Edson Watanabe*
Um pensamento comum entre as pessoas é que energia elétrica (EE) é algo que simplesmente sai da tomada e é infinita. Mas como essa não é a realidade, pelo menos dois princípios básicos precisam ser reafirmados. Primeiro, para se consumir EE, esta precisa estar sendo gerada em algum lugar e no mesmo instante. Segundo, toda a parafernália necessária para fazer essa energia chegar a uma tomada envolve muita engenharia e pelo menos uma fonte de energia, seja hidráulica, térmica, nuclear, eólica ou solar.
O consumo de EE é crescente nos países em desenvolvimento, como o Brasil, o que torna necessário e premente conscientizar os usuários a reduzi-lo para ajudar a equilibrar consumo e geração. Esse equilíbrio com redução é fundamental para que possamos viver em um mundo que reduza a demanda por geração de energia e investimentos, que são escassos, com menos poluição e menos impacto ambiental. No intuito de contribuir, compartilho a seguir alguns conceitos básicos para o uso da EE que pode ser aplicado, em muitos casos, sem perda de qualidade de vida e sem desperdícios.
Para começar,é importante entender a unidade que usamos para medir o consumo de EE. De fato, o que consumimos são comprados em diferentes unidades. Tomates e batatas, por exemplo, são comprados por quilograma. Temos uma boa noção de quanto é um quilo de batata ou tomates, que quase cabem em duas mãos.
A conta de luz é paga com base na unidade quilowatt-hora (kWh), que é usada para medir a energia consumida. Para se ter uma ideia, um kWh equivale à energia de levar mil vezes 10 kg até o 12º andar de um prédio (36 metros). Na minha casa, por exemplo, o consumo de energia é de 10 kWh/ dia. Conclusão: uso muito mais energia do que sou capaz de gerar com esforço próprio. Esse é um bom indicativo de que devemos refletir sobre a energia antes de usá-la indiscriminadamente.
Quanto de EE precisamos
Uma dúvida que vale a pena ser comentada é: quanto o Brasil necessita de EE para crescer? Vou fazer uma conta simples. Imaginemos que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) desse certo e a economia do Brasil crescesse aos previstos e modestos 5% ao ano. Nesse caso, é possível estimar que o sistema elétrico brasileiro cresceria cerca de 7% ao ano, aproximadamente, ou seja, um pouco mais que o crescimento da economia. Isso significa que o país precisaria dobrar a capacidade de geração dos atuais 130 GW para 260 GW, em apenas 10 anos.
Muitos devem se lembrar da longa discussão que envolveu a construção das usinas hidrelétricas do rio Madeira, para gerar um total de pouco mais de 6 GW, e de Belo Monte: foram mais de 30 anos de debate para gerar 11 GW. Somadas, representam cerca de 17 GW e serão necessários vários anos para concluí-las. Isso sem falar que esses são valores de pico, ou seja, durante o período das secas, esses valores caem muito. Para se chegar aos 130 GW, falta muito. Temos outras usinas em construção ou a serem construídas, cuja capacidade total chega próximo a 30 GW. Temos ainda as usinas eólicas, mas todas somadas não chegam a 50 GW: ainda faltam 80 GW. Uma opção seria complementar com usinas térmicas (poluentes) ou nucleares. Mas, a falta é grande.
Na prática, a economia tem crescido menos que 5% ao ano, e por isso o baixo crescimento da geração de EE não tem comprometido esse crescimento econômico. Por outro lado, esses baixos crescimentos não ajudam a resolver os problemas sociais do país. Se usarmos EE de forma consciente, o que economizarmos poderia ser empregado para fomentar o crescimento da economia.
Ar-condicionado: o grande vilão
Quando estudei no Japão, uma lei de 1979 estabeleceu que, no verão, nos meses de julho e agosto, a refrigeração dos prédios públicos teria um limite inferior de 28ºC, e no inverno, teria o limite superior para aquecimento de 19º C. Em 2012, após o acidente na usina nuclear de Fukushima, o limite de 28oC foi estendido para o período de maio a setembro. O objetivo dessa lei foi conciliar economia de energia e conforto da população. Não precisamos ser tão rígidos quanto os japoneses, mas refrigerar, em dias quentes, até 25º a 26º C já seria uma boa ajuda na economia de EE. Refrigerar no verão, a 20o C, e usar casaco é desperdício total e falta de consciência.
De maio a setembro, o governo japonês dispensou o uso de paletó e gravata, um hábito europeu que eleva a sensação térmica em cerca 3ºC e, consequentemente, aumenta o consumo de EE desnecessariamente. Em 2012, constatei junto ao Operador Nacional do Sistema (ONS) que, quando a temperatura no Rio de Janeiro sobe de 28o para 30o C, o consumo cresce cerca de mil MW (hoje deve crescer mais), o que equivale praticamente a geração da usina nuclear de Angra II.
Em Portugal vi outro exemplo interessante. Por meio de um cartaz fixado no apartamento, um hotel em Lisboa orienta seus hóspedes da seguinte forma: se estiver calor, abra a janela: consumo zero de energia; se ainda estiver calor, ligue o ventilador: consumo 40 W; se ainda assim estiver calor, feche a janela e ligue o ar-condicionado: consumo 1600 W. Use o termostato. Economize!
É importante conscientizar o usuário como cresce a escala de consumo de energia: zero para a janela, 40 W para o ventilador e 1600 W para o aparelho de ar-condicionado, que é um dos grandes vilões do consumo de energia elétrica.
China e Holanda
Nos últimos 30 anos, a China tem crescido a taxas “chinesas”, ou seja, em ritmo acelerado. Para isso, precisam aumentar a geração de EE o equivalente a cerca de “um Brasil” por ano. Tudo que construímos durante décadas em termos de sistema elétrico, eles constroem em um ano. E usam carvão como principal fonte de energia. Em 2011, estive em Beijing e tirei fotos de locais memoráveis, mas nenhuma delas exibia um céu azul (que ainda temos por aqui) devido à poluição provocada pela geração de energia a base de carvão. Quem vai limpar esse ar? Recentemente, foi noticiado que a China gasta US$1 bilhão de dólar por dia por conta dessa poluição!
Normalmente, há uma correlação entre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o consumo per capita de energia. Essa correlação se faz presente na Noruega, líder mundial em IDH e com o segundo maior consumo per capita de energia. No Brasil, o consumo per capita de energia elétrica ainda é muito baixo, apesar de haver muito desperdício, falta de conscientização e necessidade de investimentos em eficiência energética. Em termos de consumo de energia elétrica per capita, nosso país está além da 70a posição no mundo, e, no ranking de IDH, aparece em 73º lugar.
Talvez a resposta que procuramos esteja com a Holanda, que é a quinta colocada em IDH, mas em consumo per capita de energia encontra-se no 32º lugar. O país consegue equilibrar um bom IDH sem gastar muita EE.
Custo de energia e consumo consciente
Em alguns casos, é importante conhecer o custo da energia ao longo do dia. Nas residências esse custo é constante durante todo o dia, mas em universidades, comércio e indústrias, dependendo do contrato com a concessionária de EE, pode-se pagar muito mais por kWh em certos horários do dia. Essa faixa de horário, que no Rio de Janeiro vai das 17 às 20 horas, é conhecida como horário da ponta. Para economizar, é necessário reduzir o consumo nesse horário, programando, por exemplo, o uso de equipamentos eletrointensivos para outros horários do dia.
A conscientização é um passo importante na busca pelo equilíbrio. No Brasil, em épocas de chuva abundante, cerca de 80% de nossa EE vem de usinas hidrelétricas. Somos um país abençoado e bastante “verde”. No entanto, para cada Watt (unidade de potência) consumido são necessários, em média, cerca de 1 m² de área inundada de represa para essa geração. Uma vez alertei uma amiga que tinha um boiler de 8 kW de potência, de que eram necessários 8 mil metros quadrados de área inundada em algum lugar para atender a esta carga. E que não seria difícil imaginar quantas árvores teriam sido derrubadas para atendê-la. Depois disso, ela parou de usar o boiler e passou a usar aquecimento por gás. Aí, alertei que ela estava gerando gases de efeito estufa. O ideal seria o aquecimento solar, sempre que possível.
É fundamental substituir dispositivos ineficientes como lâmpadas incandescentes ou fluorescentes por lâmpadas LED, buscar usar equipamentos mais eficientes, por exemplo, ar-condicionado com inversores (custo inicial maior, embora mais econômicos) e apoiar todas as formas de geração renovável como solar ou eólica.
Professor titular e diretor da Coppe/UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro), Edson Watanabe é doutor em Engenharia Elétrica pelo Tokyo Institute of Technology, Japão (1981). Pesquisador nível 1A do CNPq, membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e Fellow do Institute of Electrical and Electronic Engineers (IEEE), foi admitido na Ordem Nacional do Mérito Científico no Grau de Comendador (2005) e recebeu o Nari Hingorani IEEE PES FACTS Award (2013). |
*Reportagem originalmente publicada em Rio Pesquisa, Ano IX, Nº 37 (Junho de 2016)
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