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Publicado em: 03/06/2015
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Testemunha de um continente partido

Débora Motta

 Do tamanho de um beija-flor, a ave da família
 Enantiornithes provavelmente conviveu com
 os dinossauros
 (Arte: Deverson Pepi) 

O fóssil de uma pequena ave que viveu durante o período Cretáceo Inferior e provavelmente testemunhou a separação do antigo continente de Gondwana, há cerca de 115 milhões de anos, foi encontrado em excelente estado de conservação na Bacia do Araripe, no Ceará. A descoberta foi divulgada nesta terça-feira, dia 2 de junho, em artigo publicado na renomada revista internacional Nature Communications, do Grupo Nature, assinado pelos pesquisadores brasileiros Ismar de Souza Carvalho (Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ), Francisco I. Freitas (Geopark Araripe) e José A. Andrade (Departamento Nacional de Produção Mineral – DPMN); e pelos argentinos Fernando E. Novas (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas – Conicet e Museu Argentino de Ciências Naturais Bernardino Rivadavia); Marcelo P. Isasi e Federico L. Agnolín (ambos do Conicet e da Fundação de História Natural Félix de Azara).  

A ave, que pertence à família Enantiornithes, conheceu de perto grandes transformações ambientais. Em teoria esboçada no início do século XX, pelo geólogo Alfred Wegener, no princípio, havia um supercontinente, a Pangeia, que começou a se fragmentar há cerca de 200 milhões de anos. A primeira divisão deixou uma massa de terra ao norte, a Laurásia, e outra ao sul, chamada de Gondwana. Depois, outras separações e choques de placas foram dando contornos aos atuais continentes. A derivação dessas terras na crosta terrestre ao longo do tempo delineou o mapa-múndi atual. Assim, Gondwana foi um dos dois supercontinentes que, junto a Laurásia, agrupou toda a massa terrestre, e se dividiu em novos blocos: Gondwana Leste (as atuais Antártica, Índia, Madagascar e Austrália) e Gondwana Oeste (América do Sul e África).

“Ela viveu exatamente nos primeiros momentos da separação entre a América do Sul e a África, que posteriormente deu espaço ao surgimento do oceano Atlântico. O continente de Gondwana existiu durante milhões de anos e começou a se desagregar justo na região onde hoje está situada a Bacia do Araripe, que na época era um grande lago, no local onde foi encontrado o fóssil”, contextualizou Carvalho, que é Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ, e diretor do Instituto de Geociências da UFRJ.

Reconstituição artística mostra como seria
a ave encontrada fossilizada na Bacia do 
Araripe, no Ceará (Arte: Gabriel Lio)

De acordo com Ismar, uma das características que tornam o fóssil especial é o seu excelente estado de conservação – favorecido pelo carbonato de cálcio presente no lago e pelo clima quente e seco. “A ave é o registro mais completo de todo o antigo supercontinente de Gondwana. O fóssil foi encontrado em uma rocha, no sítio paleontológico do Araripe, formada em Gondwana”, destacou o geólogo. “Quase sempre os fósseis são encontrados com o esqueleto desarticulado. Nesse caso, tivemos a sorte de encontrar os ossos completos e até detalhes das penas e plumas preservadas no corpo da ave. As aves da era mesozoica, do Gondwana, são principalmente conhecidas pelo estudo de fósseis mal preservados, os quais geralmente não têm detalhes completos da anatomia e de como eram suas penas”, completou.

Exemplares de fósseis de Enantiornithes em bom estado de preservação só foram encontrados até o momento no Nordeste da China. “A ave é a primeira desse tipo, de cauda longa, a ser encontrada em toda a América do Sul e pode ser considerada o fóssil de ave mais antigo do Brasil”, completou Carvalho. Por estar bem preservado, ele pode ajudar os pesquisadores a desvendar aspectos ainda desconhecidos da evolução dessas aves na América do Sul. “O fóssil tem esqueleto muito bem preservado, com ossos cranianos; maxilar com pequenos alvéolos, que indicam a existência de dentes; asas; membros posteriores; parte da coluna vertebral; cinturas escapular e pélvica; e duas longas penas na cauda, que ainda apresentam traços das cores originais”, descreveu.

Resquícios de uma longa cauda

Com o tamanho parecido ao de um beija-flor, a ave tinha ao todo 14 cm de comprimento, com uma longa cauda, formada por apenas duas penas, cada uma com 8 cm, e cerca de 6 cm de esqueleto. “Podemos dizer que o objetivo dessa longa cauda, que tinha penas bem mais duras do que as penas das asas, não era propriamente o de voar. A cauda poderia ter as funções de estímulo sexual, por chamar a atenção na hora da escolha do parceiro, e de comunicação visual, pois ajudava no reconhecimento entre as aves da mesma espécie na natureza”, disse Carvalho.

Detalhe do fóssil: o estado de ótima conservação
da ave é um diferencial para os cientistas
(Foto: Ismar Carvalho/UFRJ) 

O geólogo conta que a ave parece ter morrido em idade jovem e conviveu com os grandes répteis que habitaram o planeta no período Cretáceo – incluindo os dinossauros, que só foram extintos depois, há cerca de 66 milhões de anos. “Provavelmente, essa ave voava em bando sobre as cabeças dos dinossauros”, disse o geólogo da UFRJ. “Ela se alimentava de pequenos insetos e frutos”, acrescentou.

Para o pesquisador argentino Fernando Novas, que já trabalhou em outros projetos em parceria com Carvalho, a pesquisa tem o mérito de reunir os esforços de pesquisadores sul-americanos. “Estou contente pela realização desse trabalho coletivo entre cientistas brasileiros e argentinos, o que reforça os laços de cooperação científica entre os dois países”, destacou Novas. “Agora sabemos que também na América do Sul, não só na China, viveram aves desse tipo, com caudas de penas longas. O mais antigo exemplar de ave da família Enantiornithes encontrado na China tem 130 milhões de anos, e o nosso, do Araripe, tem 115 milhões, o que nos coloca em um patamar de igual importância paleontológica e pode contribuir para conhecermos melhor a evolução da estrutura das penas nessas aves”, concluiu.

A coleta do fóssil foi realizada por acaso, em 2011, por operários da construção civil que trabalhavam em escavações de rochas localizadas nas proximidades do município de Nova Olinda, no Ceará. A pesquisa recebeu o apoio da FAPERJ, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Conicet, da Fundação Coordenação de Projetos, Pesquisas e Estudos Tecnológicos (Coppetec/UFRJ), do Geopark Araripe, do DNPM e da Fundação de História Natural Félix de Azara.

Sobre a Bacia do Araripe

Exploração de rochas da Bacia do Araripe: local 
é um celeiro de descobertas paleontológicas
(Foto: Ismar Carvalho/UFRJ)

A Bacia do Araripe é considerada a maior bacia sedimentar do interior do Nordeste brasileiro. Inserida no sertão, ela se estende pelo extremo sul do Ceará, noroeste do Pernambuco e leste do Piauí. Tem como principal destaque, em relação ao relevo, a Chapada do Araripe. O registro geológico da região revela capítulos importantes da evolução da história da Terra.  Os depósitos sedimentares da Bacia do Araripe preservam grande diversidade de rochas, como os calcários, argilitos, arenitos e espessos depósitos de gipsita – registros dos ambientes geológicos que existiram nessa região.

Essa bacia preservou, de forma excepcional, abundantes registros fossilíferos da vida existente nessa época, como peixes, artrópodes, restos de pterossauros, tartarugas e crocodilomorfos, assim como folhas e outros fragmentos vegetais e troncos fossilizados. A preservação desta vasta riqueza de fósseis da região foi propiciada por condições singulares durante a evolução geológica da Bacia do Araripe.

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