Débora Motta
Reconstituição artística do dinossauro Aeolosaurini, encontrado no Morro do Cambambe (MT). Pesquisadores analisaram detalhes da costela do animal, que revelaram que ele teve pneumonia (Arte: Maurilio Oliveira) |
A pneumonia, doença respiratória comum hoje, em tempos da pandemia causada pelo novo coronavírus, curiosamente também afetava os dinossauros, muito antes da existência do Homo sapiens. Estudo coordenado por pesquisadores do Museu Nacional, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), relata pela primeira vez a ocorrência de pneumonia em um dinossauro herbívoro Aeolosaurini, grupo extinto de titanossauros. Com aproximadamente cinco metros de comprimento corporal e 2,5 metros de altura, o animal viveu entre 71 e 66 milhões de anos atrás, no período Cretáceo, e foi encontrado no Morro do Cambambe, no Mato Grosso. O estudo teve como desdobramento a publicação recente de um artigo na revista científica internacional Spanish Journal of Palaeontology, disponível aqui. Os autores do trabalho são Arthur Brum, Kamila Bandeira, Borja Holgado, Lucy Souza, Rodrigo Pêgas, Juliana Sayão, Diogenes Campos e Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional e bolsista da FAPERJ, por meio do programa Cientista do Nosso Estado.
O acesso ao fóssil para a pesquisa tornou-se possível graças ao trabalho de curadoria realizado pelo professor Diogenes Campos, no Museu de Ciências da Terra – Serviço Geológico do Brasil (CPRM), na Urca. O fóssil foi encontrado nos anos 1950 no Morro do Cambambe por um dos pais da Paleontologia brasileira, Llewellyn Ivor Price, e desde então foi armazenado no Museu de Ciências da Terra, e preservado em bom estado. Além de ser parceiro no projeto, Diogenes também foi coorientador do professor Kellner, durante seu mestrado em Geologia na UFRJ, o que mostra a importância da cooperação científica no longo prazo, entre diversas gerações. "Estamos apoiados sobre os ombros de gigantes”, destacou Brum, primeiro autor do trabalho. Atualmente cursando o Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Zoologia do Museu Nacional, ele teve seu primeiro contato com o universo da Paleontologia de Vertebrados durante o Ensino Médio, quando foi bolsista de Iniciação Científica da FAPERJ pelo Programa de Iniciação Júnior promovido pelo Museu Nacional e o Colégio Pedro II.
Esquema indica, em vermelho, a calosidade óssea formada sobre a costela do dinossauro, que ajudou os pesquisadores a detectarem a ocorrência de pneumonia (Arte: Divulgação) |
A partir da observação de um calombo ósseo irregular em uma costela dorsal, foram realizadas uma série de técnicas de microscopia para investigar esses ossos, no laboratório de Petrografia e Laminação do Museu Nacional. “Começamos a descrever esse material na época em que eu estava no mestrado, entre 2016 e 2018, sob a coorientação de Juliana Sayão e a orientação de Kellner. Utilizamos técnicas da Paleohistologia para analisar os ossos em detalhes”, explicou Brum. “Ao analisar o calombo ósseo, bem vascularizado, notamos que sua microestrutura era semelhante aos casos de infecção óssea por pneumonia em aves, répteis marinhos e seres humanos. Como ele estava localizado na região interna da parede torácica em uma cavidade pneumática, foi possível diagnosticar que o animal sofria de pneumonia na hora de sua morte. Não podemos afirmar que essa doença tenha sido necessariamente a causa mortis, mas se não foi, pode ter fragilizado o animal para o desenvolvimento de outra doença fatal”, completou o pesquisador.
Kellner destaca que a descoberta da ocorrência de pneumonia em dinossauros abre novas perspectivas para a investigação da vida na Terra naquela época. “Saber que os dinossauros tinham pneumonia revela detalhes não apenas sobre o metabolismo dos titanossauros, mas sobre a evolução da doença em vários grupos de vertebrados e sobre como ela se comporta hoje. Com a análise óssea de apenas um exemplar, não podemos afirmar que houve uma pandemia naquela época, como a que enfrentamos hoje diante do coronavírus, mas é interessante notar que algumas teorias consideram os vírus como a forma mais primária da vida terrestre e saber que identificamos uma patologia em um animal extinto”, afirmou. “Essa é uma pesquisa realizada com poucos recursos, apenas com bolsas de estudo, e que traz desdobramentos importantes. O Brasil tem enorme potencial de descobertas e há necessidade de investimentos constantes em pesquisa. Só se consegue produzir Ciência de qualidade com incentivos regulares”, completou o diretor do Museu Nacional.
“A ocorrência de pneumonia, no Cretáceo, havia sido descrita na literatura científica apenas em mosassauros marinhos, répteis com nadadeiras considerados os principais predadores dos oceanos dessa época, em 2011, em artigo publicado por um grupo de pesquisadores da Polônia e dos Estados Unidos”, contextualizou Brum. Ele ressaltou a importância da publicação do artigo na Spanish Journal of Palaeontology. “Essa revista é open access, aberta, e isso permite com que as ideias se difundam melhor na comunidade científica”, concluiu. O trabalho envolveu ainda a colaboração interinstitucional de pesquisadores do Museu da Amazônia, da Universidade Federal do ABC e do Institut Català de Paleontologia Miguel Crusafont, da Espanha.
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