Débora Motta
Mulheres nas trincheiras da Ciência: a partir do alto, à esq., em sentido horário: a diretora Científica da FAPERJ, Eliete Bouskela; Letícia Oliveira; a reitora da Uezo, Luanda Moraes; e Alessandra Filardy (Fotos: Divulgação) |
Reafirmando o compromisso global com a busca pela igualdade de gênero, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu em 2015 a data de 11 de fevereiro como o Dia Internacional das Meninas e Mulheres na Ciência. A presença feminina na pesquisa e no meio acadêmico, apesar de crescente, ainda é marcada por diversos desafios, como a menor representatividade delas nos cargos de liderança, diferenças salariais, menor participação nas carreiras das áreas Exatas e Tecnológicas e a dificuldade de conciliar as tarefas domésticas e o trabalho fora de casa. Nesse contexto, a FAPERJ inovou ao lançar, em maio de 2021, a primeira edição de um edital voltado exclusivamente para essa questão, o Programa Meninas e Mulheres nas Ciências Exatas e da Terra, Engenharias e Computação. Nos últimos cinco anos, houve ainda um crescimento no número de bolsas e auxílios concedidos às pesquisadoras pela Fundação, passando de 4.160, em 2017, para 5.748, em 2021.
Primeira mulher a ocupar o cargo de diretora Científica da FAPERJ, Eliete Bouskela, que é médica e professora titular na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), adiantou que a Fundação deve lançar neste primeiro semestre uma nova edição do Programa Meninas e Mulheres nas Ciências Exatas e da Terra, Engenharias e Computação. Esse edital foi planejado para apoiar a participação feminina em áreas em que tradicionalmente a presença masculina ocorre com mais frequência. “Ainda há na sociedade a visão de que existem profissões de mulher e de homem, como na Ciência e nos esportes. Vamos incentivar as meninas a acreditarem que ser cientista também é coisa de mulher”, disse. Vale lembrar que, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), hoje, menos de 30% dos pesquisadores em todo o mundo são mulheres, e apenas cerca de 30% de todas as alunas escolhem no ensino superior áreas relacionadas à Ciência, Tecnologia, Engenharias e Matemática.
Ela acredita que a postura de empoderamento feminino é fundamental para que ocorram mais avanços na questão da igualdade de gênero. “Hoje, as mulheres estão mais conscientes de que existe, sim, discriminação, o que não ocorria tanto nas gerações anteriores, das nossas avós. Há o avanço do empoderamento, mais coragem para denunciar casos de assédio, por exemplo. O telhado de vidro sempre existiu e atualmente há mais coragem de se falar nesse assunto”, refletiu. Eliete citou, entre as protagonistas femininas do nosso tempo no meio acadêmico, a primeira reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Pires de Carvalho, a primeira reitora do Centro Universitário Estadual da Zona Oeste (Uezo), Luanda de Moraes, e a professora Nilcéia Freire (1953-2019), que se tonou reitora da Uerj em 2019, tendo sido a primeira mulher a ocupar essa posição em uma universidade pública no estado do Rio de Janeiro.
A reitora da Uezo ressaltou a atuação das mulheres pesquisadoras durante a pandemia causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2). “Podemos citar pesquisadoras como Jaqueline Goes de Jesus, jovem doutora formada na Federal da Bahia que em apenas 48 horas após o primeiro caso de Covid-19 no Brasil sequenciou o primeiro genoma do vírus SARS-CoV-2, em março de 2020, num momento de enorme tristeza e crise mundial. Outros exemplos de mulheres nas ciências estão em alta. Também a pesquisadora da Universidade de Brasília que desenvolveu máscara de proteção contra Covid-19, e muitas outras desenvolvendo estudos sobre diferentes impactos da doença na vida de diversos grupos sociais”, apontou Luanda. Nesse cenário, um levantamento realizado pelo Movimento Parent In Science apontou que, durante a pandemia, as mulheres pesquisadoras – negras (com ou sem filhos) e brancas com filhos (principalmente com idade até 12 anos) – tiveram sua produtividade acadêmica mais afetada que os seus colegas homens (leia o estudo aqui).
Luanda espera que o século XXI seja realmente o século das mulheres. “Acredito que a ciência feita pelas mãos de mulheres, com sua sensibilidade e humanismo arrojados, será capaz de conjugar as produções científicas, nas diferentes áreas do conhecimento, visando a melhoria da qualidade de vida, o desenvolvimento social e o combate às desigualdades”, disse. Ela é graduada em Engenharia Química pela UFRRJ e doutora pelo Instituto de Macromoléculas da UFRJ e, na Uezo, coordena o grupo de pesquisa em síntese e reciclagem de polímeros de Engenharia, utilizados na produção de energia renovável ou no aproveitamento de rejeitos de produção de plásticos reforçados com fibra de vidro.
A neurocientista Letícia Oliveira, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), é componente do núcleo central do Movimento Parent in Science no Brasil, que tem entre seus objetivos a redução dos impactos da maternidade na produção científica das mulheres pesquisadoras, e participa do grupo de trabalho Mulheres na Ciência da universidade. Ela acredita que, mesmo com os avanços recentes, a equidade de gênero no Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer. “Há ainda poucas mulheres nas áreas Exatas e Tecnológicas, efeito conhecido como segregação horizontal, e há poucas mulheres em espaços de poder e decisão, conhecido como segregação vertical ou efeito tesoura. A falta de políticas de apoio à maternidade é um dos fatores que explica a sub-representação de mulheres no topo, ressaltou. Letícia destacou que a FAPERJ foi pioneira entre as agências de fomento à Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) estaduais em políticas de apoio à maternidade, em seus editais Cientista e Jovem Cientista do Nosso Estado. “Precisamos agora ampliar esta política para os outros editais da FAPERJ. O edital Meninas e Mulheres foi também uma grande conquista para atrair as meninas para a ciência. Estamos caminhando, mas há estimativas feitas pelo Fórum Econômico Mundial que podemos demorar mais de 200 anos para alcançar a equidade de gênero. Precisamos acelerar este tempo”, concluiu Leticia.
Por sua vez, a bióloga Alessandra Filardy, professora do Departamento de Imunologia do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes (IMPG) da UFRJ e única mulher apontada na lista tríplice do Nature Awards for Mentoring in Science, traçou um panorama sobre a participação feminina na pesquisa. Segundo ela, no Brasil, atualmente, as mulheres representam cerca de 54% dos estudantes de Doutorado e 44% dos pesquisadores, ressaltando que esses números variam muito entre as áreas do conhecimento e que nas categorias mais avançadas da carreira, diferenças na equidade de gênero se tornam mais evidentes. Estimativas apontam que as mulheres representam 46% dos docentes universitários, 21% dos coordenadores de programas de pós-graduação, 42% dos líderes de grupos de pesquisa e apenas 11% dos bolsistas Sênior de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a mais alta categoria de apoio a cientistas do País. A Academia Brasileira de Ciências (ABC) também reflete este cenário, sendo composta por 81,4% de membros titulares homens e 18,5% de mulheres. Na categoria de Associados, a diferença permanece, com 68,2% de homens e 31,7% de mulheres.
Alessandra destacou, entre as razões para essa desigualdade de gênero, a busca de equilíbrio entre a carreira e vida pessoal e a maternidade, que impactam na produtividade de publicações e no avanço das mulheres na pesquisa. “Para dar continuidade à minha carreira e atingir os marcadores necessários para a minha progressão acadêmica, tive que aumentar o ritmo de trabalho e perder alguns momentos de convivência com a minha filha Sophia, de dois anos", lembrou. "Para isso, conto com uma parceria fundamental do meu marido e família. Apesar de muitas vezes me culpar por não dar toda a atenção necessária à minha filha, acredito que a minha realização profissional e exemplo vão ajudar na formação de uma menina forte, que entenda a importância de lutar por seus objetivos. Finalmente, para tornar os ambientes de pesquisa mais ricos e igualitários, políticas públicas como licença-maternidade remunerada para estudantes de pós-graduação, a avaliação justa da produtividade, através da inclusão de fatores de correção, representatividade feminina em todos os âmbitos e cargos científicos, igualdade nos convites entre homens e mulheres para apresentações e debates em eventos científicos e abertura de espaços para crianças nesses eventos, deverão ser incorporados pela academia e pelo sistema de C,T&I”, ponderou.
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