Paul Jürgens
As picadas de cobras portadoras de venenos costumam atingir, anualmente, em torno de 25 mil pessoas mundo afora. Embora a letalidade desses ataques seja relativamente baixa, centenas de indivíduos acabam incapacitados para o trabalho na seqüência desses acidentes. Ainda assim, a indústria farmacêutica tem se mostrado pouco interessada em investir nesse nicho, já que há segmentos mais rentáveis no mercado e as vítimas quase sempre pertencem a camadas da população de baixo poder aquisitivo. Enquanto as pesquisas visando à solução do problema parecem avançar lentamente no setor industrial, um laboratório da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) vem trabalhando para a produção de novas drogas que já se mostraram eficientes contra vários tipos de veneno de cobras.
Os estudos estão sendo realizados pelo Núcleo de Pesquisas de Produtos Naturais (NPPN), unidade situada no Centro de Ciências da Saúde da UFRJ. O projeto é chefiado por Paulo Roberto Ribeiro Costa, professor titular do Laboratório de Química Bioorgânica da mesma instituição. Costa, que tem o apoio da FAPERJ em sua pesquisa por meio do programa Cientistas do Nosso Estado, está confiante de que os estudos avançam na direção certa: “Os resultados foram de tal forma significativos nos últimos meses que já temos pronta a redação da patente, que deve ser encaminhada ao INPI até o início de 2006”, adianta o pesquisador.
O ponto de partida para a pesquisa foi a popular ‘garrafada’, vendida em feiras das regiões Norte e Nordeste com o nome de Específico Pessoa e utilizada no tratamento preventivo de picadas de cobras. “Foram descritas na literatura duas das substâncias encontradas nessas ‘garrafadas’ e a partir delas criamos 25 outros derivados”, conta Costa. Os testes in vitro mostraram que duas dessas substâncias sintetizadas no laboratório tiveram ação eficaz no combate aos efeitos deletérios do veneno de cinco espécies de cobras. “O desafio é a substituição do soro convencional por um fármaco que garanta melhores resultados e maiores facilidades de estocagem”, explica o cientista.
Depois de resultados bastante animadores com os testes in vitro, o composto mostrou sua eficácia também no tratamento de camundongos saudáveis inoculados com o veneno. As células musculares dos roedores tratadas com o composto resistiram à ação química produzida pelo veneno, que, sem a proteção da substância, teriam sido danificadas. Para as vítimas inoculadas com o veneno de picadas que não são atendidas a tempo, as conseqüências mais freqüentes são lesões graves, com a perda do tecido muscular, e, dependendo do veneno, hemorragia. Em muitos casos, essas lesões acabam levando o membro atingido à incapacidade parcial ou total.
As vantagens da substituição dos tradicionais soros antiofídicos pela nova droga seriam imensas de acordo com o pesquisador. Ao contrário da substância testada pela equipe de Costa, o soro precisa ser estocado em temperaturas baixas e, freqüentemente, há perda de eficiência com o passar do tempo. Além disso, é preciso identificar a cobra já que os soros são diferentes para cada uma as espécies. Os acidentes mais comuns são provocados pelas espécies jararaca e jararacuçu. “Temos esperança de que o composto possa ser utilizado também no combate aos ataques de outros animais peçonhentos”, diz Costa. O próximo passo da pesquisa é o prosseguimento dos testes in vivo em animais de maior porte, como cães, o que deve ter início no princípio de 2006.
Como é comum na área das pesquisas científicas, soluções definitivas demandam tempo e paciência dos pesquisadores. “Será preciso pelo menos mais um ano de pesquisa antes que possamos ventilar a hipótese de dar início aos testes clínicos (com humanos)”, diz Costa. Para o pesquisador, a colaboração com o pesquisador e professor Paulo A. Melo, do Departamento de Farmacologia Básica e Clínica da UFRJ, tem sido fundamental para o trabalho no NPPN, que hoje conta com uma equipe de cerca de quinze pessoas, entre cientistas, estudantes de pós-graduação e técnicos.
Pesquisa também obteve resultados animadores no combate ao câncer
Os estudos no laboratório do NPPN não se resumem, no entanto, à pesquisa de eventuais substitutos para os soros antiofídicos. A equipe, em cooperação com a pesquisadora Vivian Rumjaneck do Departamento de Bioquímica Médica da UFRJ, vem trabalhando na síntese de novas substâncias que poderão ser empregadas no combate de pelo menos dois tipos de câncer: do sangue (leucemia) e o de mama. O composto usado como modelo foi obtido a partir da flor norte-americana Petalostemon purpurea, uma planta natural dos Estados Unidos.
Entre 2003 e 2004, com o apoio do Laboratório de Imunologia Tumoral do Departamento de Bioquímica Médica, foram realizados testes in vitro com células cancerosas de leucemia, provenientes de uma linhagem resistente a múltiplas drogas. Os resultados surpreenderam os cientistas favoravelmente, com uma clara observação de atividade em células expostas
ao composto – já conhecido por sua atividade antitumoral. A partir daí, Costa e sua equipe chegaram a sintetizar dez novas moléculas. Ao longo dos últimos meses, novos experimentos com dois dos compostos criados no NPPN, e também com aquele elaborado a partir da própria flor, se mostraram mais uma vez ativos no combate de células leucêmicas.
Nos testes de toxicidade, outro excelente resultado: nenhuma das três substâncias atacou células sadias. “Um dos obstáculos mais comuns nesse tipo de pesquisa é encontrar substâncias que, sendo ativas no combate às células atingidas, sejam inofensivas para as células normais do restante do organismo”, explica Costa. “Os testes em camundongos sadios realizados nos últimos meses confirmaram a não-toxicidade das substâncias”, comemora o cientista.
O próximo passo para a equipe do NPPN é preparar o campo à frente, visando o início dos testes em humanos voluntários. “Os dois projetos, tanto do composto que poderá substituir os soros antiofídicos como no tratamento de leucemia e câncer de mama, estão à beira do ensaio clínico”, diz Costa. Depois dos ensaios, no entanto, caso os resultados confirmem que a pesquisa caminha na direção adequada, a equipe do NPPN vai precisar se associar a outras instituições, como o Instituto Vital Brazil e o laboratório Farmanguinhos, este da Fundação Oswaldo Cruz. “A expertise dessas instituições em suas respectivas áreas poderão nos ajudar a vencer os últimos degraus dessa aventura científica”, sonha Costa. De qualquer
forma, se cada degrau representasse um ano na escala de tempo, talvez fosse preciso vencer ainda uma dezena deles para ver o medicamento na prateleira da farmácia mais próxima.
Para o professor do laboratório de Química Bioorgânica, a ajuda da FAPERJ à pesquisa tem sido ‘muito’ positiva. “Esse auxílio permite flexibilidade nos gastos e tem sido fundamental para o dia-a-dia dos trabalhos do laboratório, com o seu emprego eventual em material de consumo e equipamentos”, explica Costa. Antes de ser contemplado, em 2000, pelo programa Cientista do Nosso Estado, o laboratório do Paulo Roberto Ribeiro Costa já havia alcançado amplo reconhecimento ao ser contemplado, por exemplo, em dois editais do programa Pronex - uma parceria dos governos estadual e federal destinada ao apoio a Núcleos de Excelência em Ciência, Tecnologia e Inovação.
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