Vinicius Zepeda
IHGB/Estado do Pará (1901-1909) |
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Meninas índias eram educadas por freiras da Ordem |
O estudo desenvolvido pela pesquisadora em Ensino Profissional no Brasil (1870-1910): Internatos para Desvalidos e Indígenas chama a atenção para o fato de haver encontrado relatos extremamente contraditórios no que toca à eficiência destas políticas. “Não há como precisarmos realmente a qualidade delas, uma vez que a maior parte dos documentos da república, com o propósito de desqualificar o império, afirmam que as instituições anteriores nada formaram”, explica a psicóloga. “Esta posição fica clara, por exemplo, no relatório produzido por José Veríssimo em 1890 – um ano após a Proclamação da República no Brasil – quando ocupou o cargo de diretor geral da Instrução Pública do Governo do Estado do Pará”, acrescenta.
A pesquisa fez uma análise comparada do trabalho em instituições voltadas para a formação profissional de meninos e meninas pobres, indígenas e ‘ingênuos’ - termo usado na época para designar negros livres e desamparados nascidos após 1871 – ano da assinatura da Lei do Ventre Livre – no Amazonas, Pará, Maranhão, Pernambuco e Rio de Janeiro. “As instituições resultaram de iniciativas oficiais dos governos das províncias e do governo central, e de particulares, como religiosos e industriais. No período, os asilos e institutos profissionais surgiam com a intenção de associar o ensino primário ao profissional, este voltado para a atividade artesanal e agrícola”, ensina a pesquisadora.
IHGB/Estado do Pará (1901-1909) |
Banda de músicos do Instituto Santo Antônio do Prata |
Entre os muitos asilos e institutos que existiram naquele período, a pesquisadora optou por destacar em seu estudo os casos do Asilo de Meninos Desvalidos (RJ, 1875); Colônia Orfanológica Isabel (PE, 1875); Instituto de Artes e Ofícios e Agrícola da Providência (PA, 1883), Instituto Santo Antônio do Prata (PA, 1898) e as Casas de Educandos Artífices, quase todas instaladas nas regiões Norte e Nordeste e criadas por iniciativa dos governos locais ao longo do Segundo Reinado. “No Rio de Janeiro, o Asilo dos Meninos tinha o objetivo de recolher crianças abandonadas, educar e ensinar um ofício para que pudessem servir de mão-de-obra na indústria e no comércio da cidade. Já os dois institutos paraenses tinham por finalidade ensinar aos filhos dos índios os ofícios artesanais e, sobretudo, o trabalho na agricultura” , conta Irma.
O trabalho desenvolvido por Irma Rizzini foi concluído em 2006. Porém, suas pesquisas sobre o assunto continuam. Hoje ela é professora adjunta da Faculdade de Educação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e desenvolve uma nova pesquisa no Proedes (Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade) sobre outras instituições do mesmo período. “No Proedes, temos um acervo enorme de documentos sobre a história da educação no Brasil, cujas coleções estão descritas no sitio do centro de documentação. Só sobre o Asilo de Meninos Desvalidos, são mais de 34 mil documentos catalogados para pesquisa”, contabiliza.
Anos de 1909/1910 foram divisores de água na formação profissional
De acordo com Irma Rizzini, os anos de 1909 e 1910 representaram um marco nas iniciativas voltadas para a formação do quadro profissional no país. “As Casas e Institutos de Educandos Artífices, que eram internatos mantidos pelos governos locais, foram gradativamente extintos. Neles, o educando morava longe da família, e o contato com os pais, tutores ou protetores era regulado pelas instituições”, lembra a pesquisadora. A partir de 1910, o governo federal inicia uma política de fundação de Escolas de Aprendizes Artífices, em regime de externato, destinados à formação de trabalhadores. “Contudo, para o aprendizado agrícola e artesanal dos filhos dos índios, foram mantidos os internatos, que passaram a ser instalados dentro dos territórios indígenas, por missionários, como os monges capuchinhos, que associados ao governo, tinham o objetivo de civilizá-los e catequizá-los”, acrescenta.
Album do Estado do Pará (1901-1909) |
Crianças indígenas de tribos consideradas 'selvagens' (à esq.) eram educadas por
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Ainda em 1910, chama atenção também a criação do SPI (Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais). O objetivo do serviço era centralizar as ações, civilizar os índios dentro da política, cultura, economia e sociedade brasileira. “Além disto, também servia para liberar territórios para ocupação pelo estado nacional.”
Irma Rizzini lembra a visão acerca dos indígenas que permeava as ações dos governos durante o século XIX. “A crença existente era que eles deveriam ser civilizados segundo o modelo dos colonizadores e que não eram muito aptos à atividade intelectual mas sim ao trabalho manual”, afirma. “No caso da Amazônia, os índios são representados na documentação, separados em duas categorias: “mansos” ou “domesticados”, de um lado, para designar aqueles que já realizavam algum tipo de intercâmbio comercial com a população das cidades e não ofereciam resistência aos chamados civilizados; do outro, os "selvagens", como eram chamados aqueles que ofereciam resistência, não tinham contato com a civilização ou se recusavam a ter, e eram temidos pela população por alguns supostos ataques que eventualmente realizavam”, explica.
Para a pesquisadora, toda essa política centrada na formação profissional teve alcance limitado. “Cabe ressaltarmos que as instituições atendiam a um número limitado de crianças frente à situação de pobreza da população e à restrita abrangência da educação pública no período. Além disso, meus estudos concluíram que, à medida que essas instituições voltadas para o ensino profissional ganhavam prestígio e status social, tinham suas finalidades desvirtuadas”, afirma. “Isso ocorria por causa do clientelismo que caracterizava as relações do estado brasileiro com a sociedade. Ou seja, pessoas pobres, mas não necessariamente desvalidas como aquelas para as quais a instituição se voltava, eram incluídas em seu quadro graças às relações de apadrinhamento”, conclui.
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