-Afro-Brasileiro na Universidade Nova de Lisboa.

Também contribuíram com os vídeos, cedendo imagens fotográficas da época, o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS); a Biblioteca Nacional (BN); o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (AGCRJ); o arquivo histórico do Cefet-RJ; o arquivo da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz; o núcleo de documentação do Colégio Pedro II; a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e a família de Eliseu Visconti.

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