Ao contrário do que se imaginava, o tubarão salmão (Lamna ditropis) não habita apenas as águas geladas do Alaska (de 2-8oC), onde se alimenta de salmões durante o verão. Alguns indivíduos migram para águas mais quentes (cerca de 24oC), do Hawaii ou da baixa Califórnia, durante o inverno, conforme comprovou estudo publicado na revista Science de 7 de outubro. A pesquisa, liderada por Barbara Block, diretora do Tuna Research and Conservation Center (TRCC) da Universidade de Stanford (EUA), tem colaboração de diferentes grupos, incluindo os brasileiros Pedro Castilho, também de Stanford, e a professora Ana Maria Landeira Fernandez, do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ.
Os pesquisadores fizeram a marcação eletrônica (tags) de 48 tubarões salmão e o posterior rastreamento desses peixes via satélite no período de 2002 a 2004. Eles concluíram que, conforme os animais nadam do Norte do Pacífico para o Sul, mergulham cada vez mais fundo, onde a água é mais fria. “Esses tubarões, assim como os atuns e os peixes-de-bico (marlin, peixe espada e peixe vela), são animais endotérmicos, mantendo sua temperatura corporal (no caso de tubarões e atuns) ou cranial (peixe-de-bico) de 18 a 20oC acima da temperatura da água”, explica Ana Maria. De acordo com a pesquisadora, diferentemente dos peixes ectotérmicos, o tubarão salmão e os atuns são capazes de reter o calor metabólico gerado pela contração de seus músculos natatórios, que se encontram em grande quantidade e localizados internamente, formando um gradiente de temperatura ao longo do seu corpo.
Apesar de o corpo dos tubarões salmão ser quente, a inabilidade de prevenir a perda de calor através das guelras durante a respiração obriga o coração a seguir a temperatura da água. Assim, em baixas temperaturas, o coração do tubarão salmão diminui seus batimentos cardíacos, tendo que sustentar um corpo quente altamente aeróbico.
Outra descoberta do estudo com esses animais é que a bomba de cálcio (SERCA) - uma enzima fundamental no processo de contração e relaxamento do coração - através de sua atividade de remoção dos íons cálcio do citoplasma para o interior do retículo, apresentou uma atividade de captação de cálcio e uma quantidade de enzima tão alta quanto as encontradas em mamíferos. “Este fenômeno é bastante raro para um tubarão que vive na água e respira através de guelras. Essa alta atividade da bomba de cálcio possivelmente explica, ao menos em parte, a capacidade que esses tubarões têm de sobreviver em águas frias com um corpo quente e um coração frio”, diz a pesquisadora.
De acordo com Ana Maria, estudos como esse, que combinam a fisiologia do animal com dados provenientes do seu ambiente natural, permitem o aumento do conhecimento de espécies que estão sendo pescadas de forma indiscriminada sem antes mesmo conhecermos sua história natural.
A professora Ana Maria Landeira Fernandez recebe apoio do edital Primeiros Projetos da FAPERJ para a sua pesquisa intitulada “Interconversão de energia catalizada pela Ca2+-ATPase do tecido do calor presente nos peixes-de-bico”, que visa entender de que maneira a enzima a Ca2+-ATPase pode estar envolvida no mecanismo de produção de calor em um tecido único na natureza, presente somente nos peixes-de-bico (marlin, peixe-vela e espadarte). Este tecido situa-se estrategicamente embaixo do cérebro, mantendo os olhos e o crânio desses peixes aquecidos, a uma temperatura constante de até 20oC acima da temperatura da água. Ana Maria estuda o ciclo do cálcio, que consome energia gerando um aumento dos processos catabólicos da célula (geração de calor metabólico). “Uma mesma enzima, através da sua função do transporte ativo de cálcio, pode funcionar fisiologicamente no mecanismo de contração muscular, aumentando a sua quantidade em resposta ao frio, no caso do tubarão salmão, ou estar envolvida no processo de termogênese celular”, explica.
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Revista Science
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