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Publicado em: 10/11/2005
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Golfinho versus peixe-espada: disputa no fundo do mar

Mario Nicoll

 

Pescadinha, manjubinha e sardinha são iguarias saborosas até debaixo d’água. Pelo menos para golfinhos e peixes-espada que disputam o que há de disponível desse cardápio na vida marinha. Há muitos anos, pesquisadores suspeitam de que esses dois carnívoros travem uma constante competição alimentar, cuja comprovação é o principal objetivo da pesquisa Aspectos da Conservação do Golfinho Franciscana (Pontoporia blainvillei) no Norte do Rio de Janeiro, apoiado pelo programa Primeiros Projetos da FAPERJ.

 

O estudo, coordenado por Ana Paula Madeira Di Beneditto, do Laboratório de Ciências Ambientais da Uenf  (Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro), deve estar concluído até maio de 2006.  “Além de investigar essa competição, queremos verificar se isso é um fator de pressão adicional à ameaça de extinção do golfinho P. blainvillei”, planeja a pesquisadora.

 

Prato predileto dos golfinhos, as lulas não são motivo de discórdia. De acordo com os resultados parciais da pesquisa, elas têm pequena participação na dieta dos peixes-espada.  “Entre 150 peixes estudados, encontramos lula somente em um ou dois, enquanto todos os golfinhos continham lula no aparelho digestivo”, comparou Ana Paula. A lula é tão favorita para golfinhos que em alguns deles foi o único alimento encontrado.

 

Essa preferência, no entanto, não impede que as refeições desses animais sejam compostas também por grande quantidade de manjubinhas, sardinhas e cinco espécies de pescadinhas.  É aí que acontece a disputa com os peixes-espada, que apesar de serem maiores – chegam a 1,5m – comem menos que os golfinhos, que medem 1,3m. “Embora sejam menores, os golfinhos precisam ingerir maior quantidade de alimentos porque precisam de mais energia para viver”, explicou.

 

Mortes acidentais

A comparação entre as dietas dos dois carnívoros marinhos é feita a partir da necropsia dos animais, o que faz com que a participação dos pescadores do Norte Fluminense seja fundamental para o desenvolvimento do trabalho. Eles é que trazem carcaças de golfinhos mortos acidentalmente em redes de pesca para que possam ser estudadas pela equipe coordenada por Ana Paula. 

 

O foco na relação alimentar é parte de uma pesquisa mais ampla, que teve início em 1989 e envolve a interação entre golfinhos e pescarias no norte do Estado do Rio de Janeiro. A captura acidental em redes de pesca representa um risco às populações de golfinhos, botos e baleias no Norte Fluminense.

 

Sete espécies de golfinhos já foram encontradas nessa situação e estima-se uma mortalidade de cerca de 50 indivíduos por ano. Espécies de hábito tipicamente costeiro, P. blainvillei e S. fluviatilis são as mais impactadas pela atividade pesqueira, representando cerca de 95% do total das capturas na região. Ambas são consideradas espécies sob maior pressão antrópica no litoral brasileiro e constam na Lista Oficial de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção e no Plano de Ação para Mamíferos Aquáticos do Brasil.

 

A pesquisa de Ana Paula atende a uma recomendação desse plano de ação elaborado pelo Ibama em 2001 e que sugere a intensificação de estudos que envolvam o monitoramento de capturas acidentais, a análise da biologia e da dinâmica populacional dessas duas espécies ao longo de suas áreas de distribuição. “O principal objetivo do nosso estudo é o entendimento dos aspectos relacionados à conservação desses animais, bem como de sua biologia e estrutura populacional”, observou a pesquisadora.

 

Das 81 espécies de cetáceos (golfinhos, botos e baleias) existentes, 22 já foram registradas na região. “A diversidade é relativamente alta, mas o nível de mortalidade não é dos mais críticos, se levarmos em conta que no Sul do Brasil morrem mais de 300 golfinhos por ano, vítimas da atividade pesqueira”, comparou Ana Paula.

 

Onde ocorrem os acidentes

 

Ao longo do desenvolvimento do estudo foi possível constatar que as pescarias costeiras com rede de espera praticadas até 10 milhas náuticas de distância da linha de costa ou em águas de até 30m de profundidade são as que causam maior impacto sobre as espécies P. blainvillei e S. fluviatilis, sendo que no norte do Estado Rio de Janeiro a área situada entre o Cabo de São Thomé e Macaé é a mais crítica.

 

Os indivíduos jovens ou que estão em início de maturação sexual são os mais afetados pelas pescarias. Ana Paula faz questão de ressaltar que não se pode afirmar se isso representa a estrutura populacional na região. “Temos que levar em conta que pode ser devido à maior vulnerabilidade deles”, observou. P. blainvillei atinge a maturidade sexual entre 2 e 3 anos de idade, com cerca de 120 cm de comprimento total, e S. fluviatilis entre 5 e 6 anos, com cerca de 170 cm.

 

Ambas se alimentam principalmente de peixes e lulas, e muitas das presas apresentam forte associação com regiões estuarinas (encontro do rio com o mar). De modo geral, as presas de P. blainvillei apresentam porte menor em relação às presas consumidas por S. fluviatilis.

 

Atualmente, as pesquisas sobre golfinhos vêm sendo conduzidas com o apoio financeiro da FAPERJ e o tema central do estudo em andamento é a investigação das capturas acidentais de P. blainvillei e de suas relações alimentares com o peixe-espada (Trichiurus lepturus).

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